Lênin e Trotsky
“’Pluma’ chegou”, disse Nadeia Konstantinova Krupskaia a Lênin no outono europeu de 1902, quando o jovem Lev Davidovitch Bronstein chegou a Londres (ele ainda não era conhecido como Trotsky) convocado por Lênin para se integrar à equipe editorial do Iskra (A Chispa), jornal do POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), editado no exterior[1]. Foi o início de uma relação entre os dois que duraria mais de 20 anos (até a morte de Lênin em 1924).
Por: Alejandro Iturbe
O Comitê Editorial do Iskra era composto por seis membros. Três deles, Georgy Plekhanov (n.1856), Pavel Axelrod (n.1850) e Vera Zasulich (n.1849) (os “velhos”) foram os fundadores da Emancipação do Trabalho, o primeiro grupo marxista russo, em 1883. Foram incorporando a jovens estudantes russos no exílio e também ativistas na Rússia, e, após mudar diversas vezes de nome, em 1898 foi realizado o Primeiro Congresso do POSDR. Três desses jovens Yuli Martov (n.1873), Aleksandr Potresov (n.1869) e Lênin (1870) eram membros do Comitê.
Nele, ocorreram intensos debates teóricos e programáticos sobre como fazer avançar a principal tarefa que o POSDR se propôs: liderar a luta revolucionária de massas para derrubar o regime monárquico do czarismo (na época chamado de “autocracia”). Um ponto nodal neste debate foi como agir contra a “burguesia liberal” (chamada de Cadetes pela sigla do seu partido) que queria substituir o czarismo por uma república burguesa. Lênin considerou que se tratava apenas de uma unidade de ação tática e circunstancial devido ao contraste de interesses e métodos de luta entre o proletariado e as massas, por um lado, e a burguesia liberal, por outro.
Trotsky (n.1879) juntou-se aos social-democratas em 1896, na Ucrânia, mal terminando o ensino médio. Juntamente com outros estudantes ele começa a organizar os operários. Pouco depois foi preso, julgado e finalmente enviado ao exílio na Sibéria (punição comum para muitos combatentes contra o czarismo), em 1898. Nesse processo, aprofundou os estudos do marxismo, conheceu sua primeira esposa, Aleksandra, mãe de suas duas filhas mais velhas. Ao mesmo tempo, mostra suas grandes qualidades de escritor revolucionário (daí vem seu pseudônimo Pluma).
Neste contexto, decidiu fugir do exílio em 1902, para tentar juntar-se ao centro que publicava o Iskra em Londres. Ativistas clandestinos do POSDR na Rússia e em outros países o ajudam a atravessar a Europa. Lênin ficou muito satisfeito com a incorporação de Pluma. Não só pelas suas qualidades de escritor, mas porque queria ter uma maioria de “jovens” na Comissão de Redação.
Em Londres, Pluma compartilhou muitos momentos e conversas com membros da redação do Iskra. Ele foi então enviado a Paris para ajudar a consolidar o grupo de estudantes russos exilados que aderiram ao POSDR. Lá ele conhece sua segunda esposa, Natalia Sedova.
Ao regressar a Londres, Lênin propôs a Plekhanov a integração (cooptação) de Pluma no Comitê, com direito a voto, juntamente com um regulamento sobre o funcionamento deste organismo[2]. Plekhanov opôs-se tanto à questão do funcionamento da redacção do Iskra como à cooptação do próprio Trotsky, que foi adiada para o II Congresso do POSDR, que se realizaria em 1903 (primeiro em Bruxelas e depois em Londres).
Bolcheviques e Mencheviques
Este Congresso foi muito importante porque teve que votar o programa do partido e também os seus estatutos, ou seja, o seu funcionamento, quais seriam seus organismos (e o carácter dos seus membros), e a sua hierarquia na estrutura partidária. O programa foi votado por ampla maioria, mas os estatutos geraram um forte debate que levaria à formação de duas tendências.
Uma encabeçada por Lênin e a outra por Mártov. Lênin formulou a sua concepção do POSDR no seu livro-documento O que fazer?[3] Em função da natureza clandestina da luta revolucionária contra o czarismo ele viu a necessidade de um partido fortemente centralizado composto por pessoas totalmente dedicadas à militância e com organismos compostos por militantes que tinham que cumprir vários requisitos para serem considerados membros do partido e ter voz e voto em debates e definições. Na sua concepção de partido, o jornal desempenhava o papel de “organizador do partido”, unificador da linha de todas os organismos e como instrumento de trabalho e ligação ao mundo exterior.
Martov propunha um partido mais amplo, no qual aqueles que seguissem a sua linha, mesmo que não cumprissem os requisitos propostos por Lenin (o que hoje chamamos de “simpatizantes”), também seriam considerados membros do partido. A posição de Martov tinha maioria no Congresso e ganhou a votação dos estatutos. Mas a saída dos delegados do Bund (a organização dos operários judeus) e o não reconhecimento de dois delegados dos chamados “economicistas” mudou a situação. Martov ficou em minoria (significado da palavra russa menchevique), Lenin passou a ter a maioria (bolchevique) e venceu a votação sobre a Iskra.
No entanto, o POSDR ficou dividido em duas facções. A discussão sobre o caráter dos “membros do partido” pode parecer uma diferença secundária, uma vez que foi votado um programa comum. Contudo, por detrás desse ponto havia duas concepções diferentes do partido e do caráter da tarefa revolucionária que se colocava. Por outras palavras, duas estratégias e programas diferentes começavam a tomar forma. Por esta razão, após várias tentativas frustradas de reunificação, dois partidos completamente separados seriam formados entre 1908 e 1912.
