sáb set 07, 2024
sábado, setembro 7, 2024

Estado espanhol após 23-J: Fim do ciclo e caminho para a restituição do bipartidarismo

Por fim, o temor de que o Vox entrasse no governo, somado às mentiras do bloco da direita ou às inexplicadas relações de Feijoó com o traficante Marcial Dorado, serviram para evitar a vitória confortável do PP que todas as pesquisas eleitorais davam como certa. Se até meados da campanha ninguém duvidava que Feijoo venceria as eleições, à medida que avançava, parecia cada vez menos certo que o faria com a maioria de que necessitava.

Por: Corriente Roja

Seus pactos com o Vox na formação dos governos municipais e regionais após o 28M, têm sido decisivos para a mobilização à esquerda nessas eleições gerais de alguns setores indecisos e de outros que nem pensaram em ir votar nesta democracia para os ricos. Isso incentivou a participação, que subiu quase 3 pontos em relação à geral de novembro de 2019, que ficou em 69,07%.

Quanto ao Vox, que, a par do seu habitual discurso de ódio, apresentou um programa que incluía medidas como a revogação da lei do aborto ou a anulação das comunidades autónomas, sofreu uma quebra significativa face às últimas eleições gerais, passando de 52 para 33 deputados.

Vitória amarga do PP que não serve para governar

Mesmo assim, neste 23J o PP (Partido Popular) venceu as eleições começando a recuperar o voto da direita estatal, devido ao desaparecimento de Ciudadanos e tirando votos do VOX. Mas resultou numa vitória insuficiente e muito amarga que, com 47 cadeiras a mais que em 2019 e 300 mil votos a mais que o PSOE, obteve um resultado longe do esperado. Um resultado que afasta quase qualquer possibilidade de governo, embora já tenha anunciado que quer ir à investidura para tentar. Para isso, apelará ao facto de serem a lista mais votada, resultado das eleições municipais do 28M e de terem conseguido uma maioria absoluta e confortável no Senado.

PSOE e SUMAR, por sua vez, realizaram uma campanha na qual, exceto por alguns momentos e em medidas pontuais, Yolanda Díaz e Sánchez mal se diferenciaram e fizeram um tandem em sua convocação para um voto útil, com o objetivo de repetir um governo de coalizão progressista ainda mais moderado. Um bloco progressista que se concentrou em defender as medidas do governo anterior, além de fazer algumas promessas vagas para o futuro.

Embora PSOE e Sumar tenham agora mais facilidade de governar do que o PP, também não é tão fácil, pois precisam do apoio dos sócios da investidura de 2019, além da abstenção dos Junts. Por isso não podemos descartar a possibilidade de uma repetição eleitoral, como já aconteceu em 2019.

Para além das negociações de ambas as partes para tentar formar um governo, os resultados eleitorais também mostram que o bipartidarismo foi reavivado.

Os partidos pró-independência com resultados desiguais

Enquanto em Euskadi o EH-Bildu (Reunir País Basco) luta pela hegemonia com o PNV (Partido Nacionalista Vasco) e o PSOE, com uma participação que sobe mais de um ponto, na Catalunha o PSC (Partido dos Socialistas da Catalunha) é o claro vencedor nestas eleições, enquanto os partidos pró-independência recuam à direita e à esquerda, sendo punidos pelo retorno à autonomia, pelo abandono dos retaliados e pela traição da luta pelo direito à autodeterminação. Junts, (Juntos pela Catalunha) apesar de ser chave para a investidura, perdeu 1 cadeira e mais de 100.000 votos. A ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) deixa praticamente metade dos votos e a CUP (Candidatura de Unidade Popular) fica sem representação no Congresso, perdendo quase dois terços dos votos, algo que deixa a esquerda pró-independência numa crise bastante significativa face às eleições da Generalitat. Na Galiza, a participação sobe acima da média do resto do Estado, mais de 17 pontos em relação ao ano anterior e mantém-se o BNG (Bloco Nacionalista Galego), com um ligeiro aumento de votos.

