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sexta-feira, outubro 11, 2024

Primeiras conclusões sobre o motim do Grupo Wagner na Rússia

Os acontecimentos do final de semana ao redor do motim dos mercenários do Grupo Wagner, dirigido pelo “empresário” Evgeniy Prigozhin, contra o Alto Comando das Forças Armadas russas, possuem grande significado. Obviamente, as informações ainda são esparsas e não podemos verificar sua autenticidade, mas acreditamos que algumas conclusões já são possíveis.

Por: Diego Russo

As derrotas sofridas por Putin desde o início de sua guerra criminosa contra a Ucrânia o obrigaram a apelar a seu protegido Prigozhin, dono de um exército privado com grande experiência militar em países da África, Síria e Ucrânia, sempre defendendo as ditaduras aliadas de Putin. O Grupo Wagner de Prigozhin se tornou então a ponta de lança da ofensiva de inverno russa na guerra, usando para isso milhares de prisioneiros convocados em troca de perdão por seus crimes, e usados em grande escala como carne de canhão. A única vitória da ofensiva de inverno russa foi conquistada justamente pelo Grupo Wagner, na cidade de Bakhmut. A tática do Wagner para vencer o combate se resumia ao uso massivo de artilharia, em quantidades muito superiores àquela disponível para uso pelas tropas regulares, e envio para a linha de frente de soldados recém-mobilizados e presidiários como bucha de canhão. Atrás destes, que morriam aos milhares, avançavam então os mercenários do Wagner, assumindo os louros das vitórias. O Alto Comando do Exército Russo vinha muito descontente com essa situação, obviamente humilhante para eles.

Prigozhin, apoiado em suas vitórias militares (vitórias pequenas, mas que comparadas ao fracasso das tropas regulares russas, chamavam a atenção), vinha num enfrentamento verbal com o Alto Comando das Forças Armadas russas. Denunciou o Alto Comando por incompetência, corrupção e boicote ao Grupo Wagner. Exigia mais armas e munição para a guerra contra a Ucrânia, exigia mobilização geral, declaração de guerra aberta (até agora a Rússia não considera a guerra contra a Ucrânia uma guerra, mas tão-somente uma “operação militar especial”) e instauração de uma economia de guerra, com estatização de setores estratégicos. Em uma palavra, exigia guerra total. Putin até então vinha mediando o conflito entre as partes.

Esta campanha de denúncias fez aumentar dentro da Rússia a popularidade de Prigozhin, que inclusive realizou recentemente um tour de palestras pelas maiores cidades russas. Especulava-se se Prigozhin não estaria se preparando para uma carreira política, como um candidato da ala mais à direita dentro do regime. Macron chegou a dizer, há algumas semanas, que não era de seu interesse tirar Putin do poder, pois em seu lugar viria Prigozhin.

A situação deu um salto há duas semanas, quando o Alto Comando exigiu a subordinação do Grupo Wagner e de Prigozhin, através da assinatura de um contrato com as Forças Armadas. Prigozhin não aceitou, e manteve as acusações contra o Alto Comando, em especial contra o Ministro da Defesa, Serguey Shoygu, e o Chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, pedindo a cabeça dos dois, chamando-os de incompetentes, corruptos e assassinos de jovens e crianças, em discursos sempre carregados de palavrões e pesados insultos.

Putin, ao final, apesar de descontente com Shoygu pelos rumos da campanha militar na Ucrânia, inclinou-se para seu lado, confirmando a necessidade de o Grupo Wagner subordinar-se. Prigozhin viu assim o risco de perder toda a sua máquina de guerra, seu exército particular, e seus lucrativos negócios sujos nos conflitos armados pela África e Síria. E inclusive um risco sério de vida, ao perder sua única defesa, seu exército particular.

