Declaração sobre a guerra de Gaza, 2023
O 7 de outubro de 2023 vai entrar para a história como o dia em que o povo de Gaza arrebentou sua prisão. Desafiando o bloqueio de Israel por terra, mar e ar, os palestinos destruíram as cercas de fronteira com tratores, e pela primeira vez em 16 anos, os muros da prisão a céu aberto que é Gaza caíram e os palestinos puderam entrar na terra de seus ancestrais livremente. Essa liberdade durou pouco, mas a guerra que ali começou continua.
Por: Adhiraj Bose
O Hamas, uma organização islâmica radical, braço armado da Irmandade Muçulmana em Gaza, foi o maestro dessa rebelião violenta. Um ataque surpresa foi lançado nas primeiras horas de 7 de outubro, quando centenas de foguetes foram disparados em cidades e assentamentos israelenses no sul. O ataque surpreendeu completamente as forças armadas de Israel. O Hamas sobrepujou as vilas e fazendas cooperativas chamadas kibutzes facilmente e as ocupou. Ao fim do dia, tinham chegado a 6 quilômetros da fronteira com a Cisjordânia. O ataque foi nomeado “Enchente de Al Aqsa”, o que indica qual era o objetivo final do Hamas: alcançar Jerusalém.
Esse avanço foi acompanhado por mortes violentas de colonos israelenses no Sul, civis inclusos. Embora seja difícil estar certo das estimativas, Israel diz que “pelo menos” 1400 vidas foram perdidas e mais de 3000 foram feridos, com 292 dessas perdas sendo de militares.
O ataque não tinha como durar perante a massacrante resposta militar de Israel, que empurrou o Hamas de volta para dentro de Gaza pelos próximos 3 dias, matando, segundo Israel, ao menos 1500 combatentes do Hamas.
O ataque chocou Israel, tanto em velocidade quanto em amplitude. Não foi menos chocante do que a insurreição dos sipaios indianos em 1857, que dentro de meses já tinham tomado controle de quase toda a planície do Ganges, e quebraram a coluna do maior e mais poderoso império da Terra, o Império Britânico. As semelhanças não param por aqui, já que seguiu-se a cobertura da imprensa de massas burguesa com o mesmíssimo tom de séculos atrás, pintando uma imagem unilateral de violência cometida por “bárbaros” contra pessoas “civilizadas”.
Por terríveis que tenham sido as ações do Hamas, o que se seguiu, por parte do lado israelense, foi nada menos que genocida. As forças armadas de Israel atacaram com poder avassalador, com ataques aéreos concentrados na faixa de Gaza, e em uma semana Israel lançou mais bombas do que os EUA e seus aliados utilizaram em um ano de invasão no Afeganistão, em uma área que é um terço do tamanho de Delhi, capital da Índia.
Israel perdeu cerca de 1400 vidas para o Hamas, e sua retribuição matou mais de 3500 civis palestinos e uma quantidade desconhecida de militares. O desequilíbrio entre colonizador e colonizado não poderia ser mais claro.
SEM FALSAS EQUIVALÊNCIAS
Mesmo levando em consideração a liderança reacionária do Hamas na guerra pela independência da Palestina, não se pode colocar falsos sinais de igual entre a força colonizadora que é Israel e o povo colonizado que são os palestinos.
Desde seu início, o projeto sionista era um projeto colonial formulado por um grupo de judeus da Europa. Foi projetado como um meio de salvação para os judeus, um povo que sofreu historicamente de perseguição na Europa. No entanto, o único meio de concretizar o projeto sionista é a expulsão forçada e vitimização dos árabes palestinos, que residiam na região por centenas de anos até a fundação de Israel.
A existência da Israel de hoje foi garantida pela ocupação e colonização britânica na região, que se utilizou de uma política de dividir para conquistar, aprendendo com o sucesso que teve ao fazer a mesma coisa na Índia ao dividir a região de Bengala, e depois com a Partição da Índia inteira. O plano de partição por parte de Israel foi deliberadamente engendrado pela Inglaterra para inflamar as tensões entre as populações árabe e judia, essa última fortalecida pela imigração vinda da Europa, composta por judeus que haviam sido vítimas do Holocausto e perderam seus meios de vida.
As potências mundiais ficaram todas ao lado de Israel, incluindo a União Soviética dirigida por Stálin. As nações árabes da região, que tinham elas mesmas sido colonizadas pelo Império Britânico ou estavam sob a hegemonia imperialista britânica, agora viam uma parte fundamental de sua região entregue ao projeto colonial sionista. Com armas vindas de todo o mundo, inclusive da União Soviética, os sionistas ganharam a guerra contra uma coalizão de nações árabes recém independentes, que tinham forças armadas fracas e estavam empobrecidas por anos de colonização e exploração imperialista. O que se seguiu é conhecido pelos árabes como a “Nakba”, traduzida como catástrofe.