Ambos entrariam em conflito duramente durante o processo da Revolução Russa. Entre 1903 e 1917, Lênin vinha construindo o partido que seria uma ferramenta essencial para disputar e conquistar a direção do processo. Sem esse partido, não teria havido Revolução de Outubro.
Trotsky menchevique
Neste debate, Trotsky finalmente votou a favor da proposta de Mártov e dos Mencheviques. As razões para este alinhamento não tiveram a ver com o caráter do “membro do partido”, mas com a localização e hierarquia do Comitê de Redação do Iskra na estrutura do partido.
Vimos que na concepção leninista de partido, e nas condições da luta clandestina contra o czarismo, o jornal era o “organizador” do partido e das suas tarefas. Neste quadro, considerava-se que o Comitê de Redação deveria ser a verdadeira direção do POSDR, aquela que definiria as suas orientações e tarefas. Nela deveriam estar os quadros de direção mais experientes, com maior força teórica e mais capazes. Ao mesmo tempo, havia condições operacionais muito melhores no estrangeiro para uma equipe de central de direção, sem as vicissitudes impostas pela clandestinidade na Rússia (um “centro fixo”, dizia Lênin). Os Mencheviques propuseram que este Comitê fosse subordinado e orientado pelos outros organismos de direção.
Trotsky se opôs à proposta de Lênin porque considerava que desta forma “se estabeleceria um regime de plena ditadura por parte da Redação”[4]. Lênin não conseguiu convencê-lo de sua posição e Trotsky votou a favor da proposta de Martov. Em sua autobiografia, ele explica (de forma autocrítica) que “ainda havia muita juventude e sentimentalismo em minha atitude”. Que ele “se considerava um dos ‘centralistas”, mas que “ainda não conseguia perceber claramente o centralismo severo e implacável que um partido revolucionário criado para lançar milhões de homens no ataque à velha sociedade tinha de exigir. […] Em 1903, a revolução ainda tinha muita abstração teórica para mim.”[5] Enquanto Lênin “representava integramente na sua totalidade o amanhã, com todos os seus imensos problemas, os seus choques brutos e as suas inúmeras vítimas”.
Assim começou um longo período de distanciamento, em que ambos se envolveram muitas vezes em duras polémicas sobre questões teóricas, programáticas e organizacionais, nas quais, da forma necessária entre os revolucionários, utilizavam duras caracterizações para a posição do oponente. Este distanciamento político e pessoal começaria a diminuir em 1915, na conferência de Zimmerwald (Suíça) – da qual participaram aqueles que se opunham à traição da Segunda Internacional na Primeira Guerra Mundial – e terminaria definitivamente, em 1917, com a unidade de posições frente à Revolução Russa e com a entrada de Trotsky no Partido Bolchevique.
A partir de 1924, já no curso do processo de burocratização do partido e do aparelho de Estado da União Soviética liderado por Stalin (com Trotsky como o principal dirigente bolchevique a combater este processo), o estalinismo começou a atacar politicamente Trotsky e a apresentá-lo como chefe de uma suposta “corrente trotskista” existente desde 1903, que Lênin sempre teria combatido como revisionista e inimigo no campo marxista. Com base nesta falsificação, reuniu, em ordem cronológica, num “livro”, numerosos artigos e escritos de Lênin sobre Trotsky daqueles anos. Fê-lo com a metodologia de amalgamar debates sem localizar o seu contexto e, essencialmente, deformando os últimos anos da relação política e pessoal entre Lênin e Trotsky[6]. Neste mesmo artigo, deixaremos ao próprio Lênin a tarefa de negar esta falsificação estalinista.
Revolução por etapas versus revolução permanente
Após este II Congresso, Trotsky não se juntou à fração menchevique. Permaneceu na Europa, colaborou com vários jornais social-democratas no exílio, e também se dedicou ao estudo, na medida em que já começava a desenvolver a sua visão teórica sobre a dinâmica social e política do processo de luta contra o czarismo e o período subsequente a que esse fosse derrubado, isto é, o que mais tarde se tornaria a teoria da revolução permanente.
Nesses anos, ocorria um intenso debate teórico, político e programático no seio da social-democracia russa. Nele haviam três posições. Os mencheviques consideravam que, devido ao seu desenvolvimento econômico mais atrasado do que o de outros países europeus, “a Rússia não estava madura para o socialismo” e, portanto, o processo revolucionário teria duas etapas: uma primeira, democrática, de derrubada do regime czarista, que instalaria uma república burguesa que desenvolveria o capitalismo e, só depois de um período, a classe operária poderia fazer a sua própria revolução socialista. Nesta concepção, a direção do processo de luta contra o czarismo deveria estar nas mãos da burguesia “liberal” (os cadetes).
Lênin concordou com os mencheviques que o caráter atrasado da Rússia tornava impossível um processo direto de revolução socialista, e também formulava a hipótese de duas etapas. Contudo, ao contrário dos mencheviques, considerava que a burguesia já não poderia desempenhar qualquer papel revolucionário ou progressista. Esta primeira fase da revolução seria liderada por uma aliança entre o proletariado e o campesinato, que, após a derrubada do regime czarista, iria instalar uma “ditadura democrática dos operários e camponeses” cuja tarefa seria garantir as tarefas que o a burguesia não foi capaz de realizar e gerar as condições que, no futuro, abririam a possibilidade de avançar para o socialismo.
