Yuri Petrovich é presidente do Sindicato Independente dos Mineiros de Krivih Ryh, na Ucrânia, e tem participado da luta contra a invasão de seu país pelo exército russo desde do início da guerra, onde, neste momento, estão seu filho, seu neto e muitos de seus companheiros. Em passagem pelo Brasil para participar do congresso da CSP-Conlutas e do encontro da Rede Sindical Internacional de Solidariedade e Lutas, Yuri conversou com o Opinião Socialista, contando como os trabalhadores se mobilizam contra a guerra e denunciando o caráter colonial da invasão de Putin
Por: PSTU Brasil
Por que você classifica a guerra da Ucrânia como uma guerra colonial?
Yuri Petrovich – A Rússia é um império. Na segunda metade do século 20, depois da Segunda Guerra Mundial, todos os países coloniais conseguiram sua independência, mas seguiram sendo semicolonizados. Os povos que estavam sob o domínio do Império [russo] Czarista, e também algumas colônias de outros países colonialistas, não conquistaram a independência. Evidentemente que a própria Rússia, depois da restauração do capitalismo, de certa maneira herdou essa influência, assumindo um papel de colonização, herdado de países metropolitanos. Mas, tem sua especificidade, porque a Federação Russa não apenas tem uma relação de domínio com as ex-repúblicas da União Soviética (URSS), mas também com as próprias repúblicas que se encontram, hoje, dentro do que chamam de Federação Russa. Isso já existia, mesmo desde antes da Revolução de Outubro de 1917. Uma parte dessas repúblicas se libertou com o fim da URSS, mas, até hoje, a questão da independência nacional (ou mesmo a aspiração pela independência nacional) não está resolvida.
No caso da Ucrânia isso é muito notório, já que o país é a maior das nacionalidades. A Ucrânia tem o seu idioma e sua cultura, mas sob a dominação russa houve a continuidade de uma política de “russificação”, com o domínio de empresas de capital russo, com seus principais recursos energéticos e naturais nas mãos do capital russo. Por exemplo, toda a rede elétrica seguia sendo integrada e dominada pela Rússia. As redes de gás e de petróleo, também. É essa dominação de todas as redes que Rússia, agora, tenta manter por meios militares.
O que você acha da declaração de Vladimir Putin, afirmando que a Ucrânia é uma invenção de Lênin e dos bolcheviques?
Os ucranianos não viram essa declaração, porque se recusam a ouvir qualquer fala de Putin. Na realidade, precisamos analisar com que autoridade Putin dá suas declarações. Tudo o que diz (e disse) está ditado por seu nível cultural; pois, como se sabe, ele nunca foi alguém de nível cultural elevado. Se formou como oficial da KGB (serviço secreto soviético) e, depois, se tornou um servo dos oligarcas. Eles precisavam de uma pessoa que pudessem controlar e Putin foi essa pessoa. Depois, o próprio Putin eliminou uma parte desses oligarcas, por meio de assassinatos e prisões, e se transformou, ele próprio, num oligarca.
Esse método não é novo. É o método dos impérios. Também foi assim no Império Bizantino, no Otomano, no Romano etc. Mas, depois vem a decadência. É esse momento que estamos vendo na Rússia.
Em todos os escritos do Império Bizantino [que durou do ano 395 até 1453] encontramos milhares de páginas sobre o que seria esse território do Estado ucraniano. Nos documentos históricos desta época, não encontramos referências ao Reino de Moscou. Então, não dá para negar a existência dessa cultura e nacionalidade. Negá-la significa uma atitude anti-histórica.
Qual é o papel que o Sindicato Independente de Metalúrgicos e Mineiros de Kryvyi Rih vem desenvolvendo na resistência?
Nos primeiros dias da guerra, os principais quadros da entidade foram para a frente de batalha. Evidentemente, por conta da idade, eu não fui e fiquei no sindicato. Hoje, a maioria dos dirigentes do sindicato é formada por mulheres operárias da mineração. Temos um total de três mil membros filiados e pelo menos um terço está combatendo na frente de batalha. Ou seja, cerca de mil companheiros. Naturalmente, há um debilitamento da força sindical da categoria, mas eles estão lutando contra o invasor.
A guerra mudou completamente o trabalho do sindicato, quando comparado com o que é feito em tempos de paz. Mas, nesse momento, defendemos nossos companheiros que estão na linha de frente como um operário. Defendemos que se mantenha o mesmo salário que ganhava na empresa, porque há uma lei que não obriga as empresas a pagarem o mesmo salário a quem vai para o front. Ele [o operário que luta na frente de batalha] depende totalmente do salário que vai ser pago pelo governo.
Defendemos que os salários sejam mantidos, além de todas as conquistas sociais. Ou seja, defendemos o operário que está na linha de frente e, também, o defendemos frente às autoridades militares e do Estado.
Como vocês avaliam o papel do Zelensky na Guerra?
