Burkina Faso: Estudantes se mobilizam e policia invade a Universidade
Por César Neto
Desde fevereiro os estudantes da Université Joseph Ki Zerbo, em Ouagadougou, a capital do país vem se mobilizando contra uma lei que regula as promoções e qualificações dos estudantes. Essa enquadra as normativas universitárias do país aos padrões europeus. Promulgada em 2009, ainda durante a ditadura de Blaise Compaoré, essa lei nunca foi totalmente aplicada e agora no governo de Ibrahim Traoré, estão tentando aplicá-la e os estudantes estão se mobilizando.
No dia sete março os estudantes entregaram uma petição as autoridades universitárias. Sem respostas os alunos organizaram uma greve no dia 13 de abril a “qual foi violentamente reprimida dentro do campus universitário conforme cita a imprensa local: Cenas de perseguição foram observadas na manhã de quinta-feira, 13 de abril de 2023, na Universidade Joseph Ki-Zerbo entre estudantes e policiais. Elementos da Companhia Republicana de Segurança (CRS) dispersaram com gás lacrimogéneo alunos do Mestrado da Unidade de Formação e Investigação em Ciências da Vida e da Terra (UFR/SVT) que observavam um movimento de greve. Alguns deles responderam atirando pedras e erguendo barricadas em certas estradas do campus.”[1]
Segundo a Associação Nacional de Estudantes Burquinenses (ANEB), “Em vez de atender às demandas feitas, a administração da UFR SVT decidiu usar a violência ao envolver a polícia nos dias 13 e 14 de abril de 2023 no campus, em flagrante violação das franquias e liberdades universitárias para reprimir estudantes com as mãos nuas que apenas pedem melhores condições para estudar[2]”
O sistema de avaliação segundo a ANEB tem servido para excluir alunos da universidade. No primeiro semestre havia “1.180 alunos ante 627 no segundo semestre. Ou seja, 553 alunos que abandonaram o curso entre o primeiro e o segundo semestre por causa da aplicação do novo regime de estudos”
Além do sistema de avaliação herdado da ditadura e que até então não havia sido aplicado, os estudantes lutam por reformas nas instalações da universidade, bolsas e mais professores.
Depois da repressão do dia 13 e 14 de abril os estudantes fizeram uma nova manifestação no mês de julho. Foram as chamadas: Greve de 120 horas para denunciar o planejamento de demissão da turma master 1
16 de Outubro: os estudantes voltam a se mobilizarem
Na segunda feira a direção universitária tentou impor a força os exames e os estudantes se mobilizaram. Ao chegar na universidade encontraram com a mesma tomada por policiais Companhia Republicana de Segurança (CRS). Houve enfrentamentos entre os estudantes e a policia dentro do campus. “Membros da Companhia Republicana de Segurança (CRS) foram rechaçados com pedras, depois de terem utilizado gás lacrimogéneo para dispersar a multidão”. Com a grande quantidade de gaz lançada contra os estudantes a manifestação foi dispersada.
A Companhia Republicana de Segurança (Compagnie Républicaine de Sécurité)
Burkina Faso se independizou da França no dia 5 de agosto de 1960. Dentre os acordos assinados entre a França e as ex colonias, inclusive Burkina Faso, havia acordos militares. Assim, dois meses após a independência, em 17 de outubro, foi criada a Compagnie Républicaine de Sécurité. O primeiro diretor foi um policial francês – mesmo após a independência – somente depois de estruturado e criado os métodos repressivos é que a direção foi assumida por um burquinabé.
A França perdeu seu controle sobre Burkina Faso mas suas raízes repressivas contra os trabalhadores e os jovens seguem sendo aplicado pela Compagnie Républicaine de Récurité.
E o que diz o Presidente Ibrahim Traoré?
