Tomo I: Onde iniciou a militância revolucionária, escreveu seus primeiros livros em defesa do marxismo e conheceu sua cara-metade
A sociedade que moldou Lênin e sua geração
A década de 1890 teve um rápido desenvolvimento capitalista na Rússia. Aumento numérico da classe operária, concentração da grande indústria, onda grevista nas grandes fábricas e penetração do marxismo no movimento operário. Enfim, uma nova etapa do movimento operário na Rússia coincidiu com o início da militância de Lênin.
Por: Nazareno Godeiro
Este momento deu a dinâmica de unificação de uma nova geração de jovens intelectuais burgueses e pequeno-burgueses com o movimento operário, dando base para a solidez das ideias marxistas, juntando a teoria marxista (científica) com a luta do movimento operário.
Superou a fase anterior do movimento revolucionário russo, baseado nas ideias democrático-burguesas, na intelectualidade socialista-cristã-camponesa e na corrente populista, que unia um programa socialista utópico com métodos terroristas, do herói revolucionário.
Mostrou, graficamente, a relação dialética entre a estrutura, a base material da sociedade russa, e a superestrutura, partidos, organizações, ideias da época. Lênin, assim como sua geração, foi moldado por estas transformações na base material, mudança de feudalismo para capitalismo de forma não revolucionária, bismarckista, prussiana, porém baseada numa rápida introdução do capitalismo no campo e na cidade (alta concentração de grandes fábricas) que impulsionou a classe operária industrial como protagonista político de primeira linha, inclusive à frente da burguesia raquítica, que nasceu umbilicalmente ligada ao tzarismo. Esse desenvolvimento capitalista condicionou a luta de classes na Rússia e transformou o proletariado num ator político enquanto catapultou o marxismo como doutrina central do movimento operário a partir da fusão da intelectualidade burguesa e pequeno-burguesa com o movimento operário, iniciando assim uma transformação que veio da superestrutura para a estrutura e vice-versa. Assim, se combinou dialeticamente, a visão marxista, onde “os homens fazem a história, porém condicionados pelas relações econômico-sociais”.
Assim vemos que a relação entre estrutura e superestrutura é muito fluida: apesar de serem duas coisas distintas, elas operam, na vida real, como uma só e que “adquirem vida e movimento apenas em suas relações recíprocas”,[1] ainda que a estrutura condicione a superestrutura. Nada a ver com a visão subjetivista onde a história é feita “pelos grandes homens” ou pela visão marxista vulgar e determinista que a ação dos homens são reproduções automáticas determinadas pela economia.
É este movimento da vida real, do desenvolvimento capitalista da Rússia, que deu razão aos marxistas e negou a teoria populista, ainda que não anulou nem o movimento camponês, que terá peso até depois da tomada do poder, nem a força do partido camponês (SRs), apenas colocou no seu devido lugar da história, como força auxiliar da revolução proletária ou da contrarrevolução burguesa.
Desse movimento que se desenrolou a estrutura da sociedade, surgiu um partido burguês (kadete, democrata constitucionalista) com orientação de conciliação com o tzarismo, que buscou introduzir o capitalismo pela via pacifica, reformista, prussiana, a partir de 1861, com a reforma camponesa, e um partido marxista revolucionário, o POSDR, representando o ascenso da classe operária na economia e na política.
LÊNIN E SEU TEMPO
Lenin ingressou na Universidade de Kazan aos 17 anos (1887) e começou a participar num círculo estudantil revolucionário. Foi detido em dezembro de 1987 por participar em manifestações estudantis e excluído da Universidade.
Lenin foi deportado em dezembro de 1887 para a aldeia de Kokúshkino, sob vigilância policial. Fazia apenas 8 meses que seu irmão, Alexandre, tinha sido executado como terrorista, quando Lenin tinha 17 anos.
Com 18 anos, leu “O Capital” e começou sua militância num círculo clandestino marxista, organizado por Fedoséev. Dava aulas particulares para ganhar algum trocado.
