Pós-modernismo, ideologia senil do reformismo
“Apesar de suas frases que, segundo eles, “sacodem o mundo”, os jovens ideólogos hegelianos são os maiores conservadores. Os mais jovens encontraram a expressão certa para a sua atividade, afirmando que só lutam contra “frases”. No entanto, esquecem-se de que a essas frases eles mesmos não opõem mais que frases, e que não lutam contra o mundo realmente existente quando combatem apenas contra as frases deste mundo.
K. Marx, F. Engels, A ideologia alemã (1846)
Por: Francesco Ricci
Descrever as posições do pós-modernismo é algo não muito pós-moderno.
Na verdade, trata-se de fazer uma generalização baseada no raciocínio racional, algo que os pós-modernistas rejeitam como resíduo do “Iluminismo”. Além disso, envolve uma tentativa de encontrar um fio condutor coerente e lógico em uma teoria que tem muito pouca lógica e coerência [1].
Outra complicação decorre do fato de que várias teorias e subteorias foram agrupadas sob o nome de “pós-modernismo”[2] (por outros, já que um pós-modernista digno desse nome nunca aceitará reconhecer-se em uma categoria “universal”) [3].
Por fim, o que dificulta nossa tentativa é a linguagem esotérica empregada pelos pós-modernistas.
A empreitada, portanto, assemelha-se à de alguém que tenta explicar os quatro dogmas marianos em termos racionais.
Dadas as premissas, poderia parecer mais sensato deixar o assunto nas mãos dos fiéis dessa religião secular. Exceto que, como acontece com outras religiões, mesmo quando se escolhe não se interessar por ela, são as religiões que se interessam por nós.
De fato, a filosofia pós-modernista, pelo menos desde o final dos anos setenta, tem servido de cobertura ideológica para uma parte substancial das políticas reformistas: embora, note-se que, o bom e velho determinismo não tenha saído totalmente do campo e continue a servir ao stalinismo antigo e novo, e até mesmo a um certo chamado “trotskismo”[4].
O ópio dos povos em uma nova fragrância
Se durante cem anos, desde o final do século XIX, o reformismo dos partidos social-democratas e stalinistas encontrou na deformação determinista do marxismo a “falsa consciência” com a qual enganar às massas exploradas e oprimidas, nos últimos cinquenta anos o neorreformismo descobriu no pós-modernismo uma ferramenta igualmente eficaz para o mesmo propósito.
Uma visão determinista, teleológica, em que o socialismo era apresentado como um horizonte “inevitável” e distante; um além , que correspondia, na expectativa, à aceitação do sistema capitalista e a uma política etapista nos países dependentes (primeiro o desenvolvimento capitalista, depois a etapa socialista) e reformas (ilusórias) nos países imperialistas em substituição a uma política revolucionária: esta foi a marca definitiva do reformismo de Bernstein a Togliatti e Berlinguer.
A partir das derrotas das lutas de massas dos anos 60 e 70 – traídas pelas direções – produziu-se um novo ópio nas universidades para anestesiar as massas. A produção desse ópio aumentou exponencialmente após o colapso do stalinismo, apresentado pela ideologia burguesa e reformista como uma “crise do marxismo”.
Por isso os revolucionários devem, mesmo com relutância, ocupar-se dessas teorias e demonstrar a função reacionária e contrarrevolucionária.
Se Engels, no último período de sua vida, teve que dedicar tempo para refutar os disparates dos deterministas que, distorcendo o marxismo que fingiam usar, reduziram a história a uma equação de primeiro grau, a leis de uma física newtoniana aplicada à sociedade, com um mecanismo premente de causa e efeito; hoje temos a ingrata tarefa de enfiar o nariz na nova fragrância (ou, se preferirem, cheiro) do indeterminismo pós-modernista, o mais recente ópio dos povos criado em laboratório pelos reformistas.
Uma farsa após a tragédia
Marx teve que escrever [5], parafraseando Hegel, que a história sempre se repete duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa. E essa sábia frase vem à mente quando se compara a tragédia dos cem anos do reformismo clássico com as teorias farsescas do reformismo de nossos anos.
Se o reformismo clássico, enraizado na classe trabalhadora, semeou ilusões sobre a reformabilidade do capitalismo podendo garantir algumas migalhas em uma fase de crescimento relativo do sistema, o reformismo atual, desprovido de raízes operárias, com as crises econômicas cada vez mais disruptivas, o planeta em processo de descarte, o surgimento de novas doenças garante, sim, a gestão de políticas antioperárias adoçadas com palavras espalhadas como açúcar de confeiteiro em um bolo. Foi o que o Podemos fez na Espanha, o Syriza na Grécia, a Rifondazione em Itália (com os dois governos Prodi). Só que agora, sem poder sequer prometer migalhas, precisa convencer os trabalhadores desempregados e os jovens de que terão que pagar pelo jantar, mas em troca não terão nada para comer porque os fornos estão vazios. Além disso, devem estar convencidos de que a comida e a fome são um erro e, em última análise, que não há jantar, mesa ou cadeiras.
Os intelectuais pós-modernistas conseguiram, é preciso admitir, uma empreitada nada fácil: elaborar uma teoria que convença os trabalhadores de que a exploração do trabalho assalariado não existe porque, na realidade, o trabalho desapareceu ou se tornou “imaterial” (na chamada época pós-fordista), que as classes e, portanto, os trabalhadores também desapareceram e que, portanto, não faz sentido estabelecer o objetivo de construir um partido da classe operária.
No entanto, essa mercadoria intelectual (que os patrões pagam bem) já era produzida antes do surgimento das teorias pós-modernas. O pós-modernismo trouxe algo mais: junto com o trabalho, os trabalhadores e a exploração, também fez desaparecer a própria realidade, que não existe ou não é cognoscível. Ou existe, mas apenas como construção de uma linguagem que precisa ser “desconstruída”.
