Em 20 de julho foi dado o apito inicial para o segundo tempo ao governo Petro. Depois de um final de legislatura marcado pelas disputas em torno das reformas, salpicado com os escândalos políticos nas entranhas do governo, crises ministeriais e apelações incipientes para a mobilização nas ruas, o intervalo foi usado por Petro para recompor o jogo. O governo preparou novas negociações para conseguir reconstruir as maiorias necessárias para levar adiante seus projetos de Lei e, às portas de completar um ano de governo, ter algo para mostrar às massas na expectativa da tão desejada e esquiva mudança.
Por: PST – Colômbia
Por isso, em 20 de julho sua saída para campo do jogo inicia pelo lançamento de seu chamado a um Acordo Nacional e dias depois, anunciar sua intenção de nomear o paramilitar Salvatore Mancuso como Gestor da Paz. O anúncio desta nomeação ocorre a propósito dos 20 anos do Pacto de Ralito, no qual os paramilitares e os políticos burgueses selaram sua aliança criminosa. Tal nomeação é justificada por Petro como um meio para conseguir culminar a desmobilização do paramilitarismo e a paz total.
Mancuso será um cantor odiado pelos seus criadores
A nomeação de Mancuso como gestor da paz, aparentemente surpreendente, vem sendo preparada há meses, inclusive anos. Nas declarações de Mancuso diante da JEP (Jurisdição Especial para a Paz) durante o mês de maio, com as quais tenta ser admitido, manifestou sua intenção de “colaborar” com o governo, contribuindo com novas revelações e colaboração para encontrar valas comuns no Catatumbo e na fronteira com a Venezuela. Além disso, seus advogados vêm negociando com o Comissariado da Paz benefícios para ele, frente à perspectiva de seu retorno ao país, depois de cumprir pena nos Estados Unidos.
Para a burguesia opositora de Petro, o anúncio caiu muito mal. Desde Duque, Lafaurie até Uribe, junto com os grandes jornais e a mídia dos oligopólios, todos adulteram Mancuso, tratando-o como um simples mentiroso e ressentido que busca vingar-se de Uribe e seu governo por tê-los extraditado em 2008. Enquanto Lafaurie diz que Mancuso elaborou um “carrossel de versões” e se preocupa que empresários e militares sejam novamente questionados, Duque rejeita de antemão qualquer referência de relação de Uribe com os paramilitares. O próprio Uribe foi dos primeiros a reagir, ao advertir “(…) Estou esperando as provas da calúnia de Mancuso. Que o Pte o nomeie gestor da paz não importa, o grave é que minta e que haja discriminação”, não fez mais do que delatar-se a si próprio.
Para a burguesia colombiana, Mancuso não é mais do que um traidor, e o desprezo com que o tratam é próprio desta condição, mas não se trata de qualquer traidor. Mancuso passou de passear pelas redações do El Tiempo e outras mídias, ou levado triunfalmente ao recinto do Congresso para legitimar seus crimes em 2004 por aqueles que hoje o repudiam. Pelo risco de que conte a verdade foi extraditado aos Estados Unidos, mas ainda assim, veio soltando fragmentos de verdade, sempre em troca de benefícios. Agora, com suas declarações perante a JEP busca se salvar do destino de cair nas mãos de seus velhos amos. O que o ex chefe paramilitar conta não é por arrependimento sincero, mas buscando os benefícios da JEP. Assim enfatiza o que para muitos, durante anos, conhecemos como verdade: seu papel de dobradiça entre os paramilitares, o Estado e os empresários.
Como empresário e comandante paramilitar não apenas tinha acesso irrestrito aos batalhões, como percorreu todos os clubes da elite de cada cidade. Burgueses como Pacho Santos e outros, fizeram antessala para solicitar seus serviços e criar estruturas paramilitares em todo o país. Empresários de multinacionais e empresas de envergadura nacional recorreram aos seus serviços para tirar de cima dirigentes e ativistas sindicais que dificultavam a exploração do trabalho. Mancuso sabe de cada um dos nomes de seus chefes e de todas as empresas que recorreram aos seus serviços para silenciar os sindicatos. Uribe o sabe, e Petro também.
Para Petro, Salvatore Mancuso é uma carta valiosa na briga com a burguesia opositora. Ao possuir a carta da verdade incômoda, o paramilitar se converte em uma arma política para pressionar o apoio, ou pelo menos, para que deixem passar as reformas no Congresso. É uma carta com dois lados, por um lado, está o Acordo Nacional e por outro, a verdade de Mancuso. Por isso, Petro o coloca para cantar.
A face do Acordo Nacional se apresenta como o diálogo e a retórica altruísta de um mundo mais equitativo, de uma “sociedade mais justa”. O governo tratou de limpar o caminho, depondo suas ministras incômodas, tentando reunir novamente as maiorias parlamentares necessárias para passar suas reformas. Mas, Petro sabe que a burguesia colombiana é dura de convencer sobre as vantagens do reformismo. Por isso, tem Mancuso como alternativa. Se não cederem nas reformas, terão que ceder ante a verdade do paramilitarismo.