Trotsky considerava que a aliança entre operários e camponeses deveria ser liderada e dirigida pelos operários, que, uma vez derrubado o czarismo e instalados no poder, não iriam limitar-se a realizar tarefas democrático-burguesas. Por seus próprios interesses de classe, e inclusive para completar as tarefas democráticas, precisariam de avançar contra o capitalismo e tomar medidas típicas da transição para o socialismo. Ou seja, precisavam de se estabelecer como uma “ditadura do proletariado”. A revolução era permanente no sentido de que as tarefas democráticas e socialistas se desenvolveriam sem interrupção.
Foi um período de distanciamento e de fortes debates teóricos, políticos e programáticos entre os dois. As posições de Trotsky podem ser vistas no seu livro Resultados e Perspectivas, escrito logo após a revolução de 1905[7]. As de Lênin são desenvolvidas em Duas Táticas da Social Democracia na Revolução Democrática[8].
A revolução de 1905
Trotsky estava na Finlândia, perto de São Petersburgo (Petrogrado), quando em 1905 eclodiu um processo revolucionário contra o czarismo, com grandes manifestações e greves. Trotsky regressou à Rússia em outubro e, com grande audácia, começou a intervir no processo revolucionário fazendo discursos em grandes eventos de massa e com artigos em jornais social-democratas, especialmente Nachtalo.
Os Mencheviques tinham lançado a proposta de criação de um organismo operário com um representante para cada 500 trabalhadores. A proposta encontrou terreno muito fértil e assim foi formado o soviete (conselho) dos trabalhadores de Petrogrado. Trotsky concordou plenamente com esta proposta e promoveu-a com todas as suas forças. A direção bolchevique da cidade se opunha “porque acreditava que era perigoso para o partido”, embora os seus militantes operários se juntassem ao soviete[9].
Esta oposição bolchevique mudou com a chegada de Lênin à Rússia em novembro. Mas esta fração tinha desperdiçado um tempo precioso e a maioria no Soviete estava influenciada por Trotsky (agindo sob o nome público de Ianovsky) e pelos Mencheviques.
Trotsky acabou sendo eleito presidente do Soviete. Em sua autobiografia, ele cita o livro Memórias do Bolchevique Svertchkov, que conta que, quando Lênin foi informado de que “atualmente a grande força do Soviete era Trotsky”, Lênin disse: “Trotsky mereceu, ele trabalhou incansavelmente e magnificamente”. “[10]
O regime czarista subestimou o perigo do soviete operário. Ele estava mais preocupado com a reivindicação da “terra” dos camponeses e com a possibilidade de a burguesia liberal se juntar ao processo para derrubar o regime. Por isso permitiu que o Soviete se desenvolvesse com a ideia de separar o proletariado da luta camponesa, sem ver que este representava um centro organizador e dirigente da luta de massas.
A revolução de 1905 já apresentava todos os elementos que ocorreriam em 1917, mas que ainda não havia atingido o grau de maturação necessário. Por isso é considerado um “ensaio geral” de 1917. É isso que explica que, embora o ascenso revolucionário tenha durado até 1907, perdeu força até ser derrotado. Os principais líderes do Soviete foram presos, iniciando assim um período reacionário e repressivo na Rússia.
A revolução de 1905 aproximou as frações que se coordenavam entre si e com o próprio Trotsky a política a ser impulsionada no Soviete. O Comitê Central dos Bolcheviques votou por unanimidade uma proposta, apoiada por Lênin: “a divisão causada por circunstâncias transitórias ocorridas no estrangeiro já não tinha qualquer razão de existir ante o desenvolvimento da revolução.” O sentimento geral na social-democracia era de avançar para uma fusão, e Trotsky defendeu esta posição de Nachtalo.
Houve uma tentativa fracassada de fusão em 1906 e, finalmente, um congresso unificado do POSDR foi realizado em Londres em 1907 (Trotsky participou, depois de ter escapado rapidamente de seu novo exílio na Sibéria). Mas este congresso realizou-se no meio do retrocesso da revolução de 1905, e os Mencheviques começavam a inverter o “giro à esquerda” que tinham tomado em 1905, retomando as suas antigas posições, e a tentativa de fusão fracassou.
É interessante notar que, no momento em que foram debatidas as dinâmicas de classe do processo revolucionário russo, Trotsky apresentou a sua visão de revolução permanente. Lênin faz uma intervenção de debate muito fraterna com Trotsky, na qual destaca que, ao contrário dos mencheviques (para quem a direção deveria ser a burguesia liberal), Trotsky propôs que a força motriz e dirigente da revolução deveria ser a unidade entre o proletariado e os camponeses.
A crise e a reconstrução dos bolcheviques
Após a derrota da revolução de 1905, instalou-se na Rússia uma situação reacionária, simbolizada na figura do Ministro do Interior do regime czarista, Piotr Stolypin. As forças de todas as correntes social-democratas retrocediam.
Em agosto de 1912, formou-se um “bloco” de setores socialdemocratas, promovido pelos mencheviques e com o apoio da Segunda Internacional, com a intenção de reunificar o partido. Trotsky adere ao bloco embora, como aconteceu após a cisão de 1903, nunca tenha participado plenamente dele.
Lênin e os bolcheviques atacam duramente este “bloco” por considerá-lo corretamente “sem princípios” e chamá-lo de “liquidacionista”. A maioria dos historiadores considera que em 1912 os bolcheviques deixaram de ser apenas uma fração do POSDR e se tornaram um partido separado no sentido pleno da palavra (o POSDR-Bolchevique).