Um truque verdadeiramente brilhante, porque se não há uma realidade objetiva, obviamente qualquer tentativa de compreendê-la e modificá-la é em vão. Aqui, o marxismo é seguido por um suposto “pós-marxismo”, na melhor das hipóteses, ou diretamente teorias que (considerando tudo são mais honestas) já nem sequer se referem ao marxismo de forma alguma, ou o evocam apenas para cuspi-lo e encher centenas de páginas de livros sobre o fim de tudo: o fim das classes, da luta de classes, da história, da realidade. A única coisa que parece não ter fim nunca, se podemos confessá-lo como leitores relutantes dessas coisas, são os livros desses teóricos, que são produzidos em um ciclo contínuo (e impressos pelos trabalhadores… desaparecidos). Livros e teorias para os quais, como já foi dito, é preciso se interessar em seguir o conhecido ditado “se os conhece, evite-os”. Então, vamos começar uma breve viagem ao fantástico mundo pós-modernista.
Os tataravós franceses dos pós-modernistas
De tempos em tempos, aqueles que se dedicam a examinar o pós-modernismo são tentados a ir em busca dos ancestrais dessas teorias. Assim, extrai-se um elemento desse grande “minestrone” (sopa, ndt.) e busca-se sua ancestralidade. Talvez ao fazê-lo se torne benevolente demais porque se encontra a matriz de certos absurdos completos em teóricos que, mesmo dentro de seus limites, se moveram em uma esfera muito mais elevada e por isso às vezes também deixaram coisas interessantes
Assim, por exemplo, pescando com uma concha a teoria gnosiológica que une a maioria dos pós-modernistas, uma possível referência foi encontrada em Nietzsche. Em particular na sua famosa declaração de factos e interpretações. A frase que costuma ser citada encontra-se nos Fragmentos Póstumos e na versão completa diz o seguinte: “Contra o positivismo, que se detém nos fenômenos: “só há fatos”, eu diria: não, realmente não há fatos, mas apenas interpretações. Não podemos averiguar nenhum fato “em si mesmo”; talvez seja um absurdo querer algo desse tipo. “Tudo é subjetivo”, dizes; mas isso já é uma interpretação, o “sujeito” não é nada dado, é apenas algo acrescentado com a imaginação, algo agregado depois. Será que é preciso, afinal, ainda colocar o intérprete por trás da interpretação? Isso já é uma invenção, uma hipótese. Na medida em que a palavra “conhecimento” tenha algum significado, o mundo é cognoscível; mas pode ser interpretado de diferentes maneiras, não tem um significado por trás, mas inúmeros sentidos. “Perspectivismo”[6].
Não sendo especialistas em Nietzsche, não entraremos no debate… sobre a interpretação desta frase. O certo é que um conceito como aqui expresso (ou pelo menos como parece à maioria) está na base do relativismo pós-modernista extremo.
Sempre em busca dos antepassados do pós-modernismo, outros trouxeram à tona os expoentes da escola de Frankfurt [7]. Consideramos um exagero, pois implica colocar autores que, apesar de tudo, tinham uma dignidade teórica, no mesmo patamar de simples charlatães.
Acreditamos que pesquisas que apontem para os filósofos franceses ditos “pós-estruturalistas”, Foucault, Derrida, Deleuze e outros, que elaboraram em particular a partir das décadas de 1960 e 1970, parecem mais apropriadas [8]. O ponto comum entre esses autores, apesar das diferenças entre eles, e os pós-modernistas é a rejeição de uma realidade objetivamente cognoscível.
Em particular, é em Foucault onde podemos encontrar a tese segundo a qual a linguagem não é um produto social, mas, ao contrário, constrói a realidade social. Derrida retoma e desenvolve o conceito, chegando a afirmar que “il n’ya pas de hors-texte”[9], ou seja, que nada existe fora do texto, que não é possível conhecer o real fora da linguagem. Ou seja, palavras e conceitos teriam o poder de determinar o mundo material. Ideias e palavras referem-se a outras ideias e palavras, trata-se de praticar a “desconstrução”.
Entretanto, em termos mais diretamente políticos, os verdadeiros pais do pós-modernismo são, sem dúvida, Jean-François Lyotard, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.
O ceticismo de Lyotard, filho do refluxo
O livro de Lyotard, A condição pós-moderna [10], saiu não por acaso em 1979, com o início do refluxo das lutas de massas dos anos sessenta e setenta.
Segundo Lyotard, teríamos entrado em uma nova época que substitui a modernidade: justamente a era pós-moderna e pós-industrial. O pós-moderno seria a descrença das chamadas “metanarrativas”, nome no qual se inclui o iluminismo e o marxismo, especialmente este último como “narrativa” da emancipação do proletariado por meio da revolução. Tratar-se-ia, então, de abandonar aquelas “metanarrativas” que buscavam interpretar a realidade como uma totalidade e que, ao fazê-lo, produziam uma “narrativa” fictícia.
Lyotard toma de Foucault a centralidade da linguagem e a tese segundo a qual a linguagem cria a realidade. A partir daí, ele argumenta que o poder não se materializa no Estado da burguesia, mas na produção de informação e linguagem. Em sua luta contra a “ditadura da realidade”, Lyotard vai além e questiona o próprio conceito de ciência. Por exemplo, a questão é: a teoria copernicana é verdadeira? Sua resposta (lamentável, considerando que ele escreveu essas coisas três séculos e meio após a morte de Galileu) é: “o que digo é verdade porque eu provo; mas quem prova que a minha prova é verdadeira?” [11].
Em outras palavras, a relatividade temporal de todo conhecimento científico é substituída pela relatividade absoluta, de modo que a própria ciência nada mais é do que uma “narrativa” entre outras.
A versão italiana dessas teorias será desenvolvida a partir do livro coletivo editado por Pier Aldo Rovatti e Gianni Vattimo, pais do chamado “pensamento débil”[12].