O estado sionista aplicou uma brutal campanha de limpeza étnica que assassinou milhares de palestinos com métodos terroristas e expulsou 750.000 palestinos das terras conquistadas por Israel. Com apenas 7 anos de existência de Israel, o segundo aspecto do estado sionista foi revelado quando, ao lado da França e da Grã-Bretanha, invadiu o Egito em 1956 para impedir os egípcios de nacionalizar o canal de Suez.
Israel foi fundado baseando-se em uma mentira, de que se tornaria um paraíso e um abrigo seguro para os judeus, mas tudo que foi prometido na verdade é dor, violência e guerra, consequências inevitáveis do projeto colonial sionista. Foi construído com sangue de um povo colonizado e alimentado por potências imperialistas, primeiro o Reino Unido e agora os Estados Unidos, para oprimir e destruir os povos árabes no Levante e no Oriente Médio e garantir a hegemonia imperialista na região. Israel, com seu militarismo e apartheid, ajuda os EUA e a Inglaterra a garantir sua hegemonia sobre o Oriente Médio mais amplamente, e especialmente sobre o Egito; foi crucial para derrotar o nacionalismo árabe secular nesse país, suas aspirações anti-imperialistas, assim como no Levante. E continua a cumprir esse papel hoje ao bombardear o Líbano e a Síria.
Enquanto isso, o povo palestino, primeiro sob a liderança da Organização para a Libertação da Palestina, e agora sob a direção do Hamas, luta apenas por sua terra, injustamente dada por uma potência colonial (a Grã-Bretanha) para o empreendimento colonial que é o Sionismo. Foi o fracasso da OLP, culminando na assinatura dos acordos de Oslo, que permitiu que Israel e os EUA dominassem todo o Oriente Médio e o leste do Mediterrâneo, alimentando o surgimento do Hamas.
Hoje se sabe que a ala direita da política israelense, os sionistas mais violentos e virulentos do país, odiaram o processo de paz e desprezavam a OLP. Para eles, uma organização islamista reacionária como o Hamas era muito útil politicamente. Benjamin Netanyahu, atual primeiro-ministro de Israel, e seu partido, o Likud, ajudaram na ascensão do Hamas e no enfraquecimento da Autoridade Palestina dirigida pela OLP e pelo Fatah. A existência de uma força islamista reacionária dirigindo Gaza enquanto a Autoridade Palestina controlava parte da Cisjordânia servia perfeitamente ao estado sionista. Isso mantinha o povo palestino dividido, e o Hamas era uma desculpa perfeita para empreender uma política agressiva e sistemática de expulsões e assentamento.
Israel sabotou e aterrorizou os palestinos da Cisjordânia, um território mantido sob ocupação desde a guerra de seis dias em 1967, e mantém Gaza (que já tinha sido militarmente ocupada entre 1967 e 1982, e sob sua administração até 2005) sob estado de sítio desde 2007.
Gaza é cercada ao norte e leste por Israel, ao oeste pelo Mar Mediterrâneo, e ao sul pelo Egito, que ajuda Israel a manter Gaza sob bloqueio. Israel controla as águas no entorno de Gaza, controla os movimentos das pessoas, o suprimento de água e os recursos para suas usinas de energia elétrica, e seu espaço aéreo. Não é sem motivo que Gaza é comparada com uma prisão!
Por 16 anos os palestinos em Gaza foram mantidos sob sítio, presos atrás de uma muralha enorme e mal tendo o suficiente para se alimentar. Ao mesmo tempo, colonos sionistas ocuparam terras na Cisjordânia expulsando milhares de palestinos, os aterrorizando regularmente. Foi nesse contexto que o Hamas, uma organização islamista reacionária, lançou seu ataque a Israel.
Esses ataques tiveram toda a fúria de um povo colonizado que se revolta contra a opressão sistêmica, e foram sangrentos. Os indianos entendemos disso porque nós tivemos essa experiência quando os sipaios se revoltaram em 1857, ainda que liderados por uma camarilha reacionária de monarcas depostos, como o enfraquecido imperador mogol Babadura Sacha Afar II ou a rainha guerra Laxmi Bai que lutava para restaurar seu trono. Apesar dessa direção, Marx corretamente identificou a rebelião dos sipaios como uma guerra de independência, apesar de seus objetivos divergiram dos das lideranças reacionárias. A rebelião, assim como a atual revolta palestina, foi acompanhada por massacres brutais de civis britânicos, particularmente os familiares de oficiais.
Como antes, também agora a imprensa burguesa do mundo imperialista, especialmente os noticiários estadunidenses e britânicos, não se cansam de exagerar os “crimes” dos oprimidos e de acobertar ou diminuir os crimes dos agressores. A notícia falsa dos bebês decapitados, espalhada sem nenhuma evidência mínima, alimentou a opinião pública para desumanizar os palestinos e clamar por vingança contra eles, dando cobertura moral para os crimes de Israel, que incluem o bombardeio indiscriminado de Gaza e um cerco completo que cortou inclusive água, eletricidade e comida. A população de Gaza está pagando pelas ações do Hamas, assim como os inocentes mortos aos milhares em Delhi, Lucknow e Kanpur pelos britânicos pagaram pelas ações dos sipaios.