Na 6ª feira, 23 de junho, Prigozhin lançou um vídeo-bomba na internet, dizendo que o Alto Comando russo havia bombardeado um acampamento do Grupo Wagner, causando dezenas de mortes. Disse que o ataque não ficaria sem resposta e que ele, acompanhado por 25 mil homens armados, se dirigiria a Moscou na “Marcha pela Justiça”, exigir as cabeças de Shoygu e Gerasimov. Denunciou que a guerra contra a Ucrânia foi iniciada baseada em uma mentira, pois a Ucrânia e a OTAN nunca haviam ameaçado com um ataque contra a Rússia, e que toda a guerra foi um negócio sujo de Shoygu e Gerasimov, que tinham interesses particulares na guerra, usando-a como um meio de enriquecerem assumindo negócios na região, e com muita corrupção, graças aos volumosos fundos destinados às Forças Armadas e desviados durante a guerra. Que ambos haviam mentido ao povo e ao Presidente Putin. Disse ainda que a Ucrânia estava avançando em todas as frentes de batalha em sua contraofensiva e recuperando territórios.

A partir deste vídeo, as coisas se desenvolveram com velocidade estonteante. Em poucas horas, a coluna da Marcha pela Justiça tomou a região de Rostov, o QG do Distrito Militar do Sul, localizado na região e que responde pela ocupação da Ucrânia, tomou o aeroporto local, passou pelas regiões de Voronezh e Lipetzk, chegando a pouco mais de 200km de Moscou, sem praticamente nenhuma resistência! No caminho, abateu um avião, 6 helicópteros, e matou 20 militares. Vídeos mostram moradores locais com Prigozhin na Rostov tomada, fazendo selfies e sorridentes. Outros vídeos mostram insatisfação de moradores locais com o motim. E outros mostram moradores fugindo da cidade.

A prefeitura de Moscou declarou regime de “operação antiterrorista” na capital (as regiões da Grande Moscou e de Voronej fizeram o mesmo), restringindo movimentação e eventos, e colocando as forças de segurança em alerta. A Praça Vermelha foi fechada. Declarou-se feriado em Moscou nesta 2ª feira, 26/06. Foram abertas valas com retroescavadeiras na estrada M4, que liga Rostov a Moscou, na altura de Lipetzk, para frear o avanço da coluna de Prigozhin. As tropas de Kadyrov foram enviadas a Rostov para enfrentar os mercenários do Grupo Wagner, com ordens pessoais de Kadyrov de abater todos os membros do Grupo Wagner que encontrassem.

O motim foi chamado de marcha, levante armado, golpe de estado e até mesmo de revolução. Diferentes analistas compararam a marcha de Progozhin com a do General Kornilov em 1917 e, pasmem, até mesmo com a revolução russa, comparando Prigozhin a Lenin!

As instituições do regime começaram a fazer declarações de apoio a Putin, como a FSB (a poderosa polícia política, herdeira da KGB), governadores, polícia, Igreja Ortodoxa, pedindo a Prigozhin que interrompesse sua marcha e iniciasse uma negociação. Durante todo este período, Putin, Shoygu e Gerasimov não deram sinal de vida. Ficaram em silêncio. Inclusive o avião presidencial de Putin decolou de Moscou em direção a Tver, tendo sido o voo mais acompanhado pelo FlightRadar24, com 48 mil seguidores. O Kremlin afirma que Putin não deixou Moscou. Depois soube-se que os dois aviões presidenciais deixaram Moscou em direção a Tver.

As declarações de apoio chegaram ao ridículo de escolas primárias e museus de arte publicarem declarações do tipo “nestes tempos difíceis, estamos com nosso presidente”. Os outdoors do Grupo Wagner, espalhados por toda a Moscou, mostrando os mercenários como heróis, foram rapidamente retirados no meio do sábado pelo governo. Assim como grandes lojas, físicas e online, no mesmo sábado, retiraram das vitrines e catálogos roupas e outros objetos com a simbologia do Grupo Wagner.