Pós-marxista ou antimarxista? Laclau e Mouffe
O argentino Ernesto Laclau, juntamente com a feminista belga Chantal Mouffe, extraem, dos delírios vistos até agora, as repercussões práticas e políticas que serão apropriadas pelos partidos reformistas, do Podemos ao Syriza, passando pela Refundación Comunista, como salvo-conduto para entrar nos governos burgueses.
O livro fundamental dos dois autores mencionados foi publicado em 1985 com o ambicioso título de Hegemonia e estratégia socialista [13].
Os dois se definem inicialmente como “pós-marxistas”, isto é, em sua opinião, superadores, mas também continuadores do melhor que escolheram cuidadosamente de um marxismo que rasgam e depois o misturam ecleticamente com elementos retirados da linguística, de Wittgenstein, do psicanalista Lacan, e acrescentando, antes de assar, algumas escamas de Gramsci. É por isso que há quem concorde em defini-los como “gramscianos”, exceto que é um Gramsci esterilizado e embalsamado, purificado de seu conteúdo revolucionário.
Depois de terem caricaturizado na primeira metade do livro a concepção materialista da história[14] e do marxismo, reduzindo-a à sua concepção economicista e positivista[15], social-democrata e stalinista, os “pós-marxistas” proclamam a morte (pela décima primeira vez, pelo menos no século XX apenas) da classe trabalhadora e se debruçam sobre “novos sujeitos” de transformação. Transformação que já não é mais revolucionária; ou seja, não pretende derrubar o domínio burguês para substituí-lo pelo domínio do proletariado (a ditadura do proletariado), mas se propõe a tarefa muito mais aceitável (para a burguesia) de realizar uma vaga “democracia radical”.
O passo seguinte desses autores, que já haviam abandonado toda referência ao marxismo, inclusive sua versão “pós”, foi a aproximação com um “populismo de esquerda”[16], ou seja, a busca de um sujeito popular descolado das contradições de classe. E, concretamente, no apoio de Laclau aos governos kirchneristas na Argentina.
Uma tentativa de síntese em três pontos
Neste ponto, gostaríamos de tentar sintetizar os elementos que unem as várias espécies e subespécies dos pós-modernistas. Tentaremos, portanto, determinar um menor denominador comum para se ter uma ideia, ainda que aproximada, do que esses teóricos sustentam. Seu pensamento pode, assim, ser resumido em três pontos.
1) Política. Vivemos uma nova era que substituiu a modernidade: a era pós-moderna, caracterizada por uma sociedade pós-industrial, pós-fordista, baseada na predominância do “trabalho imaterial”, em que as classes do passado não existem mais (variante: classes não existem ou, de qualquer forma, estão se extinguindo) e, portanto, a sociedade não se baseia mais na exploração do trabalho assalariado e a solução não pode, portanto, centrar-se numa “classe geral” (a classe operária) que, libertando-se, liberta a todos.
Nessa nova sociedade existem infinitas formas de opressão e cada setor oprimido (os “novos sujeitos” que substituem a classe) deve organizar-se separadamente dos demais, pois somente aqueles que sofrem uma opressão específica são capazes de compreendê-la, falar sobre ela, combatê-la ou, melhor, opor-lhe “resistência”.
A crítica ao sistema baseado em classes e na exploração do trabalho assalariado é substituída por uma crítica moralista ao indivíduo e aos “estilos de vida” que reproduzem o privilégio sobre os sujeitos discriminados. A sociedade não é dividida por classes, mas por “privilégios”: de homens sobre mulheres (sobre isso se baseiam as teorias do chamado “patriarcado”), de heterossexuais sobre os LGBTI’s, de brancos sobre negros etc.
Consequentemente, todo o programa marxista perde seu sentido, ou seja, a construção de um partido operário de vanguarda que, orientando o proletariado (composto por homens e mulheres, negros e brancos, heterossexuais e lgbti’s, que devem se unir e não se dividir segundo as concepções da “interseccionalidade”), lute pela derrubada revolucionária do domínio burguês e pela instauração do governo proletário, isto é, a ditadura do proletariado como transição para uma sociedade sem classes. A “velha” perspectiva marxista da conquista do poder, num mundo em que “o poder está em toda parte”, é substituída por uma perspectiva “pós-marxista” baseada em soluções individuais ou cujo objetivo é, no máximo, estabelecer (na versão de Laclau e Mouffe) uma “democracia radical”.
2) Filosofia. A perspectiva política resumida acima baseia-se em uma concepção filosófica. A era pós-moderna é caracterizada pela descrença nas velhas visões do mundo concebido como totalidade (“metanarrativa”): tanto o iluminismo da burguesia em sua fase revolucionária quanto o marxismo do proletariado do “século XX” produziram uma “narrativa” fictícia. Isso deve ser substituído por um pensamento cético, niilista, que se alimenta da desconfiança de qualquer pensamento racional.
Não há fatos, mas infinitas interpretações subjetivas. Não há verdade científica em que esta é apenas uma “narrativa” como as outras.
Pequenos parênteses: vamos aqui, note-se, muito além da crítica correta ao cientificismo positivista ou da concepção (burguesa) de uma ciência absolutamente independente das classes e das ideologias: aqui estamos, de fato, na rejeição total da ciência [17] em favor de um relativismo epistêmico. Certamente, para os marxistas, a ciência não é um corpo neutro e independente (na pesquisa, na aplicação técnica etc.), mas também não, pelo contrário, pode reduzir-se a uma simples ideologia. Na ciência, escreveu Gramsci nos Cadernos, podemos distinguir os conceitos de embalagem ideológica, de modo que “um grupo social pode se apropriar da ciência de outro grupo sem aceitar sua ideologia”[18].
Voltando aos pós-modernistas: o determinismo mecânico é substituído pelo indeterminismo absoluto. A realidade é fragmentária. Ou mais precisamente: não há realidade social objetiva (ou natural) ou (variante) se ela existe não é objetivamente cognoscível ou (variante) existe como mera construção do pensamento e da linguagem.