Parte desta construção foi a virada ao grande processo de greves iniciado na Rússia em 1912, que pôs fim ao período reacionário de Stolypin. No âmbito do impulso e participação nestas greves, os bolcheviques conseguem recrutar um grande número dos melhores ativistas dessas greves. Como veremos, este processo foi posteriormente interrompido pelo início da Primeira Guerra Mundial, pela entrada da Rússia nela e pela militarização do país (1914).
Contudo, essa semente permaneceu profundamente enraizada nos trabalhadores de Petrogrado. Quando ocorreu a insurreição de fevereiro de 1917, que acabaria por derrubar o regime czarista, esta apareceu, à primeira vista, como um movimento espontâneo, sem direção, pois não tinha centro organizador nem direção política visível. Contudo, num capítulo da História da Revolução Russa, intitulado precisamente “Quem liderou a insurreição de Fevereiro?”, Trotsky expressa: “Podemos, portanto, responder de uma forma muito clara e definida: os conscientes, moderados e educados principalmente pelo partido de Lênin.”[11]
A Primeira Guerra e a traição da Segunda Internacional
A Primeira Guerra significou uma grande tragédia para a classe operária, com os operários dos países adversários (forçados a alistar-se nos seus exércitos nacionais) matando-se uns aos outros. A esta tragédia seguiu-se outra de grande importância: a traição da Segunda Internacional (a grande organização construída por todas as correntes marxistas desde 1889), cujos principais partidos (o alemão e o francês) apoiaram as respectivas burguesias imperialistas e apelaram aos operários de seus países a fazê-lo.
Lênin (que estava exilado na Suíça) compreendeu a magnitude desta segunda tragédia e o grau de confusão e desmoralização que esta causou nas fileiras marxistas. Para responder e orientar os bolcheviques em meio a essa confusão, escreveu o livro O Socialismo e a Guerra, que hoje é uma referência sobre o método para caracterizar o conteúdo político das guerras e a posição que os revolucionários devem adotar diante de cada uma delas.[12]
Lênin caracterizou a Primeira Guerra como uma guerra inter-imperialista contra a qual a posição de um marxista deveria ser o “derrotismo revolucionário” (chamar os operários para não lutarem pelo seu país), porque “a derrota do próprio governo imperialista é o mal menor”. Ele também chamava os operários para que usassem as suas armas contra a sua própria burguesia imperialista, para a transformá-la numa “guerra revolucionária entre classes”.
Ao mesmo tempo, mesmo no meio dessa situação sombria para o proletariado (a própria guerra e a traição da Segunda Internacional), Lênin caracterizou que a guerra abriu as “condições objetivas de uma situação revolucionária na Europa”, e começou trabalhar na preparação dos revolucionários para intervir nela. Ele tinha duas linhas de ação: a primeira, divulgar suas posições na Rússia (em condições muito difíceis) e no exílio europeu; a segunda, promover um encontro internacional de todos os socialistas que se opunham à posição da Segunda Internacional frente a guerra e que estavam dispostos a levar a luta de massas contra ela. Lênin já tinha nítido que a Segunda Internacional estava perdida para sempre como organização da classe trabalhadora e, no quadro desta unidade, a sua estratégia era lançar as bases para construir uma nova organização: a Terceira Internacional.
Trotsky, também exilado na Europa, concordou com muitas das opiniões de Lênin, embora tivesse ficado muito mais afetado pela traição da Segunda Internacional. De forma imediata, limitou-se a escrever algumas considerações em seu diário pessoal, para elucidar suas ideias. Na sua autobiografia, diz ter escrito: “estamos presenciando a falência da Internacional” e, mais tarde: “Só desencadeando um movimento socialista revolucionário, que assume um carácter violento desde o primeiro momento, poderão ser lançadas as bases para a nova internacional”.
A Conferência de Zimmerwald
Finalmente, em setembro de 1915, por proposta dos socialistas italianos, a conferência que levou esse nome foi realizada em Zimmerwald (uma pequena cidade na Suíça), na qual se reuniram 38 delegados de diferentes organizações socialistas de onze países europeus que se opunham à guerra. Doze destes delegados eram russos, entre eles Lênin e Zinoviev, pelos bolcheviques, e Trotsky, representando o jornal Nashe Slovo (Nossa Palavra), publicado na França em língua russa.
Embora tenha surgido uma série de resoluções comuns, duas tendências se formaram na conferência: a chamada “esquerda Zimmerwald” (também chamados de “derrotistas”), liderada por Lênin, que propunha, além da orientação para a guerra que já expusemos, lançar as bases de uma nova organização internacional. Era uma posição minoritária, quase exclusiva dos bolcheviques. O alemão Karl Liebknecht não pôde comparecer, mas enviou uma carta muito próxima das posições de Lênin sobre a guerra[13].
A grande maioria da conferência formou o chamado bloco “pacifista”, porque promoveu ações para parar a guerra, alcançar a paz e mantê-la. Foram também chamados de “internacionalistas”, porque aspiravam a reconstituir a Segunda Internacional, no quadro dessa linha.
Trotsky concordou com a linha “derrotista” de Lênin contra a guerra, mas divergiu de Lênin no apelo imediato para formar a Terceira Internacional. Ele ainda tinha expectativas de que um processo revolucionário contra a guerra conseguiria empurrar outros setores socialistas “para a esquerda”.
Começou a difundir a linha derrotista de Nashe Slovo e foi expulso da França a pedido do governo czarista (aliado deste país na guerra). Após uma breve estadia na Espanha, com sua família (Natalia Sedova e seus dois filhos), de onde também iriam expulsá-lo, obteve um visto para se estabelecer com eles nos Estados Unidos. Chegou a Nova York em janeiro de 1917 e toma um primeiro e breve contato com este país.