Dois milhões de habitantes de Gaza estão aprisionados por Israel. Sofrem com a fome, a dor, e bombardeios terroristas semelhantes à blitz aérea da Alemanha nazista contra a Inglaterra. Esse é o equivalente em nosso século das campanhas terroristas durante a revolta dos sipaios, quando eles bombardearam vilas inteiras até sua destruição. Naqueles dias, Marx se colocou do lado correto da história, o lado dos indianos. Precisamos estar ao lado dos palestinos, incondicionalmente!
Não pode haver falsa equivalência entre a Israel colonizadora e a Palestina colonizada nessa guerra de independência.
A SOLIDARIEDADE É A CHAVE!
O ataque do Hamas e a sanguinária retribuição de Israel estão galvanizando os povos árabes e o mundo muçulmano mais amplamente. A Palestina e seus combatentes armados não tem nenhuma esperança de lutar de igual para igual contra Israel, e não tem como enfrentar o arsenal e recursos israelenses financiados pelos EUA, ainda mais com as marinhas estadunidense e britânica que foram apressadas para o leste do Mediterrâneo agir como força de “dissuasão”. A melhor arma que o povo da Palestina tem, hoje, é a solidariedade dos trabalhadores do mundo, especialmente dos trabalhadores dos países árabes.
Hoje há milhares de pessoas nas ruas de Bagdá, do Cairo, de Beirute, de Amã, de Manama, e de todas as grandes cidades do Oriente Médio. Há marchas na Turquia, em todo o norte da África e o sul da Ásia. Londres teve um dos maiores atos da sua história em solidariedade à Palestina, há protestos em Washington chegando aos portões da Casa Branca. Se Israel tem dificuldades com sua ofensiva por terra contra Gaza e está sendo forçado a agir de forma mais controlada é por causa dessa solidariedade. Nenhum dos líderes burgueses corruptos dos países árabes, fantoches do imperialismo que são, duraria por cinco minutos se não fossem solidários à Palestina hoje.
O clero do Irã que governa o país sabe bem o custo de falhar nesse teste das lutas anti-imperialistas. Eles viram seu povo mobilizado para a luta e sabem bem o que acontece se fracassarem. Teerã estaria em chamas e seriam os trabalhadores do Irã que expulsariam essa camarilha governante reacionária do poder.
A questão palestina é uma das lutas democráticas chaves do Oriente Médio. Pelos últimos 80 anos, a burguesia árabe demonstrou sua impotência histórica ao falhar em conquistar sua independência do imperialismo, e esse fracasso se demonstrou nas derrotas que sofreu contra Israel, primeiro na guerra de 1948, depois na Guerra dos Seis Dias em 1967, e ainda na Guerra do Yom Kippur em 1973. Ela demonstrou a teoria da revolução permanente pela negativa, provando que a burguesia é incapaz de cumprir as tarefas democráticas mínimas postas. Essa tarefa agora recai sobre os ombros dos trabalhadores do Oriente Médio e do norte da África.
Esta guerra em Gaza energizou as massas da região depois das derrotas e desapontamentos que tiveram com os fracassos das revoluções no Oriente Médio e no norte da África.
ESTAMOS COM OS PALESTINOS, POR UM ESTADO PALESTINO ÚNICO!
Precisa ser dito claramente que, quando nos colocamos contra Israel, não estamos defendendo antissemitismo ou fundamentalismo islâmico. Estamos opostos a Israel como estamos opostos às monarquias reacionárias brutais do Golfo Pérsico, ou ao pesadelo teocrático que é o Irã. Estamos com a classe trabalhadora, e a classe trabalhadora da Palestina está sendo atormentada por Israel e seu projeto colonial sionista.
A brutalidade da guerra de Gaza, e a Nakba antes dela, mostra que o projeto central de Israel não é “autodefesa” ou mera sobrevivência, mas a erradicação do povo palestino. O maior obstáculo em seu caminho é a solidariedade da classe trabalhadora com a luta palestina. Nós apoiamos seu direito à autodeterminação, nós apoiamos seu direito a existir.
Uma Palestina única, secular, socialista é o que defendemos, como parte de uma federação unida de estados socialistas árabes. O primeiro passo nesse sentido é a destruição do Estado sionista de Israel. E para isso, precisamos unificar nossa luta ao redor do mundo e marchar em solidariedade ao povo palestino.
APOIO INCONDICIONAL À LUTA PALESTINA!
EM DEFESA DE GAZA!
CHEGA DE CRIMES DE GUERRA!
ABAIXO ISRAEL!
VIVA A SOLIDARIEDADE ENTRE OS POVOS!