No início de seu governo, Petro era consciente de que ao não levar adiante reformas durante o primeiro ano, a explosão social da Paralisação Nacional não poderia ser contida por mais tempo, e as exigências de mudança voltariam às ruas. Para desmontar as lutas, as reformas teriam que ser suficientemente atrativas, que apareceriam como resposta às reivindicações das massas historicamente exploradas e oprimidas; mas ao mesmo tempo, que não fossem tão profundas que questionassem as condições de exploração e apropriação dos lucros da burguesia e espantassem o capital estrangeiro.
A balança se inclina para a direita
Este equilíbrio impossível vem sendo resolvido inclinando a balança para a burguesia, que com sua mesquinhez, se opôs com unhas e dentes a qualquer reforma que modifique seu modelo de acumulação imposto a sangue e fogo durante décadas. Assim conseguiram frear e torpedear os projetos de reforma, apesar de garantirem o negócio privado e terem o aval do imperialismo, deixando passar a contrarreforma da previdência que fortalece as AFP (Administradoras dos Fundos de Pensão). Mas essa mesquinhez de impedir reformas é mais fogo sob a panela de pressão que Petro tenta apaziguar. Por isso, e já com a experiência de um ano de governo de coalizão com setores burgueses, sobe as apostas do jogo.
Mas que incomode a burguesia e Uribe, não é justificativa suficiente para nomear Mancuso como gestor da paz. O fato de que agora tente se apresentar como arrependido, disposto a dizer parte da verdade ou de adotar uma linguagem “politicamente correta” não encobre o horror do qual ele é o responsável direto. Para as vítimas da violência e do terror paramilitar, para os familiares de milhares de desaparecidos, de assassinados com a maior sevícia e crueldade, os crimes e torturas atrozes, violência sexual, que um de seus principais verdugos seja apresentado como um gestor da paz, é uma verdadeira afronta, uma revitimização.
A política da Paz Total, centrada na negociação e no oferecimento indiscriminado de benefícios a todos os que exercem violência política contra a população, não trará a verdadeira paz para aqueles que durante décadas tiveram que sofrê-la. Os fracassos das negociações de paz desde a entrega das guerrilhas liberais de Guadalupe Salcedo nos anos cinquenta até os acordos de La Habana em 2016, mostram que não haverá paz na Colômbia sem devolver e distribuir a terra de quem foi arrebatada; sem restituir os direitos trabalhistas arrebatados durante os anos 90 e sem acabar com o regime repressivo e antidemocrático que perdura até hoje.
Todos nós conhecemos a letra da canção
Mancuso sabe o que todo mundo sabe. Que todos os caminhos do paramilitarismo chegam a Álvaro Uribe Vélez. Seu julgamento e punição é uma demanda das vítimas e da história. Mas a relação da burguesia com o paramilitarismo não termina com Uribe. São os empresários, latifundiários e multinacionais que diretamente ou de conjunto se beneficiaram com a violência paramilitar e devem pagar pelos seus crimes históricos contra a classe operária, o campesinato, os indígenas, o movimento estudantil e todas as vítimas de décadas de violência política.
A verdade de Mancuso faz parte da verdade histórica do sangrento domínio burguês na história da Colômbia. Os diferentes regimes políticos sob os quais a burguesia governou até hoje, usaram exércitos privados para fazer o que o exército e a polícia não puderam fazer abertamente. A tortura, os massacres, os assassinatos seletivos e os desaparecimentos forçados são métodos históricos que a burguesia usou através dos aparatos armados legais e ilegais, dos quais o paramilitarismo dos anos oitenta são só sua expressão. O regime político surgido da Constituição de 91 não foi mais que a cobertura do Estado Social de Direito, para um regime que, durante os últimos 40 anos, se apoiou na instituição do paramilitarismo para exercer sua dominação e esmagar a resistência à exploração e opressão.
Crimes históricos como os da Colômbia foram enfrentados no mundo e verdadeiramente julgados quando a justiça das vítimas, a justiça popular teve a força para fazer justiça. Os julgamentos das ditaduras, a destruição do Apartheid na África do Sul, ocorreram sobre a base do triunfo, às vezes revolucionário, das vítimas. Mas na Colômbia o desejo legítimo de paz, justiça e reparação para as vítimas vem acontecendo de cima, com pactos entre os perpetradores.
O paramilitarismo é mais uma das instituições do regime político colombiano, de caráter bonapartista que, coberto sob os farrapos da democracia burguesa, deve cair. E só cairá quando nós os de baixo o derrubarmos, tomarmos o destino em nossas próprias mãos, não nas mãos de governos reformistas sem reformas, mas mediante uma revolução socialista sob a democracia operária, com um verdadeiro governo operário e popular.
Comitê Executivo PST
1 de agosto de 2023
Tradução: Lílian Enck