A Revolução Russa e a aproximação definitiva
Pouco depois, irrompe na Rússia a revolução de Fevereiro (março segundo o calendário ocidental), que derruba o regime czarista, e é instalado um governo republicano. Trotsky tenta retornar imediatamente à Rússia e obtém autorização do consulado do novo governo russo para fazê-lo. No entanto, teve de embarcar vindo do Canadá, e aí a polícia anglo-canadense deteve-o, a pedido do chefe do novo governo russo (Miliukov), e confinou-o num campo de concentração, juntamente com prisioneiros alemães. Finalmente, o Soviete de Petrogrado (que tinha sido reconstituído) exige e consegue que Miluikov autorize o seu regresso à Rússia. Finalmente, chegou a Petrogado em maio de 1917 e rapidamente começou a intervir nos acontecimentos e na vida do Soviete.
Com a eclosão da Revolução de Fevereiro, Lênin foi exilado na Suíça e também começou a planejar seu rápido retorno à Rússia. Essa viagem de volta já entrou no terreno da lenda[14]. Chegou à estação ferroviária de Petrogrado em abril, falou para uma pequena multidão que veio recebê-lo e de lá foi transferido para o quartel general bolchevique, onde assumiu a liderança do partido.
Antes, em março, nos seus últimos dias na Suíça, tinha escrito Cartas de longe[15] ao partido, numa primeira tentativa de corrigir a linha de apoio crítico ao Governo Provisório burguês levantada pelos dirigentes bolcheviques que estavam na Rússia. Já na Rússia escreveu as suas famosas Teses de Abril (As Tarefas do Proletariado). É um material curto e de orientação no qual Lênin organiza o programa dos bolcheviques em torno das consignas: Nenhum apoio ao Governo Provisório (e a preparação para a sua derrubada). Portanto, para cumprir as tarefas que impulsionava a revolução (Pela Paz, pelo Pão e pela Terra), era necessário Todo o Poder aos Sovietes.
Embora nunca tenha escrito material teórico sobre o assunto, as Teses de Abril e o seu programa significaram que Lênin tinha abandonado a concepção de revolução exposta nas já mencionadas “Duas Táticas da Social Democracia…” e a sua proposta de instalação de uma Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses. Ele tinha adoptado a visão de Trotsky da revolução permanente e a sua proposta de instalar a Ditadura do Proletariado (expressa através da consigna Todo o Poder aos Sovietes).
Este giro de Lênin causou uma crise profunda no partido bolchevique, especialmente na sua direção, uma vez que muitos dirigentes se recusaram a abandonar as antigas posições e consideraram que Lênin tinha estado longe da Rússia durante muito tempo e agora tinha “se tornado ‘trotskista'”. Pelo contrário, a maioria dos quadros e militantes operários apoiaram entusiasticamente a nova orientação e, apoiado por eles, Lênin conseguiu que todo o partido a aplicasse.
Trotsky evidentemente concordou com esta orientação de Lênin. Tão importante quanto isso, ele entende que o partido que Lênin construiu foi a ferramenta essencial para disputar os rumos do processo revolucionário e direcioná-lo para a tomada do poder. Durante meses, coordenou com Lênin e os bolcheviques a sua atividade no Soviete de Petrogrado e as suas intervenções em eventos de massas, para juntos combaterem a linha capituladora dos mencheviques e outras organizações. Finalmente, em meados de 1917, a sua organização, denominada Interdistritos (que contava com 3.000 operários em Petrogado), aderiu oficialmente ao Partido Bolchevique (que contava com 15.000 militantes na mesma cidade). Nesse Sexto Congresso, Trotsky e outros dirigentes da Interdistritos foram eleitos membros do Comitê Central Bolchevique.
Meses mais tarde, quando confrontado com o questionamento de alguns velhos bolcheviques sobre o papel preponderante que Trotsky assumia no partido, Lênin respondeu que “uma vez que Trotsky se convenceu da impossibilidade de unificar os dois ramos divididos da social-democracia russa, ‘não havia melhor Bolchevique do que ele´”.
No meio das vicissitudes do processo revolucionário, ambos sofrem as perseguições por parte do novo governo provisório de Kerensky aos bolcheviques: Lênin deve passar à clandestinidade, Trotsky é preso e depois libertado. Ao sair, foi novamente eleito presidente do Soviete de Petrogrado (no qual os bolcheviques já haviam alcançado a maioria), no final de setembro de 1917. Foi a etapa final do processo que levaria à Revolução de Outubro e à tomada de poder por parte dos sovietes que ambos guiam juntos. A Trotsky coube, a partir do Comitê Militar Revolucionário, dirigir as tarefas específicas da insurreição e da tomada do poder.[16] O trabalho comum entre os dois, como principais dirigentes do processo, tornou-se diário, intenso e permanente.
O governo dos sovietes
Por proposta de Lênin, o governo instalado pela Revolução de Outubro adotou o nome de Soviete dos Comissários do Povo, órgão coletivo no qual cada membro assumia uma tarefa específica. Lênin propôs que Trotsky, como presidente do Soviete de Petrogrado, assumisse a presidência do governo. Por razões explicadas na sua autobiografia, Trotsky considerou que isto não era o melhor e propôs que Lênin fosse nomeado para este cargo, o que finalmente aconteceu.
Trotsky assumiu o cargo de Comissário para as Relações Exteriores. A questão mais importante que teve de tratar foram as negociações com a Alemanha, com a qual a Rússia ainda estava em guerra. Entre dezembro de 1917 e março de 1918, as negociações foram realizadas em Brest Litovsk (Ucrânia). Parte do território ucraniano, como outros do antigo Império Russo, foi ocupada por tropas alemãs.