Com 19 anos, leu livros do populista Vorontsov, onde se dizia que na Rússia não havia condições para o desenvolvimento do capitalismo e defendia o camponês e apostava/idealizava a comunidade camponesa como força motriz da revolução.
Com 20 anos traduziu “O Manifesto Comunista” para o russo.
Nos próximos 4 anos, escreverá livros polemizando com os populistas e provando que já estava ocorrendo o desenvolvimento do capitalismo na Rússia: “Quem são os ‘amigos do povo’ e como lutam contra os socialdemocratas” e “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”.
Com 20 anos (1890), leu e traduziu obras de Marx e Engels e discutiu nos círculos clandestinos. Entre 20 e 22 anos, priorizou se formar em Direito.
Com 22 anos advogou em defesa dos camponeses e pensou em se estabelecer como advogado.
Com 23 anos retomou estudos econômicos e dos dados estatísticos russos. Ingressou num círculo marxista de estudantes da Universidade Técnica.
Segundo a irmã de Lênin, Maria, ele prezava por grande pontualidade e minuciosidade, além de estrita economia de gastos.
“Por primera vez en San Petersburgo llevo ahora un libro de entradas y salidas para ver cuánto gasto en verdad. Resulta que en un mes, del 28/VIII al 27/IX, gasté en total 54 rublos 30 kopeks, sin contar el equipaje (cerca de 10 rublos) y los gastos por un asunto judicial (también unos 10 rublos), que posiblemente tenga que afrontar. Es cierto que una parte de estos 54 rublos se gastó en cosas que no tendrán que comprarse todos los meses (chanclos, ropa, libros, un ábaco, etc.); pero aun descontando esto (16 rublos), el desembolso sigue siendo excesivo: 38 rublos por mes. Sin duda no he vivido con prudencia: sólo en viajes en tranvía de sangre, por ejemplo, gasté un rublo 36 kopeks. Cuando me adapte al lugar es posible que gaste menos.”
Isto foi escrito em 5 de outubro de 1893 para sua mãe, Maria Blank. Para ter uma referência da época, o gasto que Lênin teve em um mês correspondia ao salário médio anual de um operário agrícola de então.
Os estudos de Lênin revelavam uma preocupação do jovem militante: a análise socioeconômica da Rússia no final do século XIX e as orientações táticas e estratégicas derivadas desta compreensão das classes sociais em luta (principalmente a formação do partido marxista), que serão incluídas no programa do partido que será discutido dentro de alguns anos.
Característica importante e inusual de um militante jovem que buscou utilizar o marxismo em conexão com as peculiaridades da sociedade russa, isto é, não se contentava em decorar o marxismo e sim utilizá-lo como um guia para a ação. A dialética sempre pautou as elaborações de Lênin, por isso, uma das suas máximas preferidas era: “A verdade é sempre concreta”. Muito raramente fazia prognósticos para o futuro, por isso, também, raramente se enganava.
Em 1893, com 23 anos, Lenin aprofundou os estudos da economia russa, criticando os populistas (na filosofia, economia, programa e tática) desde um ângulo marxista. Lênin partiu da experiência de Marx e Engels de luta ideológica no interior do movimento operário, combinando três formas de luta: teórica (científica), política(pelo poder) econômica(prática), onde a luta teórica e a luta econômica estão subordinadas à luta pelo poder.
Escreveu o seu primeiro livro: “Nuevos cambios economicos en la vida campesina“, que será publicado apenas em 1923.
Novas mudanças econômicas na vida camponesa (1893). Lênin demonstrou, a partir das estatísticas reunidas por Póstnikov, que a introdução do capitalismo no campo russo, provocou uma divisão do campesinato em 3 setores de camponeses: pobre, médio e acomodado que levou ao surgimento do proletariado e da burguesia rural, que cresceu às expensas do pequeno produtor e do campesinato médio. Revelou o caráter pequeno-burguês do campesinato russo. O pequeno proprietário e parte do médio, se transforma em assalariado porque não podia concorrer com o grande produtor, que tinham máquinas e animais para a agricultura e dispunha de capital para comprar e arrendar terra e assalariar trabalhadores.