Não se combate a extrema direita nas urnas, nem com políticas a favor do capital

Embora entendamos o alívio de um setor da classe trabalhadora e da juventude pelo resultado eleitoral, é preciso pontuar que as causas sociais e políticas do fortalecimento do ideário de extrema-direita não vão desaparecer na próxima legislatura.

Depositar um voto nas urnas de quatro em quatro anos no quadro de um sistema eleitoral também antidemocrático, porque não reconhece o princípio elementar de “uma pessoa, um voto”, não é suficiente para acabar com as condições sociais que permitem o reforço da direita e a extrema direita.

A chamada esquerda progressista tem uma responsabilidade importante no avanço da direita nestes anos. Um avanço que não é prova de uma guinada espontânea da maioria social para a direita, pelo contrário, o que o PSOE e seus parceiros chamam de “onda reacionária” nada mais é do que uma expressão da polarização social e do descontentamento com o governo, produto do aprofundamento da crise socioeconômica e ambiental do capitalismo, para a qual as forças “progressistas” são incapazes de dar respostas.

Vivemos a estabilização do regime monárquico que começou a balançar com o 15-M e o movimento independentista catalão e que culminou com a integração do Podemos no governo e a canalização do movimento independentista para a autonomismo da ERC e d Junts.

Corriente Roja não nos cansamos de denunciar nestes mais de três anos, o crescente abismo entre o relato progressista do PSOE e UP no governo e a dura realidade. Além de algumas migalhas e medidas cosméticas, este governo não acabou com a miséria e a desigualdade ou o desmantelamento do público.

Começou prometendo que revogaria a Reforma Trabalhista de Rajoy e acabou mantendo seus aspectos mais danosos. Sua Lei de Habitação não reconhece isso como um direito básico e não propõe a expropriação de casas vazias nas mãos do Sareb e dos Bancos para a criação de um parque público de habitação de aluguel social.

A sua Reforma da Previdência aumenta o número de anos de contribuição para poder ter direito a 100% da aposentadoria enquanto, em 2022, seis em cada dez aposentadorias eram inferiores a 1.000€. O governo de coligação nunca questionou a Lei 15/97, que abriu as portas à privatização e ao desmantelamento da Saúde Pública. Em 2022, os lucros das empresas cresceram 7 vezes mais que os salários.

Também não serviu para alcançar maiores liberdades democráticas. Não revogou a Lei da Mordaça, continuou com os regressos forçados e com a repressão brutal de qualquer tentativa de conseguir o direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas nesta prisão de povos que é o Estado espanhol, preservando assim um regime que mantém a parte essencial das estruturas judiciais e militares franquistas. Dessa forma a esquerda parlamentar combate a reação em palavras, mas em atos, com sua permanente traição aos interesses dos trabalhadores do Estado espanhol, acabou estendendo o tapete vermelho para as instituições.

Sumar ou o capitalismo “com cores” em que vive Yolanda Díaz

Já a SUMAR, que se classifica como a quarta força mais votada e perde sete cadeiras em relação às obtidas pelo Podemos-IU, Más País e Compromís juntos nas eleições gerais de 2019, a maioria das medidas de seu programa não vão para além de serem propostas, sugestões ou desejos (“vamos promover”, “vamos impulsionar”…) sem qualquer especificidade ou compromisso explícito por parte de quem os assina. Já vimos como os partidos neste espaço político quebraram suas promessas legislatura após legislatura quando governaram ou co-governaram.

As poucas medidas redistributivas de seu programa, como melhorar o SMI (Salário Mínimo Interprofissional), aprovar um bônus de emergência para casas hipotecadas a taxa variável ou uma cesta básica a preços acessíveis, não são suficientes para enfrentar a situação social existente; é como tratar uma doença grave com aspirina. Nada mudarão nas bases materiais sobre as quais se sustentam a exploração e a opressão sofridas pela maioria social neste sistema econômico injusto.

Ao invés de políticas para tirar os serviços públicos das garras do mercado, que se move sob a lógica do benefício privado e não da garantia de direitos, e medidas para garantir o acesso universal dos jovens à educação, saúde ou moradia pública e digna, Sumar propõe uma “herança universal de 20.000 euros” seguindo a mesma lógica do PSOE de colocar dinheiro público em mãos privadas.