Em suma: se para Marx é o ser social que condiciona a consciência, para os pós-modernos a consciência determina o ser social ou, mais precisamente, é a linguagem que determina a consciência e, portanto, o ser social.
3) Linguagem. A linguagem assume, portanto, uma centralidade como criadora da realidade e do “poder” (entendido não como poder de classe, uma vez que as classes não existem mais – ver ponto 1 – mas como uma entidade ubíqua que impõe sua interpretação). Palavras e conceitos têm o poder de construir a realidade (ou melhor, sua aparência, já que a realidade não existe). Os significados não são expressos com a linguagem, pelo contrário, os significados (ideias) são determinados pelos significantes (símbolos e sons). Trata-se, então, de criticar e “desconstruir” a linguagem. Não se trata aqui da “crítica” no sentido marxiano, isto é, materialista do termo, que é obviamente necessário, mas do que, zombando dela, Marx e Engels chamaram de “crítica crítica”[19].
Vale a pena nos debruçarmos sobre a questão específica da linguagem, dada sua importância no pós-modernismo.
O significado… de significantes vazios
No cerne da concepção pós-modernista está uma confusão entre ontologia e epistemologia [ou gnosiologia], entre o que há e o conhecimento do (e o método pelo qual sabemos) o que é. Esquemas conceituais (sem os quais obviamente não poderíamos nos relacionar com a realidade) tornam-se a própria realidade ou a criam.
Ora, tudo isso mais do que uma “atualização” do marxismo aparece como seu abandono.
Sem dúvida, Marx, criticando o “velho materialismo” (a partir das Teses sobre Feuerbach), foi quem especificou que não existem duas entidades separadas e independentes, de um lado, a natureza, ou objeto de conhecimento, ou matéria, e, por outro, o homem, ou sujeito de conhecimento, ou consciência. Pois se é verdade que, desde um ponto de vista ontológico, a matéria é anterior à consciência (o planeta existia muito antes do homem e, portanto, também antes do pensamento), no entanto, desde a “aparição” (através do processo evolutivo) do homem e (através do desenvolvimento do trabalho como atividade social) da consciência e da linguagem, a natureza perdeu sua independência absoluta e portanto, não faz sentido falar de uma realidade que não inclua a consciência, que é parte da realidade e ao mesmo tempo a modifica. Foi então Marx, ao contrário da caricatura que os pós-modernistas fizeram dele, creditando o diamat stalinista como marxismo, quem superou a oposição secular entre ser e consciência, entre saber e fazer, entre teoria e prática, entre sujeito e objeto.
Mas os pós-modernistas vão muito além da negação marxiana de um materialismo mecanicista, isto é, de um materialismo que vê a realidade social apenas como um “reflexo” da “matéria” ou da “economia”. Virando as coisas de cabeça para baixo novamente, eles se voltam para o idealismo, e certamente não para o que Lênin teve que definir (falando de Hegel) “idealismo inteligente”: não, para eles são as “interpretações” que criam a realidade, ou melhor ainda: é a linguagem.
Se é verdade que o sujeito não é um mero reflexo do objeto (determinismo), isso não significa que o objeto seja um mero reflexo do sujeito (indeterminismo).
Mas os pós-modernistas não negam apenas a existência de uma realidade cognoscível (por aproximações sucessivas), realidade que o homem modifica simultaneamente com a práxis enquanto a conhece (como afirma Marx na XI Teses sobre Feuerbach) [20], chegam a indicar na linguagem o criador da realidade (a chamada “linguagem performativa”) [21]. Realidade que sempre colocam entre aspas e que é criada e modificada pela linguagem, construída linguisticamente.
A linguagem, segundo os marxistas [22], é um produto da sociedade e, ao mesmo tempo, expressa e influencia a realidade, especialmente a realidade social. Mas não é isso que os pós-modernistas afirmam: para eles a linguagem tem poder absoluto, é o demiurgo da realidade. Por isso, sustentam que a sociedade é “uma realidade discursiva” e, retomando a “teoria francesa” dos filósofos supracitados, atribuem ao significante (o envoltório) uma primazia sobre o significado (o conceito contido). No livro que citamos [23], Laclau e Muffe falam, portanto, de “significantes vazios”, isto é, desprovidos de sentido ou “flutuantes”, ou seja, com muitos significados.
Exploração e opressão
Para os marxistas, o coração do sistema capitalista é a exploração do proletariado (que é forçado a vender sua força de trabalho aos donos dos meios de produção), a exploração do trabalho assalariado. Portanto, o proletariado é a única classe capaz de destruir o sistema capitalista que é a base material das opressões, as condiciona, as produz e as reproduz.
O determinismo stalinista reduz tudo isso à mera exploração, ignorando ou tirando a luta contra as opressões.
No polo oposto, o reformismo pós-modernista elimina a exploração e, assim, visa combater as opressões sem alterar o quadro capitalista ou aspirar por uma “democracia radical”.
Por outro lado, os revolucionários pensam que a exploração de classe é o ponto de apoio das opressões e, portanto, não é possível acabar com as opressões sem destruir o capitalismo e construir o socialismo. Isso não significa (como é para o stalinismo) que a questão da opressão deva ser adiada para depois da revolução. Pelo contrário: é preciso combinar a luta contra a exploração e a luta contra a opressão, unindo a classe trabalhadora que é composta por homens, mulheres, LGBTs, brancos e negros, ou seja, os explorados que sofrem diferentes formas de opressão. Para isso, é preciso usar um programa de transição, combinando (e não se opondo) às demandas democráticas, transitórias e socialistas, como forma de conquistar a maioria politicamente ativa da classe com a necessidade de derrubar o capitalismo por meios revolucionários. A luta contra a opressão só pode ser vencida se for construída com base na independência de classe do movimento operário e subordinada à luta pelo poder revolucionário.
O pós-modernismo rejeita tudo isso e, combinando-o com teorias do “patriarcado”, vê, por exemplo, no gênero e não na classe a divisão fundamental da sociedade.