Em torno destas negociações e da assinatura de um “tratado de paz separado” entre a Rússia e a Alemanha, abriu-se um intenso debate no partido bolchevique e no governo soviético. Finalmente, o novo governo foi forçado a assinar um tratado de “paz em separado” com a Alemanha – pelo qual perdeu o controle de parte da Ucrânia e de outros territórios do antigo Império Russo – acordo que foi aprovado no VII Congresso do partido.[17]
A guerra civil e o Exército Vermelho
A situação interna piorou: os levantes isolados de tropas contrarrevolucionárias cresciam, coordenaram suas ações entre si (o chamado Exército Branco) e começaram a dominar territórios. Estas forças receberam apoio logístico, de armas, oficiais e tropas, de uma coligação de países imperialistas (incluindo os EUA, Canadá, Grã-Bretanha, França e Japão). O governo soviético viu os territórios que controlava efetivamente cada vez mais reduzidos e foi forçado a mudar-se de Petrogrado para Moscou.
Assim começou o período conhecido como Guerra Civil (1918-1921), que ameaçou a existência da jovem república soviética e da revolução. Era necessário construir uma força militar revolucionária capaz de enfrentar estes inimigos. Após os Acordos de Brest-Litovsk, Trotsky deixou o Comissariado dos Negócios Estrangeiros e Lênin propôs que ele assumisse o Comissariado da Guerra e a tarefa de construir o Exército Vermelho. Naquele momento, ele lhe disse: “A quem, senão, você quer que coloquemos no comando desse cargo?”[18]
Sem ser previamente um especialista militar, Trotsky realizou uma tarefa político-militar que, considerada no seu conjunto, foi brilhante. Assumiu-a num momento crítico: com as forças militares contrarrevolucionárias na ofensiva e o campo militar revolucionário na defensiva e desmoralizado. A partir de uma batalha crítica que comandou pessoalmente, conseguiu construir uma poderosa força militar, lançar uma contraofensiva e recuperar cada vez mais territórios até derrotar definitivamente a contrarrevolução do Exército Branco e das forças imperialistas. Percorreu todo o país e frentes militares comandando o lendário “trem blindado”, no qual Trotsky diz ter passado, na verdade, dois anos e meio de sua vida.[19]
Nesse momento, Trotsky era sem dúvida a pessoa mais poderosa do país, não só porque comandava oito milhões de homens armados, mas porque a Guerra Civil subordinou todas as questões econômicas e políticas às necessidades militares, através do chamado “comunismo de guerra”. que expropriava todos os recursos econômicos disponíveis.
Trotsky foi investido do poder de tomar decisões por si mesmo nas frentes militares que visitava. Ele nunca abusou desse poder. Pelo contrário, no quadro do duro rigor e disciplina necessários para comandar um exército numa guerra, ele usava um tempo para consultar o comitê bolchevique da região sobre qual era a situação. Em seus jornais e em breves viagens a Moscou, participava de reuniões do governo. Nelas, para além de algumas divergências pontuais, até importantes (como a defesa de Petrogrado), tanto ele como Lênin tentavam chegar a acordo sobre definições e, nesse caso, “as coisas eram resolvidas rapidamente”.
Kronstadt e a NEP
A jovem república soviética conseguiu sobreviver, mas o custo muito elevado da longa e dura guerra civil deixou-a muito enfraquecida. Por um lado, uma parte importante da melhor vanguarda operária (incluindo muitos jovens militantes bolcheviques) morreu na guerra civil. O ponto central era que a economia estava quase destruída: a escassez era generalizada (e a fome aumentava). Neste contexto, eclodiam rebeliões contra o governo, como a da guarnição de marinheiros de Kronstdat, em março de 2021, que foi duramente reprimida com o acordo de todo o governo soviético. Ainda hoje, este fato e o seu significado político na história da União Soviética são objeto de debate na esquerda mundial[20].
Para além deste debate, Kronstadt foi um sinal claro de perigo para o governo soviético, que o levou a abandonar o “comunismo de guerra” e a adoptar a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), que deu concessões controladas a um certo funcionamento capitalista. da economia, especialmente na produção agrícola, na indústria artesanal e no comércio interno.
A aplicação da NEP permitiria uma recuperação significativa da economia soviética. Mas, ao mesmo tempo, abriu novos e incipientes perigos: o enriquecimento do setor camponês médio (os kulaks) e o aparecimento de um tipo de comerciantes que enriqueceram através da intermediação (os nepman).
Lênin e Trotsky concordaram em propor a NEP. Posteriormente, dentro da direção bolchevique, surgiu um rico debate sobre os limites da sua aplicação e a sua combinação com o impulso para uma “economia centralizada socialista”. Formaram-se três alas: a esquerda, composta por Trotsky e Eugene Preobrazhensky, a “direita”, liderada por Bukharin, e o “centro”, composta por Stalin, Zinoviev e Kamenev.[21] Lênin, doente pelas consequências do ataque que sofreu em 1918 e que o levaria à morte no início de 1924, não interveio nesse debate.