Em 1893, mudou para São Petersburgo, já como militante do partido, onde estabeleceu contato com operários de vanguarda, onde conheceu Shelgunov, Bábushkin e outros.
No final de 1893, com 23 anos, Lenin escreveu seu segundo livro: “Acerca de la llamada cuestion de los mercados” – seguindo no mesmo assunto, a sociedade russa, a partir da sua estrutura socioeconômica.
Acerca da chamada questão dos mercados (1893, publicado em 1937). Se apoiando em “O Capital”, mostrou a formação do capitalismo no campo e o mercado interno e criticou a visão que a produção capitalista necessitava do mercado externo para realizar a mais-valia, visão defendida por Krasin, velho marxista, e os “marxistas legais” (Struve e cia). Lenin polemizou com Krasin sobre a formação do mercado capitalista na Rússia a partir da miséria do camponês. Krasin dizia que o capitalismo tem predomínio do setor I (produção dos meios de produção) que fazia seu próprio mercado. Lenin questionou essa visão partindo de um profundo conhecimento de “O Capital” de Karl Marx, dizendo que o desenvolvimento do setor I e II (meios de consumo) se dão paralelamente, porém com uma lei onde o capital constante cresce em proporção maior que capital variável, ou dito de outra forma, a produção dos meios de produção cresce mais rapidamente que a produção de meios de consumo. Para Lênin, o desenvolvimento do mercado não era mais que o desenvolvimento da divisão social do trabalho e da produção de mercadorias. Por fim, Lenin comprovou, em polêmica com os intelectuais populistas, que o empobrecimento do campo e a descampesinação era a condição para o desenvolvimento do mercado interno e do capitalismo, com a diferenciação no campo e o surgimento do proletariado e da burguesia rural.
Em 1894, se tornou dirigente do círculo marxista de São Petersburgo e deu cursos para os operários marxistas dos bairros da cidade.
Com 24 anos recem completados, em 1894, Lenin escreveu seu terceiro livro “Quienes son los ‘amigos del pueblo’ y cómo luchan contra los socialdemócratas”. O livro foi publicado no mesmo ano. Livro importante para a luta ideológica do POSDR em formação, contra os populistas, corrente amplamente majoritária na luta contra o tzarismo, que advogavam por um socialismo utópico de base camponesa, baseados em métodos terroristas.
“Quienes son los ‘amigos del pueblo’ y cómo luchan contra los socialdemócratas” (escrito na primavera e verão de 1894), livro escrito para a luta ideológica do marxismo, que estava nascendo na Rússia, contra o populismo, que havia iniciado uma campanha contra o marxismo no país. O debate central no primeiro fascículo tinha um fundo filosófico: o que é a concepção materialista da história e o método dialético-materialista, base fundamental da corrente comunista fundada por Marx e Engels.
Lênin afirmava que o marxismo consegue explicar melhor o que está acontecendo na Rússia (“Rússia é um país capitalista”) do que o populismo que acreditava que o capitalismo na Rússia não tinha como progredir porque o camponês russo tinha a propriedade da terra e a indústria que estava surgindo, uma produção domiciliar, um regime social “popular”, “progressivo”, baseado na propriedade comunal da terra, a famosa “Comuna russa”. Por isso, o populismo de fins do século XIX, defendia apenas introduzir pequenas reformas no campo, nutria esperanças no governo tzarista e na “sociedade culta” em promover essas mudanças e sonhava com a união de todos os camponeses (pobres, médios e ricos) para marchar a um socialismo cooperativo, baseado na propriedade comunal da terra, uma marcha ao socialismo como desenvolvimento natural da economia. Portanto, os intelectuais populistas viam a introdução do capitalismo como “artificial”, que não combinava com a estrutura do campo na Rússia. Não entendiam que o capitalismo já estava introduzido na Rússia pela via reformista e que já estava prevalecendo no campo, com a divisão entre os camponeses pobres que estavam vendendo as terras para se tornar braceiros e proletários, os camponeses médios que apenas sobreviviam com o trabalho no campo e uma classe de camponeses ricos (burgueses), que dominavam grandes propriedades e exploravam assalariados rurais, assim como eram os intermediários que exploravam as indústrias familiares, grande produção industrial baseado no trabalho domiciliar, essencialmente uma empresa de natureza capitalista, ainda que não maquinizada, moderna.