Quando Putin finalmente veio a público fazer uma declaração em cadeia nacional, acusou (sem citar o nome de Prigozhin) de traição à pátria, de facada pelas costas, de fazer o jogo do inimigo, de tentativa de golpe de estado, e que as medidas mais duras seriam tomadas contra o motim. Prigozhin respondeu que “O presidente está profundamente enganado. Ninguém vai se entregar a pedido dele”. A FSB e a Promotoria abriram um processo penal contra Prigozhin por traição à pátria e organização de motim armado, com pena de 20 anos de prisão. Houve ordem do Kremlin para eliminar fisicamente a Prigozhin em seu caminho a Moscou. O choque militar entre Progozhin e as FFAA parecia inevitável.

Mas pouco depois, Prigozhin anunciou seu recuo. Declarou que estava retornando a Rostov, depois de uma negociação mediada por Alexandr Lukashenko, o ditador da Belarus, a pedido de Putin. Foi garantida a segurança de Prigozhin, e que ele se encaminharia à Belarus. Os mercenários do Grupo Wagner não seriam processados nem julgados, e caso desejem, podem se juntar às Forças Armadas da Rússia.

O motim terminou da mesma forma inesperada como se iniciou. As valas abertas na estrada M4 já foram fechadas, o feriado em Moscou nesta 2ª feira segue mantido, o regime de “operação antiterrorista” foi revogado. As lojas voltaram a colocar camisetas do Grupo Wagner à venda. Os meios de comunicação oficiais falam em absoluta normalidade da situação. E os aviões presidenciais retornaram a Moscou…

Quais são as conclusões que podemos tirar de todo esse processo?

Em primeiro lugar, que o motim de Prigozhin foi exatamente isso, um motim. Não foi uma tentativa de golpe de estado, pois nunca se propôs a derrubar o governo. Pelo contrário, Prigozhin poupava Putin em suas declarações, atacando somente o Alto Comando. Possivelmente tentasse convencer Putin a uma reorganização do Alto Comando, afastando a Shoigu e Gerasimov. E como Putin, depois de um longo silêncio, se inclinou por Shoygu, quando já não era possível a Prigozhin recuar, precipitou-se a crise. Chantagens deste tipo da parte de Prigozhin já haviam acontecido antes, por exemplo quando ameaçou abandonar o campo de batalha em Bakhmut, no meio da batalha decisiva e nas vésperas da comemoração do Dia da Vitória, em 9 de maio, caso Shoygu e Gerasimov não lhe enviassem o armamento pedido, na quantidade pedida. De início, os dois se recusaram, dizendo que era perigoso tanto armamento nas mãos de Prigozhin, e que o resto das tropas também necessitava de armamentos. Putin interveio diretamente, com ordem de enviar tudo o que Prigozhin havia pedido. Talvez desta vez Prigozhin tenha preparado uma chantagem análoga, mas que saiu do controle, ao Putin não aceitá-la.

Não foi tampouco um levante popular e nem muito menos uma revolução, por uma razão fundamental. Não houve participação ativa das massas no processo, nem em apoio ao governo, nem em apoio a Prigozhin. Foi uma ação restrita ao Grupo Wagner. As massas na Rússia seguiram passivas. Por isso, qualquer comparação com 1917 é errada. Com Lenin então, totalmente absurda. Mas isso não significa que as massas aí não cumpriram nenhum papel. Se foi possível uma ação como essa de Prigozhin, é resultado do profundo descontentamento nas massas e nas bases das Forças Armadas com a guerra. É revelador o fato de que Prigozhin não organizou o seu motim em base a suas exigências tradicionais, tipo “mais armamento”, “declarar guerra total”, “mobilização geral da população”, o que teria sido bastante impopular. Ao contrário, Prigozhin angariou simpatia ao denunciar o Alto Comando como preguiçoso, incompetente, corrupto, que não se importa com as vidas dos soldados. Denunciou a guerra como sem sentido, já que a Ucrânia e a OTAN não haviam ameaçado a Rússia. Exigiu a cabeça de Shoygu e Gerasimov. Não há como estas denúncias não calarem fundo na consciência das pessoas, e em especial dos soldados. É muito possível que uma parte da população, e talvez do próprio regime e da oligarquia, tenha visto a Prigozhin, por mais contraditório que pareça, como um possível vetor para o fim da guerra. Não é um acaso que o oligarca, opositor liberal e exilado Mikhail Khodorkovski tenha declarado apoio a Prigozhin.