O início da burocratização
A verdade é que a aplicação da NEP acentuou o processo de burocratização que viviam o Estado Soviético e também o Partido Bolchevique. No caso do Estado, este processo tinha causas objetivas: o produzido pela economia soviética era suficiente apenas para aplicar as “normas socialistas” de uma forma muito parcial e, portanto, esta “distribuição desigual” teve que ser realizada por o Estado. É o que Trotsky, em 1936, ao analisar o processo que culminou na União Soviética encabeçada por Stalin, definiu como um Estado Operário “doente” ou “deformado”, ou, nas palavras de Lênin, “como um Estado burguês sem burguesia”.[22]
Ao mesmo tempo, como dissemos, a vanguarda operária – da qual vinha os novos militantes bolcheviques que se juntaram durante a revolução e que formaram o primeiro grupo de funcionários do Estado pós-revolução – e a vanguarda da sua defesa na guerra civil, tinham sido dizimados.
Em seu lugar, entrou uma nova geração que já não se aproximava do governo soviético para “combater” na “linha de frente”, mas para obter alguns privilégios na “distribuição desigual”. Stalin, uma figura cinzenta, que não tinha desempenhado qualquer papel relevante em 1917 ou na guerra civil, emergiu como a figura unificadora destes setores e, ao mesmo tempo, incentivou o seu crescimento e a sua entrada no partido em números crescentes.
Lênin e Trotsky deixaram bem definido que este processo de burocratização do partido e do Estado se devia a causas objetivas (o atraso econômico em que se baseou a experiência socialista russa) e não podia ser superado apenas pelo desenvolvimento econômico isolado do país dos soviéticos. Por esta razão, consideravam essencial a extensão internacional do processo revolucionário, especialmente à Europa, e particularmente à Alemanha. Por esta razão, mesmo no meio da situação e das tarefas urgentes na Rússia, dedicaram grandes esforços à fundação e construção da Terceira Internacional, e orientaram-na e dirigiram-na conjuntamente durante os seus primeiros quatro congressos, nos quais as elaborações e as resoluções tomadas constituem uma base programática e orientadora essencial para os marxistas revolucionários.[23]
Em 1923, esta fase inicial de burocratização ainda se manifestava politicamente de forma morna dentro do partido, como um “processo reacionário”. Stalin-Kamenev-Zinoviev formaram uma “facção secreta” na direção, com a intenção de isolar Trotsky (que se opunha a este curso) e desacreditá-lo no partido. Devido à sua doença, Lênin não participou das reuniões de direção, embora acompanhasse de perto o que acontecia e entendesse que a batalha política em curso aparecia aos olhos do partido como uma “batalha pessoal” entre Trotsky e Stalin.
Lênin temia que o partido se dividisse. Neste contexto, ele compreendeu cada vez mais o papel que Stalin e os seus métodos políticos nefastos estavam desempenhando. Em março de 1923, já lhe havia enviado uma carta rompendo relações pessoais com ele. Ele se preparava dar uma batalha contra ele, em aliança com Trotsky, no XIII Congresso do Partido (a ser realizado em maio de 1924), para destituí-lo do cargo de Secretário Geral.
A partir do final de 1922, Lênin escreveu cartas, inicialmente para congressos, que, em conjunto, ficaram conhecidas como Testamento de Lênin.[24] Neles, propõe uma mudança na direção do partido: a ampliação dos integrantes do CC, com a entrada de numerosos camaradas operários.
Especificamente, ele diz que Stalin, como Secretário-Geral, “tem autoridade ilimitada nas suas mãos e não tenho a certeza de que será sempre capaz de usar essa autoridade com cautela”, porque era “muito rude e caprichoso”. Propõe “remover Stalin dessa posição” e nomear em seu lugar um “camarada mais tolerante e leal”.
Lênin não propõe nenhum nome específico para substituir Stalin. Ele cita dois líderes (Bukharin e Piatakov) de passagem. Sobre Trotsky ele diz que “ele se distingue por sua capacidade excepcional”, já que é “o homem mais capaz no CC atualmente”. Em seguida, ele o critica por “sua excessiva autoconfiança”. É possível que, para evitar uma divisão do partido, Lênin tenha pensado num “nome transitório” para o cargo de Secretário Geral. O que é indubitável é que ele queria destituir Stalin da posição de principal dirigente do aparato partidário.
Lênin morreu em janeiro de 1924 e não pôde garantir o seu propósito. As suas cartas foram conhecidas pelos delegados ao Congresso (entre os quais Stalin já tinha assegurado uma grande maioria), mas o Testamento não foi tratado como um ponto e Stalin fez votar por uma ampla maioria a “condenação” das Teses da Oposição de Esquerda liderada por Trotsky, e todas as suas outras resoluções. Assim, consolidou-se o processo de burocratização do partido e, com ele, do Estado. É evidente que a morte de Lênin foi um alívio para a fração estalinista.
O Testamento de Lênin foi escondido do partido até ser novamente trazido à luz pela Oposição de Esquerda numa reunião do CC em 1926, e depois novamente escondido durante décadas, até que em 1956 (após a morte de Stalin em 1953) foi publicado oficialmente por resolução do XX Congresso do PCUS.
Os bolcheviques-leninistas
A partir do XIII Congresso, o processo de burocratização do partido, do Estado Soviético e da Terceira Internacional (chamemos a sua “estalinização”) avançou cada vez mais e deu saltos. Deixou de ser um processo reacionário para ser diretamente contrarrevolucionário, que passou a atacar violentamente todos os seus adversários (mesmo aqueles que haviam sido seus aliados) e a exterminá-los fisicamente, como aconteceu com os Processos de Moscou, na década de 1930.
Trotsky e os seus seguidores foram um alvo central destes ataques. Trotsky foi primeiro excluído do CC, depois do partido e, por fim, expulso da União Soviética, o que iniciou um exílio em vários países, que o levaria ao México, onde seria assassinado por um agente stalinista, em 1940 Os seus seguidores na URSS foram perseguidos, presos ou assassinados, e no estrangeiro também sofreram perseguições e assassinatos estalinistas (como o do filho de Trotsky, Leon Sedov, e de alguns dos seus colaboradores mais próximos).
Stalin, que se apresentava como “o sucessor de Lênin”, justificou isto como uma luta imprescindível contra o “trotskismo”, o principal inimigo político do qual a “revolução” tinha de ser defendida. Além do crime de usurpação burocrática da revolução, para justificá-la, Stalin desenvolveu toda uma concepção teórica, programática, política e organizacional que apresentou como “Leninismo”. Dentro dela, a teoria da possibilidade de “construir o socialismo num único país”. Infelizmente, esta grotesca caricatura burocrática e as suas consequências foram e são tidas como verdadeiro Leninismo por milhões de trabalhadores em todo o mundo.
Na luta contra o stalinismo, desde 1923 os seguidores de Trotsky adotaram diferentes formas organizacionais até culminar na fundação da Quarta Internacional em 1938. Nesse processo, Trotsky escreveu numerosos livros, incluindo A Revolução Traída e o Programa de Transição para a fundação da IV. Estes, além de serem uma base teórica e programática essencial para os marxistas revolucionários, justificam que o trotskismo seja justamente considerado com justiça o “nome próprio” de uma corrente diferenciada de esquerda.
Durante muitos anos, Trotsky relutou muito em usar o nome “Trotskismo” para a corrente que liderava. Usou o nome de “Bolcheviques-Leninistas” porque considerava que o que estava a fazer era defender a herança teórica, política, organizacional e programática de Lênin contra o stalinismo e a sua usurpação. E, nesse quadro, atualizá-la às novas circunstâncias e realidades.
Após a morte de Trotsky, a Quarta Internacional e o trotskismo experimentaram os seus próprios debates, a sua fragmentação e as suas divisões. Hoje não existe uma IV Internacional que reúna as diferentes tendências trotskistas, mas sim numerosas correntes e agrupamentos trotskistas internacionais que, em muitos casos, disputam entre si. É uma tarefa essencial reconstruir a Quarta Internacional, e a LIT-QI, fundada em 1982, tem esta tarefa como objetivo central.
Neste sentido, consideramos que a razão da existência do trotskismo é defender e dar continuidade ao legado de Lênin, atualizando-o e aplicando-o aos processos revolucionários de hoje. Portanto, tal como o próprio Trotsky fez, afirmamos ser “bolcheviques leninistas”.
[1] Mi Vida, León Trotsky, pág. 152, Juan Pablo Ediciones, México D.F. (edición de 1973).
[2] Ídem, pags. 162/163.
[3] Ver, entre muchas ediciones en varios idiomas: Lenin (1902): ¿Qué hacer? (marxists.org)
[4] Ver referencia 1, página 166.
[5] Idem pag, 171.
[6] Ver https://es.scribd.com/document/75066141/Contra-el-trotskismo
[7] León Trotsky (1906): Resultados y perspectivas. (marxists.org)
[8] V. I. Lenin (1905): Dos tácticas de la socialdemocracia en la revolucion democratica. (marxists.org)
[9] Ver referencia 1, p. 184.
[10] Ídem, p. 191
[11] https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1932/histrev/tomo1/cap_08.htm
[12] https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1910s/1915sogu.htm
[13] Karl Liebknecht foi o único deputado socialista alemão que votou contra a guerra no Parlamento; Foi expulso deste, incorporado compulsoriamente ao exército alemão e, na época da conferência, estava preso.
[14] https://www.lavanguardia.com/historiayvida/historia-contemporanea/20170317/47311140527/el-itinerario-de-lenin.html
[15] V. I. Lenin, “Cartas desde lejos”, en Obras escogidas en tres tomos, t. 2. Moscú: Progreso, 1975, pp.
[16] Para aqueles que desejam ter uma visão vívida desse período, recomendamos a leitura das respectivas partes da autobiografia de Trotsky, de sua obra História da Revolução Russa e o livro Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed.
[17] Sobre este tema, ver, entre otros artículos: https://elordenmundial.com/hoy-en-la-historia/3-marzo/3-de-marzo-de-1918-rusia-y-las-potencias-centrales-firman-el-tratado-de-brest-litovsk/#:~:text=Rusia%20y%20las%20Potencias%20Centrales%20firmaron%20entonces%20el%20tratado%20de,%2C%20Estonia%2C%20Letonia%20y%20Finlandia. y
El partido bolchevique respalda el Tratado de Brest-Litovsk (1918) (alphahistory.com)
[18] Ver referencia 1, p. 364.
[19] Leon Trotsky’s Armored Train // Russia in war and revolution, 1914-1922: a documentary history / ed. J. W. Daly, L. T. Trofimov. Indianapolis, Ind.: Hackett, 2009. Y el capítulo “El tren” de su autobiografía.
[20] Sobre este fato, recomendamos ler: https://ceip.org.ar/Alarma-por-Kronstadt
[21] Para conhecer mais desta polêmica e das distintas posições recomendamos ler o livro de La Nueva Economía de Preobrazhenski (1926) en https://www.marxists.org/espanol/tematica/cuadernos-pyp/Cuadernos-PyP-17y18.pdf
[22] 1936-revtraicio-trotsky-2.pdf (marxists.org)
[23] https://www.marxists.org/espanol/tematica/internacionales/comintern/4-Primeros3-Inter-2-edic.pdf
[24] https://www.marxists.org/espanol/lenin/obras/1920s/testamento.htm