O mesmo pode ser dito de suas propostas de colaboração entre o público e o privado em vista da implementação da transição energética dentro de um capitalismo verde que está se revelando uma verdadeira fraude. Uma transição ecológica que não é assim e que não tem outro objetivo senão regar os oligopólios com o dinheiro dos fundos europeus, que depois terá de ser devolvido. Algumas das medidas da SUMAR para uma transição energética justa, embora sejam progressivas, sem contemplar a expropriação das multinacionais energéticas, tornam-se pura quimera.

Já vimos nestes anos do governo mais progressista da história onde nos leva condicionar a redução da jornada de trabalho, a distribuição de tarefas de cuidado (que continuam a recair principalmente sobre as mulheres) ou o aumento salarial ao banal diálogo social que Yolanda Díaz ostenta. Falar em “democratizar as empresas e introduzir mecanismos para maior participação das pessoas que nelas trabalham” levando a ignorar o conflito capital-trabalho é simplesmente uma piada.

Não é possível regular ou controlar a ação do mercado, muito menos mudar o atual modelo produtivo e econômico, reformando o atual capitalismo monopolista em crise e decomposição, que no programa SUMAR é tingido de rosa e idealizado. A eterna promessa do reformismo de chegar a partir das instituições a um capitalismo justo e com rosto mais humano não passa de uma utopia reacionária. Ao mesmo tempo, não encontramos no referido programa uma única palavra de crítica ao aumento dos gastos militares, o que não é questionado.

Também não se questiona este regime corrupto e antidemocrático e as suas instituições herdadas do franquismo. E assim se renuncia ao direito de autodeterminação nacional dos povos e ao referendo entre a República ou a Monarquia. Sua solução para o fim do conflito catalão, proposta pelo PSOE, nos remete ao impasse do diálogo no marco constitucional.

Da mesma forma, apelar para mudar as regras do jogo na UE como proposto no programa só serve para confundir e enganar sobre a natureza da UE como uma máquina de guerra do capital contra a classe trabalhadora e os povos. De fato, a UE vem anunciando o retorno às regras fiscais com as quais tanto Sánchez quanto Yolanda Díaz já se comprometeram, o que só pode significar novos cortes nos gastos sociais.

Por um programa de independência de classe e ruptura com o regime

Por nossa parte, neste 23J chamamos ao voto nulo como forma de protesto e denúncia contra o Regime de 78 e todos os que continuam a tentar perpetuá-lo a todo o custo, até embelezando-o. Temos feito isso colocando o foco na organização, luta e mobilização da classe trabalhadora como única forma de acabar com a pobreza, a precariedade e a violência neste sistema econômico.

Como única forma de enfrentar o avanço do discurso reacionário da direita e da ultradireita em nossos bairros, locais de trabalho e estudos, e também como única forma de erradicar todos os governos capitalistas, chamem como chamem, os direitos democráticos que esse regime corrupto e herdeiro do franquismo nos nega.

Aconteça o que acontecer nas negociações para a formação do governo e após a ressaca da embriaguez eleitoral, convocamos a classe trabalhadora, a juventude e os setores oprimidos a não baixarem a guarda. Governe quem governar, o próximo governo terá como primeira tarefa cumprir o mandato da UE de ajustar-se ao déficit de 3% e pagar a dívida pública à custa da despesa social. Algo que Sánchez e Yolanda Díaz já se comprometeram.

É preciso organizar e mobilizar desde hoje para lutar por um verdadeiro programa de mudança social e democrático, rumo à superação do regime capitalista de 1978. Um programa que mude também os fundamentos econômicos desse sistema econômico injusto que ameaça a existência humana. e a vida no planeta. Um programa de verdadeira mudança e ruptura que abra caminho para um governo dos e das trabalhadores/as. O único que pode mudar as bases deste sistema que nos esmaga e nos conduzir a um futuro socialista.

Para defender tal programa, precisamos criar um partido revolucionário que não aspire administrar o sistema capitalista a partir das instituições, mas sim derrubá-lo de fora. Venha se organizar conosco!

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares