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100 anos sem Lênin

Introdução: De onde se fala da família, da infância, da juventude, do lugar onde nasceu e do papel do Lênin para a humanidade

janeiro 21, 2024

Lênin nasceu em 22 de abril[1] de 1870, em Simbirsk (atualmente Ulianovsk), região central da Rússia, dominada pelo maior rio europeu, o Volga, e os montes Urais, a fronteira natural entre a Europa e a Ásia.

Por: Nazareno Godeiro

Seu pai era professor de matemática e física, trabalhador dedicado, funcionário público e inspetor de escolas primárias em Simbirsk, onde foi agraciado com título de nobreza. Sua mãe tinha origem alemã/sueca e tinha uma boa instrução. Teve 4 filhos e 4 filhas (uma filha e um filho morreram ainda crianças). Não era uma família abastada, mas tampouco era pobre. Portanto, Lênin tinha como ascendência grã-russa, judia, alemã e tártara/mongólica. Teve uma infância feliz. Tinha os olhos repuxados, castanhos, tipo mongol, os cabelos avermelhados e uma cabeça grande. Na infância, era apelidado pelos familiares de “barrilzinho”. Na escola foi aprovado com louvor em todas as matérias, inclusive na escrita de redações (composições). Passou em primeiro lugar no ginásio, aos 17 anos, ganhando medalha de ouro (de verdade, que valia um bom dinheiro). Deixou de acreditar na religião aos 16 anos, segundo o próprio Lênin. Aos 17 anos, entrou na faculdade de Kazan, a capital do Volga, no curso de direito. Neste mesmo ano, participou de uma manifestação política na universidade, onde foi preso e expulso. Anos depois, se formou com nota máxima em 13 matérias, no curso de direito da universidade de Petrogrado (hoje São Petersburgo). Conseguiu essa proeza em 8 meses de preparação, quando outros estudantes levavam 4 anos.

Na região onde ele nasceu, os camponeses eram mais pobres do que no restante do país e os nobres latifundiários possuíam 2/3 das terras. Talvez por isso, nessa região se deram as duas grandes insurreições camponesas (de Stienka Rázin, em 1670 e de Pugatchev, em 1774), primeiras revoltas espontâneas da revolução burguesa russa. Outro grande dirigente revolucionário russo, um dos fundadores do populismo, Tchernychevski, nasceu nesta região, em Saratov, também às margens do Volga.

Nove anos antes de Lênin nascer, acabou a servidão na Rússia, através de uma reforma em 1861. Pressionado pelo desenvolvimento do capitalismo europeu, o Tzar resolveu tomar medidas que iam em direção à “modernização” capitalista, porém, mantendo as instituições feudais. Na realidade, a “reforma” foi uma contrarreforma agrária, onde os camponeses tiveram que pagar aos nobres um resgate por uma terra que era deles. Isso enriqueceu os nobres e quebrou os camponeses, abrindo uma situação revolucionária no país.

Muito provavelmente, ao conviver com essa opressão brutal aos camponeses e a influência da intelectualidade revolucionária na infância e adolescência, Lênin adquiriu seu ódio aos poderosos, que só se intensificou com o período de reação que foi de 1884-1894 e o enforcamento do seu irmão mais velho, Aleksandr, em 1887, que tentou assassinar o tzar, sem sucesso. Sua irmã mais velha, Anna, também foi presa, ainda que não tivesse nada a ver com o atentado ao tzar. Lênin tinha 17 anos. A morte do pai, o sofrimento da mãe, que tentava salvar, desesperadamente, sua filha e seu filho maiores e a execução do irmão devem ter sido os elementos catalisadores para uma determinação revolucionária de Lênin, que duraria toda sua vida.

