A 203 anos de seu nascimento: Engels, as guerras e a violência revolucionária
Hoje, dia 28 de novembro de 2023, completam-se 203 anos do nascimento de Friedrich Engels, o grande companheiro e amigo de Marx. O mal chamado, por culpa de sua extraordinária modéstia, de “o segundo violino”.
Mal chamado porque, apesar do que dizem seus detratores (diretos ou vergonhosos) que o acusam de deformar o pensamento de Marx, eles foram uma equipe. E como Lenin disse, é em sua abundante correspondência onde mais se evidencia sua elaboração em comum.
Por: Alicia Sagra
Engels, como Marx, foi, antes de mais nada, um revolucionário, preocupado não só em promover a luta, mas também em avançar na organização sindical e política da classe operária e do partido. As coincidências com Marx eram tantas, que este não duvidava em assinar artigos muitas vezes redigidos por Engels, em recomendar a leitura do Anti- Düring[1] aos que lhe pediam explicações sobre sua teoria e em deixá-lo à frente da Primeira Internacional a partir de 1870, quando se viu obrigado, por problemas de saúde, a reduzir sua atividade.
Em seu trabalho de elaboração houve uma divisão de tarefas. Engels assumiu centralmente as questões que tinham a ver com a filosofia, razão pela qual foi quem mais desenvolveu os diferentes aspectos do materialismo dialético e, junto com isso, deu uma especial atenção à questão militar. Não só teve experiência direta neste aspecto com sua destacada participação na revolução alemã de 1848, mas também foi um especialista sobre o assunto. Tanto que seus amigos, entre eles a família de Marx, o apelidaram de “o General”.
Num momento em que estamos vivendo duas guerras de libertação nacional, a da Ucrânia contra a ocupação russa, e a da Palestina contra o genocídio de Israel. E quando se tornou moda, entre a vanguarda, inclusive em setores que se reivindicam marxistas, o “nem-nem”, o rechaço a todas as guerras e a equiparação da violência do opressor com a violência do oprimido, é interessante lembrar as posições de Engels sobre a violência e sobre as guerras.
A guerra e a revolução
Marx e Engels, em especial este último, estudaram muito sobre os conflitos armados contemporâneos. Estimavam que as guerras interestatais do presente poderiam conter importantes lições para as guerras revolucionárias do futuro e a destruição do estado capitalista. Nesse caminho, defendiam, por exemplo, o serviço militar universal porque davam grande importância a que a maior quantidade de operários tivesse instrução militar.
Da perspectiva de Engels, na futura guerra mundial (que previu com grande exatidão em 1889[2]), o proletariado em armas dos países que estariam arruinados, apontaria seus fuzis contra os inimigos de classe e o Estado, e a única forma de evitar a guerra mundial seria com a vitória da revolução. Conceito que foi tomado a fundo por Lenin em seu chamado a converter a guerra imperialista em revolução social.
Engels estudou e escreveu muito sobre as guerras e seu papel na história, sobre as táticas e estratégias militares. Mas não se limitou a isso, mas a especificar seu caráter e o que estas refletiam. Por exemplo, estudando a Guerra Civil dos EUA concluía:
“A atual batalha entre sul e norte (…) não é nada mais do que uma batalha entre dois sistemas sociais, o sistema da escravidão e o sistema do trabalho livre. Consequentemente estes dois sistemas não poderiam viver lado a lado por muito tempo. Isto só pode terminar com a vitória de um destes sistemas”[3].
Tanto Marx como Engels não se limitaram a acompanhar o desenvolvimento bélico. Apesar de não terem nenhuma expectativa no governo de Lincoln, não assumiram uma posição “nem-nem”, muito na moda atualmente, mas apoiaram decididamente o Norte, na luta contra a escravidão. E desenvolveram um trabalho sobre a classe operária mundial, chamando-os a não permanecerem indiferentes diante de um conflito deste tipo. Longe de apelar à paz, como fariam muitos “marxistas” atuais, os chamavam a se definir por um lado.