Lênin explicava esse desenvolvimento capitalista apoiado na teoria marxista e na concepção materialista da história que analisava a sociedade a partir das relações entre os homens na produção de riquezas na sociedade: dizia que a sociedade russa já estava se diferenciando entre proletariado e burguesia, a partir da reforma no campo de 1861, que acabou com a servidão no país e a propriedade da terra passou a ser vendida de forma privada (como uma mercadoria). Os populistas, com o método sociológico subjetivista, criticavam o marxismo dizendo que este só via a “economia” e não a vontade das pessoas, que era o que de fato transformava a sociedade. Seguindo Marx, Lênin argumentava que “O modo de produção da vida material condiciona os processos da vida social, política e espiritual em geral”, isto é, as relações econômico-sociais condicionam a superestrutura política, jurídica, cultural e inclusive, a forma do Estado tzarista como estava se moldando na época e que, se é verdade que é a ação humana que transforma essa sociedade, essa ação se dá condicionada pela situação real do país naquele momento. Portanto o marxismo estuda as sociedades como formações socioeconômicas, como relações sociais de classe estabelecidas na base da sociedade, na produção material das riquezas.
O marxismo explicou que o socialismo (à diferença dos socialistas utópicos) não é apenas um desejo subjetivo de algum líder iluminado, mas uma necessidade histórica, que decorre das contradições internas do próprio sistema capitalista.
Dessa forma, enquanto Lênin e os socialdemocratas russos (marxistas) defendiam a união do novo proletário rural e o camponês pobre com os trabalhadores da cidade para lutar contra o Tzar e o capitalismo, através do método da luta de classes (“A única solução [negrito do Lênin] está na luta de classe do proletariado contra a burguesia”), os populistas idealizavam a pequena propriedade rural russa, defendiam o terrorismo individual e exigiam liberdades e pequenas reformas no campo.
Assim, Lênin demonstrou o fortalecimento do capitalismo na Rússia (com o fortalecimento do mercado capitalista, a partir da expropriação do camponês pobre e da diferenciação de classe no campo) e que os populistas, ao idealizarem os camponeses como um todo de serem portadores da sociedade do futuro, representavam os interesses dos camponeses acomodados, ricos, os que verdadeiramente estavam lucrando com a miséria total do camponês russo.
Lênin afirmava (numa polêmica de alto nível e com apenas 24 anos), num enfrentamento ideológico com os intelectuais renomados do populismo russo, que o capitalismo já estava implantado na Rússia, ainda que havia contradições importantes a partir da sobrevivência do tzarismo e restos feudais na sociedade.
Demonstrou que o erro dos populistas se originava na sua filosofia (método subjetivo na sociologia) que negavam que o capitalismo estava se implantando a partir de leis próprias do desenvolvimento econômico-social capitalista e que o papel protagonista na sociedade russa passava a ser do proletariado e do campesinato pobre contra o tzar e a burguesia.