Traoré ganhou notoriedade na Cúpula Rússia-África, a partir de sua intervenção no dia 29 de julho, quando fez um forte discurso anti-imperialista: “Nós chefes de estado africanos precisamos parar de nos comportar como fantoches que dançam sempre que os imperialistas puxam as cordas”. Esse discurso impactou setores da esquerda. Mas na realidade, Ibrahim Traoré não propõe romper os laços que os ata ao imperialismo francês ou qualquer outro, ele busca outras formas de relacionamento, haja visto que as transnacionais como Barrick Gold, Goldrush Resources, Semafo, Gryphon Minerals, entre outras seguem operando normalmente no quarto maior produtor de ouro da Africa.
Ibrahim Traoré foi estudante da Universidade Joseph Ki Zerbo, inclusive, no começo deste ano fez duas conferencias para mais de dois mil alunos. Assim que, ele conhece bem os problemas da universidade. E qual tem sido a atitude do ilustre ex-aluno? Não se tem noticia de nenhuma atitude que indique preocupação com os problemas da Universidade Joseph Ki Zerbo.
E qual tem sido a atitude do Traoré em relação aos movimentos sociais?
Há dois exemplos que explicam a política que Ibrahim Traoré vem aplicando. Uma é em relação ao sindicato dos motoristas rodoviários. Há pouco mais de um mês a Union des Chauffeurs Routiers du Burkina foi recebido no Palácio presidencial, e o presidente da UCRB afirmou que foi “agradecer ao Chefe de Estado e reiterar o seu incentivo aos esforços envidados para o regresso da paz ao nosso país” e ao mesmo tempo “Também discutimos o problema do incumprimento do acordo coletivo setorial revisto do transporte rodoviário de 2020 e da filiação dos condutores rodoviários ao Fundo Nacional de Segurança Social (CNSS). Aguardamos o apoio do Chefe de Estado neste sentido”[3]
Quanto a Associação Nacional de Estudantes Burquinenses não há manifestações por parte do governo. Nem em relação as reivindicações dos estudantes e nem sobre a invasão da universidade por parte das forças policias e muito menos sobre a repressão aos estudantes.
Em relação a manifestação que propõe uma nova Constituição, pois a atual segundo os manifestantes é uma herança colonial, Ibrahim Traoré informou que “a modificação [será] parcial, você verá do que se trata; vamos tocar em uma parte” Para quem espera uma Constituição redigida e aprovada pela população, Traoré desfaz essa possibilidade e indicada que será igual ao do Mali onde não houve participação direta da população. Ela, segundo o presidente burquinense ouvirá as diferentes confissões religiosas, os sábios e as representações étnicas.
Estamos com os estudantes. Não confiamos em Traoré
É necessário difundir, apoiar e alentar a luta dos estudantes de Burquina Faso. Mas é preciso também ajudá-los a ver que apesar do enorme prestigio do atual presidente, ele não os apoia e mais quer fazer um remendo na Constituição colonial.
Não podemos confundir os discursos inflamados com a estreita ligação de Ibrahim Traoré com a burguesia agrária do país. Burkina Faso tem a maior parte de seu território nas regiões áridas próximo ao deserto do Sahara. Mais ao sul do país, está a província da Mouhoun, uma região com uma enorme bacia hidrográfica e que permite a agricultura intensiva. Dessa rica região saiu Traoré e outros militares, que frente aos grupos islâmicos que controlam 40% do território nacional, assumiram o poder para controlar os grupos islâmicos e defender a propriedade privada de suas famílias.
Por isso dizemos que a tarefa número é começar construir uma organização independente dos patrões e o governo e que tenha como seu norte a luta por um governo dos trabalhadores, rumos a construção de um socialista.
[1] Université Joseph Ki Zerbo: courses-poursuites entre policiers et étudiants en grève – https://www.wakatsera.com/universite-joseph-ki-zerbo-courses-poursuites-entre-policiers-et-etudiants-en-greve/
[2] Université Joseph Ki-Zerbo/UFR SVT : Une grève de 120 heures pour dénoncer la planification du renvoi de la promotion master 1 – https://lefaso.net/spip.php?article122722
[3] L’UCRB plaide pour l’application de la Convention collective des transports routiers – https://www.wakatsera.com/lucrb-plaide-pour-lapplication-de-la-convention-collective-des-transports-routiers/