A burguesia britânica também assumiu um lado. A indústria têxtil havia sofrido com a falta de algodão produzido pelos estados do sul da América do Norte, e este setor da burguesia pressionava pela intervenção do governo britânico ao lado da Confederação.
Marx e Engels fizeram parte do movimento contra a intervenção britânica. E reivindicaram que, apesar dos milhares de trabalhadores despedidos pela crise da indústria têxtil, a classe trabalhadora britânica se solidarizou com a luta da União: “A classe trabalhadora inglesa conquistou uma honra histórica imortal por si mesma, frustrando as repetidas tentativas das classes dominantes de intervir em nome dos proprietários de escravos americanos com suas entusiasmadas reuniões de massa, apesar do prolongamento da Guerra Civil sujeitar um milhão de trabalhadores ingleses aos mais terríveis sofrimentos e privações.”[4]
Sobre a violência
Enfrentando as posições reformistas que renegam todo tipo de violência, Engels afirma:
“Para Herr Dühring, a força (violência) é o mal absoluto; o primeiro ato de força para o pecado original (…) essa força (violência), entretanto, desempenha também outro papel na história, um papel revolucionário…”[5]
E, em um artigo, polemizando com os anarquistas e suas acusações de autoritarismo, relaciona a questão da autoridade com a violência revolucionária:
“Estes senhores nunca viram uma revolução? Uma revolução é, sem dúvida, a coisa mais autoritária que existe; é o ato por meio do qual uma parte da população impõe sua vontade à outra parte por meio de fuzis, baionetas e canhões, meios autoritários se houver; e o partido vitorioso, se não quiser ter lutado em vão, tem que manter esse domínio por meio do terror que suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris teria durado acaso um só dia, se não tivesse usado esta autoridade do povo armado frente aos burgueses? Não podemos, pelo contrário, reprová-la por não ter usado o bastante dela?”[6]
E, nesta questão da violência tem uma absoluta coincidência com Marx, que em O Capital propõe:
“A violência é a parteira de toda sociedade velha que está grávida de uma sociedade nova”
Acordo que volta a se manifestar quando coincidem na afirmação, de que um dos maiores erros da Comuna de Paris foi não ter sido tão violenta quanto a realidade exigia por exemplo, não ter executado os reféns diante do ataque sanguinário das forças da reação.
A atualidade do pensamento de Engels
Escolhemos este tema, para homenagear Engels por ocasião dos 203 anos de seu nascimento, porque reivindicamos sua atualidade em vista dos conflitos armados que estamos vivendo.
Evidentemente, nada têm a ver com estas posições defendidas pelo grande camarada e amigo de Marx, as dos “marxistas” que rasgam as vestes pelas mortes dos civis israelenses, que igualam a violência dos dois lados e que não se negam a participar de homenagens às vítimas de Israel.
[1] Anti Düring, livro de Engels, publicado em 1878 onde, em polêmica com um professor (Düring) que ganhou influência dentro do partido socialdemocrata alemão, desenvolve os diferentes aspectos da teoria desenvolvida em comum com Marx. Marx escreve um capítulo desse livro, o dedicado à Economia.
[2] “Quanto à guerra, para mim é a eventualidade mais terrível. Do contrário, eu não zombaria pouco das veleidades da senhora França. Mas uma guerra em que haverá de 10 a 15 milhões de combatentes, uma devastação inaudita tão somente para alimentá-los, uma supressão forçada e universal do nosso movimento, o recrudescimento dos chauvinismos em todos os países…” Carta a Paul Lafargue de 25 de março de 1889 (Engels, Paul et Laura Lafargue, Correspondance, t. 2, Éditions sociales, París, 1956, p. 22
[3] Guerra Civil nos Estados Unidos, Die Press, 07 de novembro de 1861. Escritos sobre la Guerra Civil Americana, Aetia Editorial.
[4] Citado por NOVACK, George. Marx y Engels sobre la Guerra Civil de los Estados Unidos.
[5] Anti- Düring
[6] “De la Autoridad”, outubro 1872. Marxits Internet Archive
Tradução: Lílian Enck