Daqui Lênin depreendeu a necessidade da aliança operário-camponesa, revolucionária, para derrubar a autocracia tzarista. Os populistas acreditavam que a história se movia pela ação de personagens “heroicos”. Lênin mostrou que o curso da história estava condicionado pela diferenciação de classes no campo russo (por leis objetivas, operando no capitalismo russo, com características próprias e diferentes da Europa ocidental) e que isto ia determinar a forma de expressão da luta de classes na Rússia. Lênin refutava a crítica populista de que Marx só via a “economia”, que o marxismo, o materialismo dialético aplicado à historia, não tem nada a ver com o automatismo-determinista em que o ser humano é um instrumento cego de leis eternas de funcionamento das sociedades, ideologia que 40 anos depois será a base central ideológica do stalinismo, depois da degeneração da revolução russa.
Lênin afirmou neste livro: “Ningún marxista ha utilizado nunca ni en parte alguna el argumento de que en Rusia “debe haber” capitalismo “porque” lo ha habido en Occidente, etc. Ningún marxista ha visto jamás en la teoría de Marx una especie de esquema histórico-filosófico obligatorio para todos, algo más que la explicación de una formación socioeconómica concreta.”
O que Lênin afirmava é que, desde que surgiu o marxismo, a análise das sociedades passou a ser científica, pois “permitia adotar pela primeira vez uma atitude rigorosamente científica diante dos problemas históricos e sociais”. Para Lênin, o marxismo era a “única concepção científica da história”, uma “teoria cientificamente provada”, portanto, “…a concepção materialista da história será sinónimo de ciência social.”
Neste livro, Lênin desenvolveu uma polêmica sobre as potencialidades revolucionárias do sistema capitalista, inclusive que lhe valeu a acusação de que via o capitalismo como uma etapa “progressista” da sociedade. Porém, isso é uma caricatura da sua posição pois fazia essa afirmação sempre em relação ao sistema feudal na Rússia de então e não ao capitalismo em geral. Dizia que a implantação do capitalismo geraria uma classe burguesa e uma classe proletária, levando a uma luta de classes aberta e direta, sem as mediações do tzarismo e das sobrevivências feudais. Ele via também como progressivo a implantação da grande indústria maquinizada que avançava na socialização geral da produção capitalista em oposição à pequena produção rural e a formação do mercado nacional unificado e o mercado internacional, pois fortalecia a classe proletária – a “única classe verdadeiramente revolucionária” – e o exército internacional do proletariado. Lênin tinha claro que o desenvolvimento do capitalismo na Rússia geraria uma classe de poderosos bilionários capitalistas enquanto haveria uma miséria crescente entre o proletariado e semiproletariado. A sobrevivência de elementos feudais agregava “às penúrias capitalistas outras piores ainda”.
Seguindo a este debate, Lênin discutiu a conexão entre as lutas democráticas (das outras classes sociais) e das lutas pelo socialismo (do proletariado), onde as reivindicações democráticas deviam ser abordadas pelo proletariado apenas como um meio para levar às reivindicações socialistas:
“Y por eso, la lucha al lado de la democracia radical contra el absolutismo y los estamentos e instituciones reaccionarios es una obligación directa de la clase obrera, que deben inculcarle los socialdemócratas, inculcándole a la vez, sin pérdida de tiempo, que la lucha contra todas estas instituciones es necesaria sólo como medio para facilitar la lucha contra la burguesía, que la clase obrera necesita conquistar las reivindicaciones democráticas de carácter general sólo como medio para desbrozar el camino que conduce a la victoria sobre el enemigo principal de los trabajadores: el capital….”