Judith Butler e o individualismo queer
Judith Butler, discípula de Foucault, teórica da chamada filosofia “queer”, desenvolveu ainda mais, por assim dizer, essa concepção idealista [24].
Se a política “identitária” do feminismo pequeno-burguês visa dividir os oprimidos em movimentos separados baseados em grupos que pensam da mesma forma, a política queer leva o separatismo ao extremo, na verdade apoiando uma “resistência” individual, baseada na educação do indivíduo atomizado.
As categorias de gênero e sexo são negadas (porque, como todas as definições, têm o poder de “reificar”) argumentando que o gênero é “construído pela linguagem” e, portanto, pode ser “desconstruído” com a linguagem.
Partindo do questionamento correto daqueles que buscam reduzir o sexo a masculino-feminino (excluindo milhões de intersexuais), Butler deduz a necessidade de eliminar termos masculinos e femininos do vocabulário como forma de eliminar a opressão. Como se fosse possível inventar uma nova linguagem (voltaremos a isso mais adiante) e, sobretudo, como se a gramática fosse a causa da opressão das pessoas trans e não do sistema capitalista que precisa alimentar opressões para manter a exploração.
A teoria queer é, em suma, um retorno ao individualismo burguês. O marxismo, ao contrário, concebe as categorias de gênero e sexualidade como socialmente construídas e, portanto, sustenta que somente a luta de classes pode questioná-las; a linguagem segue e não precede as construções sociais, de classe.
Schwa é uma novilíngua orwelliana
Se até agora nos dedicamos a resumir a parte séria (por mais estranha que pareça) do pós-modernismo, vale a pena dedicar algumas linhas a algumas consequências que, nascidas no calor de alguma universidade ou em salões pequeno-burgueses, estão se espalhando particularmente entre os jovens e no feminismo pequeno-burguês.
Como vimos, para os pós-modernistas, tendo eliminado as classes, os comportamentos individuais são a grande parte do problema. Portanto, a solução estaria no “autoconhecimento”, na reflexão sobre os próprios “privilégios” e sobre a linguagem.
A chamada “ideologia woke”[«ideologia do despertar»][25], que se difunde a partir das academias estadunidenses, prescreve o monitoramento da própria língua e da dos outros como forma de não (como seria correto) ter consciência do uso de classe que se faz da linguagem como auxílio para transmitir discriminações, mas com a pretensão de que essa é a forma de fazer desaparecer as discriminações.
Em outras palavras (a expressão é a mais adequada…), eliminar algumas palavras, alguns significantes, inibe ou pelo menos contrasta o conteúdo discriminatório, o significado.
Os jornais de direita costumam dedicar um sarcasmo fácil à “linguagem politicamente correta” ou à “linguagem inclusiva”, debitando tudo à conta de uma “esquerda” não especificada (que inclui revolucionários e “progressistas”), querendo assim demonstrar como qualquer ideia de igualdade (mais ainda o comunismo e o abandono dos chamados “valores ocidentais”) estaria imbuída de intolerância, considerando que, se escolhes a igualdade, renuncias à liberdade.
No entanto, o fato de essa concepção de “linguagem inclusiva” ser atacada por intelectuais de direita não significa que ela deva ser defendida: o inimigo do nosso inimigo não é nosso amigo.
Sejamos explícitos: é positivo e útil ter presente que a sociedade, com a sua bagagem de exploração e opressão, também se manifesta através da linguagem. Mas não é essa verdade trivial que interessa aos pós-modernistas. Como vimos, para eles é no nível da linguagem que as coisas são modificadas.
É dessa tese geral (uma forma empobrecida de idealismo) que descendem posições grotescas, sobre as quais muitas vezes se concentra a atenção do debate jornalístico, que chega a corrigir, senão censurar, palavras e livros em que se usa uma linguagem “não inclusiva”.
Daí a lista de palavras que não devem ser pronunciadas nem mesmo para estigmatizar seu uso, sob pena de causar possível desconforto no ouvinte.
Das palavras aos conceitos, o passo é curto. Como somente um setor que vive determinada opressão seria capaz de compreendê-la, é preciso evitar se referir (até mesmo para estigmatizá-la) a certas opressões, para não despertar desconforto em quem ouve. Seguindo esse caminho, em algumas universidades estadunidenses (aqui a coisa ainda está no começo) chegamos ao paradoxo de que há temas (como o racismo) que se tornam tabu porque podem perturbar uma identidade oprimida.
A versão “suave” de tudo isso está no uso da schwa [26] e em tentativas desastradas de eliminar o gênero gramatical das línguas que o possuem. Uma prática que, em primeiro lugar, se baseia na confusão entre gênero gramatical e gênero, e que pressupõe ignorar o fato de muitas línguas que não têm gênero (como o turco ou o iraniano) não por isso serem faladas em países muito avançados na luta contra a opressão das mulheres.
A cruzada contra as desinências, ao mesmo tempo, é baseada na ignorância, elitista e inviável.
Sobre a ignorância porque as línguas não são construções artificiais que podem ser modificadas à vontade.
Elitista porque essa linguagem supostamente “inclusiva” exclui (quando adotada) a maioria dos falantes de uma língua: e – o que é fundamental para nós – exclui em primeiro lugar a maioria do proletariado que, ao diferente dos pequeno-burgueses, não tem as ferramentas para (ou a possibilidade de) se envolver nesses jogos linguísticos.
Inviável porque schwa e outros estratagemas “inclusivos” são quase impossíveis de usar em textos e completamente impossíveis de usar na língua falada. Na verdade, uma coisa é introduzir um neologismo, outra coisa é pensar em mudar a construção das frases, as desinências das palavras. A morfologia e a sintaxe não podem ser modificadas por decreto, como evidenciado pelo fato de que as tentativas de linguagens artificiais têm falhado regularmente.
