Colômbia: a crise social alimenta o descontentamento
A explosão social está latente
Em 4 de julho ocorreu um levante social na cidade de Bucaramanga por parte de um grupo de moradores de bairros populares que incendiaram a motocicleta de um policial de trânsito, como reação pela morte de um jovem que não atendeu a ordem de parar por transitar por uma faixa exclusiva para transporte público. A versão inicial que circulou, dizia que o policial havia jogado um cone de tráfego e o fez cair, matando-o.
Por: PST – Colômbia
A jornada de indignação só durou um dia, pois se tratou de uma revolta espontânea sem uma direção que organizasse a luta. A repressão desatada pela polícia foi brutal, houve capturas e rapidamente se criminalizou vários participantes do protesto, enquanto que para o policial assassino só “abriram uma investigação”, a pesar de ter cometido o homicídio em plena luz do dia e em presença de testemunhas.
A luta de classes não pode ser negada
Este fato tem sido um alerta que o Governo e a burguesia não podem ignorar. Os “ninguém” existem e não esqueceram suas aspirações de viver “sabroso”[1], nem da capacidade da luta coletiva.
Enquanto que os corruptos, os assassinos dos jovens e os responsáveis pelas torturas e desaparecimentos continuam livres, revitimizando as vítimas, dezenas de jovens lutadores estão nas prisões, e alguns em greve de fome pelas péssimas condições carcerárias.
Os meios de comunicação aludem a “investigações” de onde concluem que a explosão social não existiu e que se tratou de “uma ocupação ou plano guerrilheiro” orquestrado por dissidências das FARC-Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, segundo o canal Caracol.
A mídia procura apagar da memória histórica a paralisação nacional e a dignidade da luta, turvando-a e gerando uma narrativa para falsificar a história com uma versão a serviço da campanha eleitoral de reacionários como Diego Molano.
Independentemente de que na paralisação de 2021 tenham participado ou não organizações guerrilheiras, a juventude, os trabalhadores, os moradores de bairros populares e todos aqueles que estivemos nas ruas, sabemos que o processo que vivemos não foi ordenado por ninguém, e aprendemos uma lição muito importante: a luta serve e assusta os poderosos. A luta de classes existe, está presente e não pode ser negada.
Se os bombeiros não podem, a pradaria será incendiada
Os levantes espontâneos e radicais têm o mesmo conteúdo da explosão social da paralisação nacional de 2021. É a manifestação de que o descontentamento social está latente, que só precisa de uma faísca para que se produza o incêndio, se políticos e burocratas sindicais, como bombeiros, não o apagarem rapidamente canalizando o descontentamento para eleições burguesas com promessas de mudança, que foi como desmontaram a paralisação de 2021 salvando Duque e seu governo depois de ter perdido dois ministros derrubados pela mobilização.
O descontentamento é internacional e contagioso
Na Colômbia, na memória dos despossuídos ficou evidente que é possível derrubar contrarreformas e ministros que representem os interesses de empresários, latifundiários, pecuaristas e narcotraficantes. A paciência tem um limite, a crise social é mundial e o descontentamento contagioso.
Já vimos que o povo francês não quer uma contrarreforma previdenciária e o expressou nas ruas queimando carros frente à raiva incontida. Não podemos esquecer que é um povo que não tem rei nem rainha, porque há muitos anos os guilhotinaram, e décadas depois, em 1871, fizeram a experiência com uma revolução operária, a Comuna de Paris.
O desemprego real supera 50 %
Segundo os últimos dados do governo, a “informalidade no trabalho” supera 56%, o que implica que mais da metade das famílias na Colômbia vivem na informalidade, e que o desemprego real supera 60%; a fome espreita e 25% da população não pode comer três vezes ao dia. Sem emprego, a disputa pelo pão origina insegurança, criminalidade e degradação social.
Para que estudar se não há o que comer, nem trabalho garantido?
Apesar da política de matrícula zero e alguns subsídios, as diretrizes da Universidade Distrital de Bogotá apontam que nas universidades públicas a taxa de evasão ronda 50%. A razão na maioria dos casos é simples: os estudantes não têm como se sustentar e se veem obrigados a abandonar a universidade para recorrer ao trabalho informal, porque a sobrevivência se impõe acima do estudo.
A juventude que consegue se formar com uma graduação também não tem um trabalho garantido, centenas se amontoam nos galpões dos call center, no melhor dos casos bilíngue, submetidos a jornadas de exploração de até 16 horas, porque são contratados “por metas e não por horas”. Os menos afortunados: aqueles que só contam com o segundo grau, os migrantes venezuelanos, e, em geral, os mais pobres, “rebuscam” a sobrevivência no transporte informal com moto e bicitaxi, em domicílios, Rappi e outros aplicativos.