A partir desse debate, Lênin extraiu uma conclusão programática fundamental que foi a viga mestre de toda a sua militância na construção do POSDR e depois da fração bolchevique: o proletariado como principal força motriz da revolução, a classe protagonista da sociedade russa, seus aliados e sua conexão internacional:
“A la clase de los obreros dirigen los socialdemócratas toda su atención y toda su actividad. Cuando sus representantes avanzados asimilen las ideas del socialismo científico, la idea del papel histórico del obrero ruso, cuando estas ideas alcancen una amplia difusión y entre los obreros se creen sólidas organizaciones que transformen la actual guerra económica dispersa de los obreros en una lucha consciente de clase, entonces EL OBRERO ruso, poniéndose al frente de todos los elementos democráticos, derribará el absolutismo y conducirá AL PROLETARIADO RUSO (al lado del proletariado DE TODOS LOS PAISES) por el camino recto de la lucha política abierta a LA REVOLUCION COMUNISTA VICTORIOSA” (pág. 327).”[2]
Neste livro Lênin chegou a uma conclusão muito importante sobre as tarefas do partido revolucionário:
“Y si hubiera expuesto la verdadera concepción que los socialdemócratas tienen de la realidad rusa, no habría podido menos de ver que hay una sola manera [negrito do Lênin] de “tomarlas en consideración”: contribuir al desarrollo de la conciencia de clase del proletariado, organizándolo y cohesionándolo para la lucha política, contra el régimen contemporáneo.”
Mesmo criticando a ideologia e concepções anticientíficas dos populistas, Lênin reivindicava a luta dos populistas da década de 1860 e 1870, como uma corrente democrática-revolucionária. Neste texto, Lênin está criticando os populistas de 1894 que iniciavam um movimento de aproximação com as posições ideológicas liberais burguesas.
Sempre analisando o caráter de classe das correntes, Lênin chamava a atenção para o fato de que os populistas representavam os interesses de classe da pequena propriedade camponesa russa, depois da reforma capitalista camponesa de 1861. Por isso, Lênin dizia que a concepção materialista da história buscava encontrar o caráter de classe das tendencias políticas e que é necessário analisar os acontecimentos desde o ângulo de classe. Neste caso, o caráter científico do marxismo coincidia com seu caráter de classe, proletário, como única classe verdadeiramente revolucionária.
Com 24 anos (1894) entrou em contato com vanguarda operária em Petersburgo, para quem aplicou cursos de formação. No início de 1895, escreveu o primeiro panfleto marxista para as fábricas. Escreveu “Quem são os ‘amigos do povo’ e como lutam contra os socialdemocratas”[3], numa luta ideológica feroz contra os populistas e a moda “camponesa”, defendendo uma visão de mundo marxista.
Em 1894, conheceu sua cara-metade, Nádia Krupskaya, no partido em Petrogrado. Conheceu os economistas marxistas “legais” Struve, Tugan-Baranovsky. Estudou o livro de Engels “A origem da família da propriedade privada e do Estado”.
Em 1895, com 25 anos publicou seu quarto livro “Contenido economico del populismo y su crítica en el libro del señor Struve“:
Este livro fazia uma crítica ao livro de Piotr Struve (Notas críticas sobre o desenvolvimento econômico da Rússia, 1894), dirigente da corrente marxista que atuava na legalidade, que buscava apresentar um marxismo “suave” aos olhos da burguesia liberal. Porém, antes de começar a crítica Struve, Lênin retomou as caracterizações da teoria e do programa dos populistas, que são criticados por Struve, mas de forma incompleta. Segundo Lênin, os populistas do final do século XIX, à diferença de seus pares da década de 1860/1870, se aproximavam do liberalismo burguês e se tornou uma corrente que propunha pequenas reformas no sentido de melhorar as condições da pequena propriedade rural. Eles acreditavam que a situação do campo russo era boa porque havia a propriedade comunal da terra, sem dar importância à diferenciação de classe que surgia desta mesma propriedade comunal: uma divisão de classe próprio do sistema capitalista que já estava vigorando no campo russo desde a reforma camponesa de 1861, que abriu a comercialização da terra em proveito da burguesia nascente do próprio campesinato. Criticavam os marxistas que diziam haver novas relações de produção (burguesas) na Rússia afirmando que estes queriam a ruína dos camponeses ao defender o capitalismo. Lênin contra-argumentava que não defendia o capitalismo, que apenas usava o método marxista, que não tem medo de dizer as coisas pelo seu nome. Os marxistas, ao identificar a proletarização de uma parte importante do campesinato, tomou o lado desse semiproletário ou do proletário rural contra a burguesia e a nobreza. Para Lênin, a implantação do capitalismo deixaria as relações sociais de exploração mais claras do que a exploração no sistema feudal e que a socialização da produção (no país e no mundo) fortalecia a única classe revolucionária da sociedade: o proletariado urbano e rural. Os populistas, ao contrário, não queriam ver que o capitalismo já estava a todo vapor e sonhavam com a volta de uma economia centrada na pequena propriedade, sem passar pela exploração capitalista. Faziam isso porque os populistas representavam os interesses do pequeno produtor rural, que a fonte do populismo se encontrava no predomínio de classe dos pequenos produtores na Rússia capitalista posterior à Reforma.