Mas o ponto real obviamente não é o schwa. É que essa e outras idiotices anticientíficas são apenas a parte visível (muitas vezes a que atrai o debate dos programas de entrevistas) de uma teoria geral muito mais perigosa que vê a linguagem como criadora da realidade e das opressões e que, portanto, substitui a luta de classes para mudar a realidade e combater as opressões pela “desconstrução” da linguagem ou pela invenção de uma nova linguagem. como no romance 1984 de Orwell [27].
Uma miséria filosófica
Um século e meio de incorporações deterministas e positivistas, usadas pelo reformismo social-democrata e depois stalinista, foram substituídas pelo pós-modernismo. Pós-modernismo que usa a caricatura determinista do marxismo para decretar a “crise” do marxismo e retornar a uma forma de idealismo tão impotente diante da realidade quanto o materialismo vulgar.
Como dito no início, o determinismo não desapareceu do movimento operário. Encontramo-lo em formações stalinistas e também em algumas que, certamente por engano, afirmam ser “trotskistas”. No entanto, nos movimentos de jovens e mulheres, o indeterminismo pós-modernista geralmente predomina.
Há uma razão, acreditamos, que explica essa mudança de guarda (sempre em defesa do domínio burguês) entre o determinismo e o pós-modernismo. O determinismo era a ideologia predominante do reformismo na época em que a burguesia podia (e deveria) fazer algumas concessões. Naquele momento, a suposta “inevitabilidade” do socialismo, filha de uma concepção teleológica e determinista, servia para adiar a luta enquanto se esperava o “sol do futuro”, enquanto desfrutava de algumas migalhas concedidas pelos patrões.
O neorreformismo de hoje, nascido e criado em uma situação de crise cada vez mais devastadora do capitalismo, chamado a administrar diretamente as políticas antioperárias dos governos burgueses, sem qualquer possibilidade de se vangloriar mesmo de pequenas reformas, foi forçado a segregar um casulo ideológico adequado: daí a teoria sobre o desaparecimento das classes e o cancelamento do socialismo mesmo para um horizonte distante.
Assim, passamos da promessa dominical de um socialismo dos séculos futuros para um cancelamento do socialismo inclusive da missa dominical. A crítica-crítica substitui, assim, a crítica às armas, nas palavras de Marx. A realidade concreta da exploração do trabalho assalariado e das opressões enraizadas no sistema é substituída por uma realidade líquida. Não mais a luta de classes como motor da história, mas a muito mais inócua “desconstrução” da linguagem. Tudo isso certamente não preocupa a burguesia que, por ela, agradece sinceramente, financiando os autores dessa miséria filosófica, imprimindo e distribuindo seus livros, promovendo suas carreiras universitárias.
O reformismo, seja ele portador de uma filosofia determinista ou pós-modernista, confirma-se definitivamente como o principal sustentáculo do domínio capitalista, trazendo o veneno ideológico burguês paralisante para o movimento operário e para as lutas das massas exploradas e oprimidas. Não é novidade, embora, é preciso admitir, raramente no passado a miséria filosófica tenha alcançado as… alturas do pós-modernismo.
Assim, a batalha por uma perspectiva revolucionária implica uma batalha contra ideologias usadas pelo oportunismo para disfarçar a colaboração de classes ou desviar as lutas para becos sem saída. Isso significa resgatar o que há dois séculos Marx chamava de “novo materialismo”, ou seja, a concepção materialista marxista da história, a “filosofia da práxis”, que é sintetizada no artigo de Fabiana Stefanoni em outro artigo de nossa revista [Trotskismo Oggi n. 21].
Para concluir, é certamente positivo que um número crescente de jovens, que participam de movimentos contra a opressão machista, contra a destruição do meio ambiente, contra o racismo e o fascismo, estejam buscando uma teoria que os oriente na luta contra o sistema capitalista que produz tudo isso. Mas é bom adverti-los que não encontrarão nenhuma teoria adequada nos textos dos pós-modernistas. Para se armar com uma teoria verdadeiramente revolucionária, eles precisam reler Marx e Engels, Lenin e Trotsky: não Lyotard, Laclau ou Judith Butler.
Referências e notas:
[1] Quanto à incompreensibilidade da linguagem dos teóricos pós-modernistas, uma fumaça que muitas vezes não esconde assado, um experimento realizado pelo físico Alan Sokal em 1996, conhecido como o “escárnio de Sokal”, tornou-se famoso. O cientista escreveu um artigo totalmente desprovido de sentido lógico, baseado na composição de um conjunto de conceitos e frases extraídos de textos pós-modernistas. Intitulou-o “Rompendo fronteiras: rumo a uma hermenêutica transformadora da gravidade quântica” e enviou-o para uma prestigiada revista feminista pós-moderna, que o publicou sem perceber que o artigo não dizia nada sensato. Só mais tarde Sokal revelou que se tratava de uma paródia de textos pós-modernistas. A saborosa anedota está em A. Sokal, J. Bricmont, Imposturas intelectuais, publicado em tradução italiana em 1999 por Garzanti, com o título Imposture intellettuali. No livro, os autores analisam os textos de Lacan, Baudrillard, Deleuze e outros autores de referência do pensamento pós-modernista, revelando o absurdo, no mínimo, das referências supostamente científicas que costumam aparecer em suas obras.
[2] Referimo-nos aqui apenas ao pós-modernismo filosófico e político, embora o conceito tenha nascido em outras áreas (essencialmente artísticas), em outros tempos e com outras características.