Crimes, criminosos, corrupção e delinquência
A crise social e o desespero dos despossuídos não se expressam unicamente na fúria popular ou nas mobilizações. Espessas camadas de desempregados cruzam a barreira de classe, deixam de ser trabalhadores e se convertem em criminosos. Também nas camadas superiores o crime campeia, a chamada “gente de bem” devem sua existência e bem-estar à exploração do trabalho, à renda de atividades criminosas e ao desfalque.
A crise do sistema é geral, não é só a fome, mas a ruptura do tecido social, a crise dos “valores capitalistas” do vale-tudo, do “ser esperto” e a podridão geral que se expressa entre as classes altas com o nome de “corrupção”, e nas baixas com o nome de “delinquência”. Com o desfalque dos recursos públicos por corrupção, os políticos e os empresários embolsam a cada ano mais de 50 bilhões de pesos do orçamento nacional, o que equivale a mais de 10%
Os assaltos à mão armada, inclusive em setores exclusivos da capital, em ônibus, hotéis e até fazendas, os furtos, os roubos e a extorsão se converteram no pão de cada dia e são uma ameaça constante. Diariamente vemos notícias de que algum trabalhador ou trabalhadora morreu assassinado por roubo de um celular ou uma bicicleta. Em Bogotá, Cali, Medellin e cidades do eixo cafeeiro as pessoas vivem com medo de sair por temor aos criminosos. Alguns dizem que Bogotá se converteu em uma “cidade Gótica”, nas mãos dos criminosos e com uma população assolada pelo crime.
A ultradireita vende as duas mercadorias: o discurso contra a segurança e como remédio, mais insegurança e crime
Agora que as eleições se aproximam, a questão da insegurança é tradicionalmente usada pela burguesia para fazer campanha, culpando o Governo de Petro ou a “esquerda”, promovendo discursos xenofóbicos e racistas, e aproveitando para vender sua “segurança democrática”, ou seja, aproveitando para promover políticas de fortalecimento da polícia e das forças armadas, construção de presídios e medidas de criminalização contra a juventude.
A ultradireita do Centro Democrático e do uribismo têm as duas mercadorias: o terror do paramilitarismo, o narcotráfico e o regime político que garante insegurança, e o “remédio” contra isso: o discurso e as promessas para acabar com a insegurança, que no passado foi: mais paramilitarismo, falsos positivos, assassinato de dirigentes sindicais e sociais, deslocamento da população, desaparecimentos e narcotráfico com consequências criminosas.
As medidas que a ultradireita agita não só são inúteis contra o crime, mas na realidade não têm como objetivo combatê-lo. O verdadeiro objetivo é fortalecer o aparato repressivo para responder com toda a violência quando as massas não aguentarem mais, como em Bucaramanga, e resolvam “prender tudo”.
A segurança que a ultradireita promete é continuar criminalizando a juventude e assim continuar mantendo os privilégios dos capitalistas, e criminosos de “colarinho branco” que continuam cometendo crimes, de todos os partidos políticos e de todas as empresas privadas, tal como o demonstram os fatos do escândalo da Odebretch, onde todas as frações burguesas estão envolvidas.
O problema não é a economia, é o sistema
Quando em Bucaramanga o policial assassinou covardemente o jovem trabalhador “motoqueiro”, a fúria se apoderou da cidade durante todo um dia; jovens e trabalhadores precarizados, trabalhadores e imigrantes protagonizaram uma jornada que encheu de terror burgueses tradicionais e governistas e parecia que estávamos na paralisação nacional de 2021: barricadas, bloqueios de ruas e rodovias, ações de vandalismo de destruição de carros e infraestrutura, resultado do desespero e da indignação, e em meio a todas essas ações, o fogo que simboliza o desejo consciente, ou inconsciente, de que tudo arda, para que algo mude.
As políticas de segurança dos governos e do Estado são inúteis para os pobres e úteis para os criminosos. A enorme maioria dos casos que são denunciados ficam na impunidade. É normal que seja assim porque o sistema não pode ser reformado. Tem que ser mudado da raiz. Não precarizando o emprego e reduzindo os postos de trabalho, reduzindo os salários e castigando os desempregados e a juventude.
Os capitalistas e seus meios de comunicação nos repetem todos os dias que o problema da crise é culpa da economia, dando a entender que não é problema da classe que a domina, controla e usufrui dela. Mas o problema é do sistema capitalista que se sustenta na divisão de classes sociais, onde uma delas produz a riqueza e a outra a apropria. O remédio não é aumentando a desigualdade e a miséria enquanto que um pequeno setor acumula riqueza de forma irracional. O remédio é distribuindo a riqueza, começando por distribuir o trabalho entre toda a população economicamente ativa, reduzindo a jornada de trabalho radicalmente, socializando os meios de produção e eliminando o lucro de alguns poucos para que seja “lucro” de toda a sociedade.
Comitê Executivo PST
15 de julho de 2023
[1] Slogan de Francia Marquez na campanha presidencial que se refere a “viver sem medo, a viver com dignidade, refere-se a viver com garantia de direitos”, ndt.
Tradução: Lílian Enck