A segunda parte do livro é uma crítica ao livro de Piotr Struve. Partindo do acordo geral com Struve, Lênin criticava o caráter abstrato da apresentação do tema (que não conecta com a situação da Rússia de então) e que ele relutava em traduzir as ideias sociais em relações econômicas reais. Lênin diferenciava também, o “objetivismo” e o marxismo, coisa que Struve confundia. Segundo Lênin, o objetivista – também denominado por Lênin “fatalista” – falava de “tendências históricas insuperáveis” (correndo o risco de se tornar um apologista do capitalismo russo) enquanto o marxista analisava as contradições de classe de uma determinada realidade e que classes determinava o tipo de regime existente e viam a saída na luta de classes, através da ação política de grupos e indivíduos. Por isso, Lênin dizia que o marxismo é “determinista” (não no sentido que tem hoje, após o stalinismo deturpar o marxismo vulgarizando-o, deturpando-o e transformando-o em “determinismo fatalista”), mas não fatalista. Daí Lenin extraiu uma visão que o materialismo (marxismo) pressupõe ter um lado na luta, de defender uma classe social franca e abertamente. O marxismo é incompatível com ficar “em cima do muro”.
Para Lênin,
“La teoría de la lucha de clases es una gran realización de las ciencias sociales precisamente porque establece los procedimientos para reducir lo individual a lo social con toda precisión y exactitud. En primer lugar, esta teoría ha elaborado el concepto de formación económico-social. Tomando como punto de partida el modo de obtención de los medios de subsistencia —hecho básico para toda colectividad humana—, vincula con él las relaciones entre los hombres creadas bajo la influencia de ese modo de obtener medios de subsistencia, y en el sistema de esas relaciones “(Velaciones de producción”, según la terminología de Marx) ve la base de la sociedad, base que se reviste de formas políticas y Jurídicas y de determinadas tendencias del pensamiento social. Cada sistema de relaciones de producción es, según la teoría de Marx, un organismo social particular, con sus propias leyes de aparición, funcionamiento y paso a una forma superior, de conversión en otro organismo social. Esta teoría aplicó a las ciencias sociales el criterio objetivo y científico general de la repetición, que los subjetivistas consideran inaplicable a la sociología.”
Outra diferença importante com Struve é sua critica à teoria marxista sobre o Estado, que para ele é uma “generalização unilateral e apressada”. Segundo este autor, o caráter distintivo do Estado é seu “poder coercitivo”, portanto já existia antes das classes sociais e perdurará depois da supressão das classes.
Struve polemizava com os populistas de um ponto de vista abstrato, sem vincular os fenômenos às classes sociais e setores de classe em luta, debilitando a discussão com eles. Lênin criticava Struve por sua tentativa de unir o marxismo ao malthusianismo.