[3] Para quem deseja se aprofundar, sugerimos alguns textos que contenham uma boa descrição e crítica das teorias pós-modernistas. Especificando que nem sempre compartilhamos necessariamente as conclusões dos autores ou, muito menos, sua posição política. Feito esse esclarecimento, sugerimos a leitura: E.M. Wood, The Retreat from Class: A New ‘True’ Socialism (1986); S. Wolf,Sexuality and Socialism History, Politics and Theory of Gay Liberation [Sexualidade e Socialismo História, Política e Teoria da Libertação Gay] . (2009), a melhor crítica que lemos às teorias queer e a Judith Butler em particular; e A. Callinicos, Contra o pós-modernismo: uma crítica marxista (1991). Nenhum desses textos, até onde sabemos, foi até agora traduzido para o italiano. Uma crítica profunda e oportuna da pós-modernidade também foi publicada recentemente, que também oferece um panorama dos debates sobre os diferentes temas: é a obra gigantesca de Francisco Erice, Em defesa da razão. Contribuição à crítica do pós-modernismo (Siglo XXI, 2020), também muito útil para orientar-se na vasta bibliografia sobre o tema.
[4] Um bom exemplo de uma concepção determinista vulgar, muito semelhante ao diamat stalinista, mas fingindo apresentar-se como “trotskista”, é encontrado nos livros de Alan Woods, o principal líder do IMT. Ver, por exemplo, o monumental Reason in revolt: dialectical philosophy and modern science,[Razón en revuelta: filosofía dialéctica y ciencia moderna] escrito com Ted Grant, uma espécie de enciclopédia da ciência e da filosofia (mais nas intenções do que nos resultados). Há uma tradução fornecida pelo SCR, que representa o IMT na Itália.
[5] K. Marx, Il 18 Brumaio di Luigi Bonaparte (1852), Editori Riuniti, 1997.
[6] F. Nietzsche, Frammenti postumi, 1885-1887, vol. VIII, volume I da Opere, editado por G. Colli e M. Montinari, Adelphi, 1975, pp. 299-300.
[7] Reagrupados sob o nome de “escola de Frankfurt” (da cidade onde a Universidade residia na qual alguns deles atuaram inicialmente) estão filósofos e sociólogos que elaboraram a partir da década de 1920. Entre os mais conhecidos estão Theodore Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Erich Fromm.
[8] Por “pós-estruturalistas” nos referimos em particular a alguns filósofos franceses ativos desde a década de 1960. Entre os mais conhecidos: Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jacques Lacan, Luce Irigaray, Roland Barthes.
[9] Que não há nada “além do texto” é a tese que se destaca em uma das obras centrais de Jacques Derrida, De la grammatologie (1967), publicada em italiano pela Jaca Book em 1969 com o título Della grammatologia (há uma reedição recente da mesma editora, de 2020).
[10] J. F. Lyotard, La condition postmoderne (1979), a tradução italiana é de 1981 com o título: La condizione postmoderna, Feltrinelli (várias reimpressões). Além do livro de Lyotard, as certidões de nascimento do pós-modernismo também incluem o livro de R. Rorty, La filosofia e lo specchio della natura (Bompiani, 1986). Rorty é, em particular, um teórico da chamada “virada linguística”.
[11] J.F. Lyotard, La condizione pós-moderna, Feltrinelli, 2014, p. 45 e sgg.
[12] O chamado “pensamento débil” desenvolveu-se a partir do livro coletivo de 1983 que leva esse título, editado por Pier Aldo Rovatti e Gianni Vattimo. No livro também colaboraram Maurizio Ferraris e Umberto Eco, que nos anos seguintes se distanciaram dos resultados da teoria. Eco polemiza, por exemplo, com os absurdos hermenêuticos a que o pós-modernismo conduz, na coletânea de textos I limiti dell’interpretazione [Os limites da interpretação] (Bompiani, 1990).
[13] E. Laclau, C. Mouffe, Hegemony and Socialist Strategy (1985), publicado em italiano por il Nuovo melangolo sob o título: Egemonia e strategia socialista. Verso uma política democrática.
[14] Para uma reconstrução da autêntica concepção materialista da história de Marx e Engels, recorremos ao ensaio de Fabiana Stefanoni, “Che cosa non è la concezione materialistica della storia. Il ruolo dimenticato della “prassi rivoluzionaria”” [O que não é a concepção materialista da história. O Papel Esquecido da “Práxis Revolucionária”], neste mesmo número da revista Trotskismo Oggi.
[15] Em particular, segundo uma metodologia já abusada por dezenas de outros supostos críticos do marxismo, Laclau e Mouffe (ver nota 13) extraem do contexto algumas frases de Marx para atribuir-lhe a paternidade do determinismo mecanicista que reinou na fase degenerada da Segunda e depois da Terceira Internacional, podendo assim polemizar com essa atribuição arbitrária.
[16] E. Laclau, Sobre a razão populista (2005), La ragione populista (Laterza, 2008).
[17] O ceticismo em relação à ciência também se traduz, para alguns teóricos pós-modernos, na rejeição aos medicamentos. Nesse sentido, por exemplo, as teorias do inglês Mark Fisher (Realismo Capitalista, 2009, Produzioni nero, 2018) que, embora critique algumas teses pós-modernistas, adota outras. Fisher coloca as questões da doença mental e da depressão no centro de sua reflexão. Com poucas exceções, para Fisher, a doença mental nunca teria origem neurológica, derivadas de desequilíbrios químicos, de modo que drogas psicotrópicas seriam inúteis. Absolutizando duas verdades – Marx já observava duzentos anos antes de Fisher os efeitos mentais da alienação do trabalho; e o grande papel manipulador da indústria farmacêutica – Fisher acaba endossando implicitamente as teorias muito em voga que veem uma conspiração por trás de cada medicamento (vide as posições dos não-vax). Acrescente-se, ainda, que a crítica de Fisher não ataca realmente o capitalismo, mas uma suposta variante ruim dele, “neoliberal” e a “meritocracia”. Por isso foi (suicidou-se em 2017) um apoiante de Corbyn. Seu livro, cheio de declarações apódicas e superficiais, é muito popular entre os jovens.
[18] A. Gramsci, Quaderni dal carcere [Cadernos da prisão], quaderno 11, Einaudi, 1975, p. 1458.