Em segundo lugar, o motim escancarou não só o descontentamento por baixo da sociedade russa, mas em sua cúpula também. Revelou a profunda divisão existente dentro do regime de Putin, do qual Prigozhin e seu Grupo Wagner são parte integrante. A linha divisória entre as instituições nos permite tirar várias conclusões.

O Alto Comando das Forças Armadas não se dividiu. Inclusive o comandante mais próximo a Prigozhin, o General Surovikin, chamou Prigozhin a interromper sua marcha e aceitar a autoridade de Putin. Mas há muitos relatos de que, nas bases das Forças Armadas, as coisas são muito diferentes e que há muito apoio a Prigozhin. O fato de a marcha ter sido interrompida não possibilitou conferir na prática essa divisão, mas o nervosismo do Alto Comando demonstra a seriedade da situação. Além disso, Prigozhin tomou, sem nenhuma resistência e sem disparar nenhum tiro, o QG do Distrito Militar do Sul, a quem cabe a direção operacional da guerra contra a Ucrânia. De lá gravou vídeos ao país inteiro, mostrando como o QG funcionava normalmente sob seu controle, denunciando que o número de vítimas russas era 4 vezes maior que o anunciado, e que o número de vítimas ucranianas era 10 vezes menor do que dizia a televisão russa. Manteve no local conversações presenciais com o Tenente-General do Exército, Vladimir Alexeyev, e com o Vice-ministro da Defesa da Rússia, Yunus-Bek Evkurov. Ao passar por Voronezh, Prigozhin declarou também ter tomado sem resistência todas as instalações militares chaves da região. Segundo Prigozhin, pilotos teriam se negado a bombardear a sua “Marcha pela Justiça”. Shoygu e Gerasimov, de quem Prigozhin pediu as cabeças, não deram absolutamente nenhuma declaração sobre todo o acontecido até o momento que terminamos este texto. Entraram mudos na crise e saíram calados. Não se sabe sequer onde se encontram. Tudo isso é acompanhado em tempo real pelo Telegram pelos soldados russos nas trincheiras.

Apesar de os governadores terem declarado apoio ao poder estabelecido, à ordem constitucional e ao presidente Putin, nenhum deles dirigiu nenhuma crítica a Prigozhin, muito menos o chamou de traidor, bandido ou quinta coluna. O governador de Sebastopol, na Crimeia, se limitou a dizer que não possuía informações suficientes para fazer algum juízo. Os governadores de Rostov, Voronezh e Lipetzk, por onde passou a coluna de Prigozhin, declararam formalmente apoio ao presidente, mas não apresentaram nenhuma resistência à passagem de Prigozhin, nem um tiro foi disparado. Deram declarações genéricas de que “tudo está sob controle” e pedindo que a população se mantivesse em casa, e que estariam prestando todos os serviços necessários, de saúde e abastecimento à população, para que a Marcha de Prigozhin não lhes causasse nenhum prejuízo.

Os oligarcas, a grande burguesia russa, mantiveram silêncio total. A única grande empresa a se pronunciar, a X5 Group, do oligarca Mikhail Fridman, 6º homem mais rico da Rússia e sancionado por EUA e UE, disse que estava garantindo o fornecimento de alimentos através de seus supermercados nas regiões de Rostov e de Voronezh, que a população não tinha com o que se preocupar.