No final, o objetivismo fatalista de Struve reforçava sua apologia do sistema econômico capitalista e sua “inevitabilidade histórica e da legitimidade do capitalismo”. Assim, à diferença de Lênin, Struve é, afinal, quem teorizou sobre um sistema capitalista progressivo em si mesmo:
“Si el Estado […] no desea fortalecer la gran propiedad agraria, sino la pequeña, dadas las actuales condiciones económicas podría lograr ese objetivo, no corriendo en pos de una irrealizable igualdad económica entre los campesinos, sino, únicamente, apoyando a los elementos capaces, creando con ellos un campesinado económicamente fuerte” (240). “No puedo dejar de ver que la política orientada a la creación de tal campesinado [concretamente: “del económicamente fuerte, adaptado a la producción mercantil”] sería la única política sensata y progresista” (281). “Rusia, que es un país capitalista pobre, debe convertirse en un país capitalista rico” (250), etc., etc., hasta llegar a la frase final: “aprendamos del capitalismo”.
Concluindo, Lênin criticou os “marxistas legais”, corrente econômica marxista de caráter burguês legal, que adulterou o marxismo, retirando seu caráter de classe, e utilizavam o marxismo para mostrar o quanto o desenvolvimento do capitalismo na Rússia era “progressivo”. A leitura deste livro permite desmascarar a lenda stalinista que Lênin via a introdução do capitalismo em si, como sistema social, como uma etapa progressiva na Rússia e que a burguesia liberal era uma aliada na revolução democrático-burguesa. Essa era a concepção de Struve e Tugán-Baranovski – o objetivismo fatalista – e não de Lênin. Essa seria a base fundamental da corrente menchevique que surgirá no POSDR em uma década.
O que é interessante notar é que essa crítica que fazia Lênin a Struve (como apologista do capitalismo) é feita por vários marxistas hoje em dia, afirmando que Lênin era etapista, pois supostamente acreditava (preferia) numa etapa histórica progressiva do capitalismo na Rússia.
Com 25 anos, Lênin viajou ao estrangeiro para contatar com o grupo marxista “Emancipação do Trabalho“, dirigido por Plekhanov, organização que será a base de constituição do POSDR.
No estrangeiro estuda obras filosóficas de Marx e Engels.
Morou em Paris, onde começou a estudar “Estudio del movimiento comunalista en París en 1871“.
Depois de 5 meses, voltou para a Rússia, para construir o partido em consonância com o grupo de Plekhanov, sediado no estrangeiro. Passou a visitar as cidades e os grupos locais para publicação de um jornal chamado “O trabalhador” ou “O operário“. Se converte num dos mais importantes representantes do grupo de Plekhanov no interior da Rússia, no seu centro operário que era Petersburgo.
Em 1895, fundou o grupo marxista “Union de lucha por la emancipación de la clase obrera“, que começou a ter trabalho fabril, com distribuição de panfletos nas fábricas. Essa união vai ser um dos principais grupos que constituirá o POSDR.
Levou uma doação do grupo marxista aos operários presos por motivo da greve da fábrica Thornton. Atividade que fazia parte da campanha do grupo marxista em apoio a greve dos operários. Escreveu panfletos de apoio a greve.
Lenin preparou a edição de um jornal clandestino do grupo União de Luta chamado Rabochee Delo (A causa operária).
Aí ocorreu a primeira prisão de Lênin, com 25 anos. Prisão motivada pela publicação do número 1 do jornal. Passará 14 meses na prisão, onde ficou incomunicável todo o tempo.
No final de 1895, com quase 26 anos, Lênin começou os estudos para escrever, desde a prisão, “El desarrollo del capitalismo en Rusia”. Também começou a redigir o “Proyecto de Programa” do POSDR.
[1] Lênin, Tomo 29, página 125, Resumo de “Ciência da Lógica”, de Hegel.
[2] Os negritos são de Lênin, no original.
[3] Neste período, os populistas abriram uma guerra ideológica contra o marxismo. O programa populista, igual que sua tática era reformista, ao ver a Rússia à margem do capitalismo, dizendo que não havia penetração capitalista no campo. Lenin defendeu a criação de partido operário e aliança revolucionária entre o operário e o camponês. Defendeu o proletariado como a força motriz da revolução da revolução burguesa na Rússia. A base social dos populistas é o pequeno produtor, representa seus interesses e sua força social vem daí…