[19] Ver K. Marx, F. Engels, La Sacra Famiglia. Ovvero crítica della crítica crítica [A Sagrada Família. Ou crítica da crítica crítica]. Contra Bruno Bauer e sócios (1845), a edição italiana mais recente encontra-se em Marx-Engels, Opere, vol. IV, ediciones Lotta Comunista, 2021.
[20] A décima primeira das Teses de Marx sobre Feuerbach diz: “Até agora, os filósofos apenas interpretaram o mundo de forma diferente, mas trata-se de transformá-lo”. Sobre essa e outras teses, sobre qual é a tradução correta do original alemão e sobre as pequenas modificações feitas por Engels que as publicou após a morte de Marx, há uma ampla (embora injustificada) polêmica exegética entre os estudiosos. Para um aprofundamento filológico das teses, ver P. Macherey, Marx 1845. Les theses sur Feuerbach (Edições Amsterdã, 2008).
[21] Esta não é uma teoria nova. Já na década de 1930, Edward Sapir e seu aluno Benjamin Lee Whorf elaboraram a teoria (conhecida como a “hipótese Sapir-Whorf”) segundo a qual, simplificando, a língua descobre uma verdade que permanece desconhecida até ser nomeada. Na versão de Whorf (que leva ao extremo o relativismo linguístico de seu professor), o modo de pensar e perceber a realidade seria determinado pela linguagem. Whorf contribuiu em apoio à sua tese, entre outras coisas, a ideia de que os Inuit (uma população indígena das costas árticas da América), que usam palavras diferentes para indicar diferentes tipos de neve, teriam um conhecimento diferente do mundo em que vivem.
Note-se que essas teorias são amplamente refutadas pela ciência: além disso, a mesma experiência empírica mostra que é possível conhecer e pensar um conceito sem poder expressá-lo em palavras; assim como é evidente que quem conhece várias línguas não é esquizofrênico por causa disso.
[22] Para Engels, a linguagem tem uma natureza social e como a consciência, originou-se do trabalho no processo de evolução do homem. Engels escreve: “Em suma: os homens em evolução chegaram ao ponto em que tinham algo a dizer uns aos outros. A necessidade desenvolveu o órgão necessário para isso: as cordas vocais, não desenvolvidas do macaco, foram paulatina mas seguramente cada vez mais sintonizadas a uma modulação cada vez mais acentuada; a boca e os órgãos vocais aos poucos, aprenderam a emitir uma sílaba articulada após a outra. (…) Primeiro trabalho, depois e com ele linguagem: aqui estão os dois estímulos mais essenciais sob cuja influência o cérebro de um macaco gradualmente se transformou em um cérebro humano, muito maior e mais perfeito de acordo com qualquer hipótese plausível.”
Ver o seu: “O Papel do Trabalho no Processo de Humanização do Macaco” (1876, mas publicado pela primeira vez em 1896 na revista teórica do SPD, Die Neue Zeit). O texto está contido em Dialética da Natureza, cuja edição italiana mais recente encontra-se em Marx-Engels, Opere, vol. 25, edições Lotta Comunista, 2022.
Essa teoria de Engels foi definida como cientificamente correta pelo paleontólogo Stephen Jay Gould em sua obra Ever since Darwin (1977), traduzida para o italiano com o título: Essa ideia da vida. O desafio de Charles Darwin, Editori Riuniti, 1990; Ver, em particular, PPS. 209-211.
[23] E. Laclau, C. Mouffe, op. cit. (1985).
[24] A principal obra de Judith Butler é Gender Trouble (1990), traduzida para o italiano como Questione di Genre. Il feminismo e la sovversione dell’identità [Questões de gênero. Feminismo e a Subversão da Identidade] (a reedição mais recente é de 2023 por Laterza). Mas quem, por alguma forma de masoquismo, quiser ler outros textos do autor, encontrará muitos nas livrarias, traduzidos para o italiano e publicados por várias editoras: em particular Mimesis, mas também Laterza, Feltrinelli, etc. Sobre a linguagem (que é a base de todas as obras de Butler) ver, por exemplo, Parole che provocano. Per una política del performativo [Palavras que provocam. Por uma política do performativo] (Raffaello Cortina, 2010).
[25] O termo “woke” significa estar alerta, estar vigilante, em particular, precisamente, sobre o uso da linguagem, e sobre alguns temas que podem ser ofensivos a uma identidade oprimida.
https://www.treccani.it/magazine/lingua_italiana/articoli/scritto_e_parlato/Schwa.html
[[26] A schwa (que, paradoxalmente, é masculino…) é um símbolo gráfico hebraico e é uma espécie de letra e invertida. Quem quiser se aprofundar no assunto, do ponto de vista científico e não apenas ligado a polêmicas jornalísticas, pode ler os textos da linguista Cristiana De Santis, em especial sua: L’emancipazione grammaticale non passa per una e rovesciata [“A emancipação gramatical não passa por um e invertido” disponível nestes links https://www.treccani.it/magazine/lingua_italiana/articoli/scritto_e_parlato/Schwa.html
[27] George Orwell, em seu romance 1984, escrito em 1948, imagina uma sociedade fortemente repressiva na qual, entre outras coisas, uma “novilíngua” é imposta no lugar da “Velha Língua”, com o objetivo de mudar, junto com as palavras, a visão do mundo, eliminando qualquer pensamento subversivo. Vigiando tudo está a “psicopolícia” que tem a tarefa de reprimir não só os atos, mas também qualquer ideia de desobediência ao Poder e sancioná-lo antes que ele possa ser realizado (os “psicocrimes”). O protagonista, Winston Smith, que trabalha no Ministério da Verdade, tem a tarefa de censurar artigos e livros e também de modificar a historiografia, adaptando a história histórica às previsões do Poder. A “nova linguagem” não se limita a introduzir neologismos, mas modifica a morfologia e a sintaxe e, entre outras coisas, a forma dos plurais. Em suma, a semelhança de certas teorias pós-modernistas com a fantasia romântica de Orwell é realmente impressionante.
Tradução: Nea Vieira