Zelensky foi um profissional no terreno de atuação e segue se relacionando com os setores de poder e mantendo relações internacionais. No campo militar, sua atuação é protocolar. Não tem muita incidência na estratégia militar. A maioria das pessoas o veem como “normal”, desempenhando esse papel. Mas, para dizer de maneira suave, em relação aos trabalhadores e os setores mais necessitados da população, há muitas críticas.
Há críticas, inclusive, que não são feitas apenas pelos trabalhadores. No entanto, sua popularidade foi conquistada simplesmente por ter ficado no país, por não ter fugido [no início da guerra]. Todos achavam que Zelensky fugiria. Mas, para surpresa de Moscou, ele ficou. E também para o espanto dos norte-americanos, que haviam até preparado um avião para que ele fugisse para a Turquia.
Veja, hoje um míssil caiu na cidade de Kryvyi Rih, matando 50 pessoas, ferindo muitos e provocando muita destruição. Então, diante dessa situação, a população é capaz de distinguir de onde veem os prejuízos? Entre os prejuízos causados por uma invasão e uma ocupação genocidas e os prejuízos causados por medidas e leis de um governo que ataca os trabalhadores? Na verdade, o que se cria é uma situação na qual a população relativiza os prejuízos. Diante da agressão da Rússia, a população se une contra a agressão. E isso acaba fortalecendo o governo, face a essa situação de guerra e invasão.
No Brasil, uma parte da esquerda tem adotado a narrativa de que a guerra é, na verdade, um conflito promovido pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contra Putin. Muitos, diante da guerra, até mesmo se colocam do lado da Rússia. Como você avalia isso?
A Rússia vive da exploração do petróleo e do gás. Neste momento, 70% das empresas que extraem petróleo e gás têm o seu abastecimento e sua provisão para funcionamento vinculadas às próprias corporações capitalistas do ocidente.
Recentemente vimos que um míssil russo (que caiu, mas não detonou) tinha seus componentes fabricados em todos os países da OTAN. Então, são mísseis da OTAN que a Rússia está usando no bombardeio contra a Ucrânia. Isso mostra toda a falsidade das sanções. Todos os drones kamikases fornecidos pelo Irã, os Shahed, têm uma parte de seus componentes fabricados na França.
O objetivo real dessa guerra não é um combate contra a OTAN. É a rapina das riquezas ucranianas, dos recursos naturais do país e especialmente da terra. Como se sabe, a Ucrânia é um grande produtor de trigo e essa terra negra da Ucrânia, extremamente fértil, é encontrada numa grande extensão do nosso país. É algo muito raro e esse é um dos grandes objetivos da ocupação da Ucrânia.
Todos conhecemos os métodos dessa guerra na cidade de Mariupol. As tropas russas, seus mercenários e os soldados chechenos promoveram um genocídio. Em uma cidade de 300 mil habitantes, pelo menos 100 mil foram assassinados e outros 50 mil tiveram que fugir. Se isso não é uma guerra genocida, o que pode ser então? Como classificá-la?
Quem fala que isto é um suposto conflito entre Putin e a OTAN não percebe a dinâmica do mercado mundial. O comércio mundial não parou. A Rússia recebeu mais dinheiro das exportações do que se supõe.
O bilionário Erlon Musk, com sua empresa de satélites Starlink, instalou seu sistema de internet para supostamente ajudar a Ucrânia e ganhou muito dinheiro com isso. Mas, ele também conquistou domínio sobre o espaço da internet da Ucrânia e usa isso pra chantagear o país e ajudar a Putin, de tal modo que pode controlar e paralisar todos os drones usados pela resistência na linha de frente.
Erlon Musk é um chantagista e ele ajuda a manter o controle da Rússia sobre a Crimeia. Se houve algum avanço da Ucrânia na Crimeia é porque foram abandonados os sistemas da Starlink. Antes, com o sistema da Starlink, os russos conseguiam alvejar e derrubar facilmente os drones ucranianos. Musk é um bilionário que se envolveu numa guerra e se tornou um tremendo vilão.
Portanto, quem vê essa guerra com essa visão simplificadora, de um simples conflito entre a OTAN e Putin, é um ignorante que não tem uma visão profunda da economia e da política.
Como você está reagindo ao imenso apoio dado pelos participantes do Congresso da CSP-Conlutas à luta do povo ucraniano?
Eu sempre soube que a relação da base dos trabalhadores, do povo simples, no que se refere à causa ucraniana, é de simpatia, de apoio e solidariedade. Os meios de comunicação de massa não se referem a isso; mas, sim às posições dos dirigentes dos países.
Na realidade, em relação ao apoio concreto da CSP-Conlutas, a gente não apenas sabia, como já o tínhamos recebido [através dos Comboios de Ajuda Operária, organizados pela Central]. Mas, nesse congresso, nas fotos e vídeos que enviei para a Ucrânia, vi algo muito forte na reação da base dos operários ucranianos, de verdadeiro entusiasmo. Algo que não é comum nesse momento de guerra, pois sabemos que momentos de alegria podem ser ofuscados por grandes tragédias.
Eu quero ver meu país livre das botas dos ocupantes, em paz, em liberdade e com independência. É por isso que lutamos. Peço a todos para apoiar a nossa causa. Muito obrigado.