No caso da FSB, a situação é confusa. Oficialmente, declarou apoio ao Presidente Putin e abriu processo criminal contra Prigozhin por motim armado. Depois, retirou o processo. Agora está dizendo que não foi retirado. A FSB realizou buscas no sábado pelos escritórios do Grupo Wagner pelo país, e mostrou pela TV que havia localizado caixas de papelão no escritório central do Wagner com milhões de rublos em dinheiro vivo, além de barras de ouro. Mas nesta 2ª feira, os escritórios do Grupo Wagner foram autorizados a reabrirem. O presidente da FSB e secretário do Conselho de Segurança do País, Nikolai Patrushev, depois de Putin declarar que o motim era uma traição à Pátria, foi negociar com Prigozhin e contatou Lukashenko para assumir a linha de frente da negociação. O serviço de segurança dos EUA afirmou saber com dois dias de antecedência que Prigozhin preparava um motim armado. E a todo-poderosa FSB não sabia de nada? E não informou Putin? É quase impossível acreditar nisso. Aliás, no dia do motim, Patrushev sequer estava na Rússia, estava no Cazaquistão. Segundo a BBC russa, no momento em que Prigozhin estava a apenas 400km de Moscou, suas fontes dentro da FSB disseram não haver ainda nenhum plano elaborado para deter o motim de Prigozhin.

Kadyrov, o comandante checheno, que geralmente se alinhava com Prigozhin contra Shoygu e Gerasimov, desta vez tomou claramente o lado do Alto Comando, enviando seus homens para deterem a marcha de Prigozhin.

A Igreja Ortodoxa declarou apoio a Putin.

A Procuradoria Geral abriu processo criminal contra Prigozhin, e depois voltou atrás, cancelando o processo. Nesta 2ª feira declarou que o processo não foi fechado, e que seguem as investigações.

Os meios de comunicação oficiais adotaram um tom incomum. Em linhas gerais, repetindo o que dizia o governo, mas chamando atenção para contradições, como o longo silêncio de Putin, ou de dar ordem de eliminar Prigozhin e logo depois chamar Lukashenko para construir um acordo, dando salvo-conduto a Prigozhin depois de acusa-lo de traição. Em alguns casos, pareciam mostrar o ridículo da posição de Putin.

Tudo isso aponta para uma divisão profunda no regime. Esta divisão perpassa todas as instituições, em especial as FFAA.

Em terceiro lugar, esta crise não está encerrada de forma alguma. Apesar de que ao final se conseguiu um acordo, sem um enfrentamento aberto entre forças militares, o acordo é muito frágil. A divisão nas instituições se mantém. Após o acordo, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitriy Medvedev, afirmou que o motim tinha o dedo de potências estrangeiras por trás. O presidente sérvio, Aleksandar Vučić, afirmou o mesmo. Se isso fosse verdade, como Putin concedeu salvo-conduto a Prigozhin e perdão a todos os membros do Grupo Wagner? No telejornal dominical de maior audiência (Vesti Nedeli), totalmente alinhado ao Kremlin, se afirmou “Putin disse há alguns anos que traição não se pode perdoar. E foi exatamente uma traição o que ocorreu agora. Em tempos de guerra, é um crime gravíssimo”. O outro telejornal dominical (Itogui Nedeli), afirmou que “O ocorrido foi uma verdadeira facada nas costas… Em tempos de guerra, motins são sempre trabalho de inteligência estrangeira… Foi uma traição”.