Depois deste atentado, seguiu um longo refluxo que levou à crise e divisão da organização populista e terrorista. Em meio a este refluxo surgiu a organização socialdemocrata, que já estava refletindo a luta do movimento operário europeu e o ascenso das greves operárias na Rússia, que incendiarão o país em meados da década de 1890. O ascenso operário e o refluxo camponês começou a mostrar, para as novas gerações de insatisfeitos da intelectualidade, um novo protagonista da transformação social: o proletariado urbano. Lênin começou a participar do movimento revolucionário no meio dessa transição, quando essas novas gerações abraçaram, quase unanimemente, o marxismo. Pode-se dizer que o sangue derramado das gerações populistas da intelectualidade germinou, não como eles previam, como fagulha para levantar o campesinato, mas como sementes da luta operária nas cidades industriais, que reforçaram o marxismo e a luta de classes, as greves, e não o terrorismo individual. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia gerou o novo protagonista da revolução e criou as bases para a vitória do marxismo na luta revolucionária. A fusão das novas gerações da intelectualidade russa com o movimento operário gerou o POSDR, o partido socialdemocrata, marxista e revolucionário. O livro O Capital, de Karl Marx, teve uma influência decisiva nessa transição, depois complementado com a publicação clandestina do Manifesto Comunista, de Marx e Engels.

Trotsky disse:

“O desenvolvimento pessoal de Vladimir Ulianov foi realizado em estreita ligação com a evolução da intelectualidade revolucionária e com a formação de uma pequena camada de trabalhadores avançados. A biografia, aqui, está organicamente relacionada à história. O processo subjetivo de formação espiritual coincide com o processo objetivo de ascensão da crise revolucionária no país. Ao mesmo tempo que surgiam os primeiros quadros marxistas e os primeiros círculos socialdemocratas, o futuro líder do povo revolucionário preparava-se e amadurecia, sob a sombra da reação.”2]

Aos nascer e se criar nessas fronteiras naturais, o rio Volga e os montes Urais, em Lênin estavam fundidos o Oriente e o Ocidente. Seu conhecimento universal estava fincado em profundas raízes russas. Sua simplicidade franciscana[3] se combinava com a vivência nos países europeus, onde morou e aprendeu a falar fluentemente o francês, inglês, alemão, ademais do russo e lia e se comunicava em italiano, latim, grego, polonês e tcheco.

Morreu no auge da fama, respeitado por milhões de trabalhadores de todo o mundo.

No II Congresso do Partido Operário Socialdemocrata russo, em 1903, Plekhánov, fundador do marxismo russo, se referiu ao jovem Lênin dizendo: “Dessa madeira se fazem os Robespierres”, comparando Lênin ao dirigente da revolução francesa de 1789.

Essa comparação foi muito apropriada, pois os dois foram os principais dirigentes das maiores revoluções que mudaram o mundo: a revolução burguesa na França de 1789 (Robespierre) e a revolução proletária na Rússia de 1917 (Lênin).

Porém, pode-se afirmar, sem dúvida, que Lênin foi o maior revolucionário da história da humanidade: a influência da revolução russa chegou a estender-se para 1/3 da área do globo terrestre e suas obras foram traduzidas para centenas de idiomas, em todo o mundo. Curiosamente, seu primeiro nome, Vladimir, significa “dono do mundo”.


[1] 10 de abril, no antigo calendário, usado então na Rússia.

[2] León Trotsky, La juventud de Lenin, 1933-1935.

[3] Lênin sempre viveu de forma modesta, mesmo depois de chegar ao poder. Nisto também se comparava a Robespierre, conhecido como o “incorruptível”. Ambos se recusaram a utilizar-se dos altos cargos governamentais para enriquecer-se, como é muito comum nos dias de hoje. Lênin, como Presidente do Conselho de Comissário do Povo, recebia um salário médio de um operário, como todos os trabalhadores da União Soviética. Certa vez, seu secretário aumentou o salário de Lênin, sem o seu conhecimento. Levou uma advertência pública, sob ameaça de demissão sumária, se repetisse o fato.

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