Já por outro lado, o Chefe do Comitê de Defesa da Duma de Estado, deputado Andrei Kartapolov, afirmou que os membros do Grupo Wagner “não fizeram nada de repreensível”, “não fizeram mal a ninguém nem destruíram nada”, que ninguém pode recrimina-los por nada, “nem os moradores de Rostov, nem os militares do Comando Sul, nem os órgãos de segurança”. E isso depois de o Grupo Wagner ter derrubado 7 aeronaves russas e matado 20 militares!!! Kartapalov disse ainda que não há nenhum motivo para proibir o Grupo Wagner, pois é o regimento mais bem preparado para combate da Rússia, e que dissolvê-lo seria um presente para a Ucrânia e a OTAN. E aí há um grave problema, que é qual força militar irá substituir o Grupo Wagner na guerra contra a Ucrânia. São, afinal, 30 mil combatentes a menos, exatamente os mais bem preparados. Essas fissuras não serão fáceis de soldar, ainda mais no marco de uma guerra muito difícil para Putin.

Como afirmamos acima, os serviços de inteligência americanos afirmaram saber com 2 dias de antecedência sobre o possível motim de Prigozhin. Dizem não haver alertado o governo russo, pois tinham uma posição de não tomar lado no conflito. Pela mesma razão, congelaram um novo pacote de sanções contra o Grupo Wagner, que deveria entrar em vigor esta semana, para não parecer, novamente, estar tomando um dos lados. Houve conversas entre os serviços de segurança das principais potências da OTAN, com a conclusão de que não seria desejável uma desestabilização ainda maior da Rússia, de forma que seu arsenal atômico caísse em mãos de senhores da guerra, como Prigozhin. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, afirmou estar preocupado com os acontecimentos na Rússia e convocou todos os lados envolvidos à responsabilidade, para evitar mais tensões. Esta postura cuidadosa do imperialismo chama a atenção, preocupado em primeiro lugar com uma crise grave do Governo Putin.

O governo ucraniano fez declarações no sentido de que toda a instabilidade dentro da Rússia era bem-vinda, e que Putin colhe o que plantou. Mas chama a atenção que nos dois dias de profunda instabilidade, a Ucrânia não aproveitou o momento para um golpe mais contundente no campo militar.

A China, apesar de declarações protocolares de apoio à ordem institucional na Rússia e ao Presidente Putin, publicou em sua imprensa que a sociedade russa estaria “ansiosa pelo fim da guerra”, e que o teste junto à população é crucial para Putin. Comentaristas chineses disseram que a guerra da Ucrânia é “um dos maiores obstáculos à normalização das relações da China com os países ocidentais”.

A confiança em Putin fica profundamente abalada. Todo o discurso oficial de que está vencendo a guerra e que está tudo sob controle de Putin, cai por terra. Ninguém acredita mais na conversa da “Grande Rússia que se está reerguendo”. Putin teve que retirar suas acusações contra Prigozhin. O que fará com os setores do regime que mostraram vacilação quanto ao motim de Prigozhin? Uma purga geral? E com os milhares de pessoas que publicaram nas redes mensagens de apoio a Prigozhin? Perseguir um por um? Ninguém investigará as 7 aeronaves russas derrubadas e os 20 militares russos mortos por Prigozhin?

O Alto Comando está profundamente questionado, e isso no meio de uma guerra! O baixo moral das tropas russas sofre um novo golpe. Se Putin mantém Shoygu e Gerasimov, que até agora não deram as caras, se aprofundará o questionamento. Se os substitui, estará dando uma vitória a Prigozhin. Lukashenko volta a ganhar alguma autoridade, depois de 2 anos abaixando a cabeça para o Kremlin. E passa agora a ter controle sobre o que Prigozhin diz ou faz. A China passa a ter dúvidas cada vez maiores acerca de seu “aliado”. E Prigozhin se tornou definitivamente a 2ª pessoa do país em popularidade, posição que já foi de Shoygu num passado recente.

Tudo isso reforça que a resistência ucraniana, mesmo com todas as dificuldades de enfrentar Forças Armadas mais poderosas, segue criando profundos obstáculos a Putin. Está colocada a possibilidade real de uma vitória ucraniana na guerra, enterrando o regime contrarrevolucionário de Putin e abrindo assim toda uma nova etapa na luta de classes em todos os países da antiga URSS e países do Oriente Médio!

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