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Estado Espanhol

Uma lei eleitoralista e insuficiente, que não resguarda o direito à moradia. A luta continua!

maio 16, 2023

Depois de três anos de demora, quase no final da legislatura e em meio a uma pré-campanha eleitoral cheia de anúncios e promessas em matéria de habitação, em 27 de abril passado foi aprovada, por fim, a Lei da habitação no Congresso. Para “as direitas” que votaram contra, trata-se de uma norma que “só favorece as ocupações”. Para o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), estamos diante de “uma mudança de paradigma”. Para UP (Unidas Podemos), que alardeia que esta Lei foi possível, graças à sua inclusão no governo, a mesma representa, além disso, «uma arma eleitoral para as candidaturas progressistas»

Por: Laura Requena – Corriente Roja

Mas a realidade é que, depois de anos de luta e mobilização social desde que  a crise de 2007 e o estouro da bolha imobiliária, se traduzissem no drama cotidiano dos despejos pelo não pagamento da hipoteca ou aluguéis abusivos e, que milhões de pessoas continuam vendo seu direito à moradia digna impedido, esta lei é uma manobra eleitoral ou como diz o Sindicato de Inquilinos, “uma farsa e uma campanha de propaganda brutal do governo de coalizão PSOE-UP)”

Estamos perante uma lei, na qual quase a única medida progressiva, sem armadilhas, é acabar com a fraude milionária que agora permite às imobiliárias cobrar os inquilinos pelo serviço que dão aos caseiros.

E é que a nova lei é um chacota à premente necessidade social de habitação, tal e qual viemos denunciando em outros artigos. Como dizem a PAH (Plataforma de Afetados pela Hipoteca) e outros coletivos sociais: “com ela a habitação continuará funcionando como um bem de mercado para especular, em lugar de ser  garantido como um direito ao alcance de todas as pessoas”. É um remendo, cujas medidas aparentes se centralizam somente no aluguel e que, na verdade, não solucionam nada.

Não proíbe os despejos, apenas prolonga em até dois anos o processo até o despejo. A lei unicamente obriga os proprietários a submeterem-se a uma mediação, cuja resolução não têm porque respeitar. Os grandes proprietários poderão continuar despejando porque ninguém os obriga a oferecer um aluguel social antes do despejo.

A declaração de zonas tensionadas ou do que se considera um grande detentor (reduzindo a propriedade de 10 para 5 imóveis) ficará nas mãos das Comunidades autônomas e municípios, que são os que têm as competências transferidas na habitação. Não deixa de ser curioso que, por um lado, Sánchez diga que graças a este governo progressista, a habitação deixará de ser um problema para converter-se em direito e depois deixe sua aplicação efetiva em outras mãos, mesmo sabendo que em alguns lugares como a Comunidade de Madri, (Isabel Díaz) Ayuso já disse que se continuar governando, não a aplicará de forma alguma.

E onde graças à pressão e à mobilização social, se consiga alguma medida progressiva, sempre existe a opção de paralisá-la e anulá-la via sistema judicial. Como foi feito com a Lei catalã de habitação, recorrida ao Tribunal Constitucional pelo Governo de coalizão, que embora seja limitada, em comparação a esta Lei estatal é melhor, porque ao menos incluía que um grande proprietário não poderia despejar o inquilino sem oferecer um aluguel social. Embora na prática, tenham continuado a fazê-lo sem problemas, porque não há regime sancionatório e também não “expropriaram” temporariamente moradias vazias devido aos recursos judiciais dos fundos imobiliários.

Por outro lado, a nova Lei estatal possui numerosos coadores pelos quais as medidas aprovadas poderão ser descumpridas e o controle dos preços de aluguel pode ser evitado por diferentes caminhos (alegando reformas mínimas, incluindo o IBI- Imposto de Bens Imóveis, através da figura de «apartamentos de temporada»…). Por não ter, não tem nenhum regime sancionatório, o que seria absolutamente necessário em caso de descumprimento.

Enquanto isso, a Lei não inclui a obrigação de medidas que são urgentes aqui e agora, como travar em todo o Estado os efeitos da Euribor[1] nas revisões de hipotecas, como já há algum tempo os coletivos em luta pela moradia têm demandado. O próprio Banco de Espanha calcula que 380.000 famílias passarão por uma situação de vulnerabilidade, pelo aumento das hipotecas após várias altas da Euribor.

Apesar da origem da inflação não estar em um elevado nível de consumo, mas no incremento dos lucros das grandes empresas, que transferem aos aumentos de preços, o Banco Central Europeu continua com sua política de altas de taxas de juros que empobrece as famílias e as pequenas empresas, beneficiando unicamente os bancos e que as grandes empresas e multinacionais podem se esquivar. Basta o exemplo do Banco Santander, que obteve um benefício líquido de 2,571 tilhões no primeiro trimestre de 2023, descontado o montante da nova taxa imposta pelo governo (224 milhões).

É evidente há anos, que a solução fundamental para remediar a grave crise habitacional que sofremos, passa por ter um potente parque público de habitação social, no qual o Estado espanhol está no final da fila da Europa. E é nesta realidade que Sánchez se apoia, para alardear em seus comícios, que o plano do PSOE é aumentar o parque público de moradias em até 20%. Mas esconde que não tem nenhuma planificação nem memória econômica a respeito e que está falando, minimamente, de 20 anos! Só para chegar a 9,3% de habitação pública que é a média europeia, faltam 1.400.000 imóveis a mais fazendo parte desse parque público de habitação. Além disso, para obter esse objetivo, não se trata de construir mais moradias em massa como ocorreu nos anos prévios ao estouro da bolha imobiliária, mas antes de tudo colocar sob gestão pública, o uso e a adequação da moradias vazias que JÁ existem.

A esta altura do artigo podemos afirmar que as propaladas medidas desta Lei, que com tanta celebração e celeuma a bancada progressista aprovou no governo, têm sobretudo dois objetivos. Por um lado, enganar os setores empobrecidos da classe trabalhadora com falsas promessas eleitorais e manter, ao mesmo tempo, o apoio eleitoral de uma base social, de pequenos e médios proprietários, que fizeram do rentismo uma forma de vida. Por outro, esta Lei faz parte de um plano mais amplo, cujos pilares já foram lançados, cujo propósito é preparar o caminho para legitimar um novo ciclo construtor por parte do setor imobiliário, como analisaremos em outro artigo sobre o tema.

É por isso que precisamos continuar lutando, até que o acesso à moradia digna seja garantido, como um direito universal. Isso passa por proibir efetivamente os despejos sem alternativa de moradia. Por limitar o preço do aluguel para garantir que o gasto em moradia, incluindo suprimentos básicos, não excedam 30% do salário médio. E, sobretudo, passa por criar um grande parque público de habitação, expropriando os apartamentos vazios em mãos de fundos abutres, grandes proprietários e os bancos e no qual se incluam os apartamentos, moradias inacabadas e terrenos nas mãos da SAREB, tirando-os das garras dos fundos abutre que agora os gerenciam.

 Habitação como um bem público. Não para fazer negócio nem para ser usada como arma eleitoral!

Se a dívida da SAREB (Sociedade Gestora de Ativos da Reestruturação Bancária, AS) é pública, suas casas também são!


[1] taxa usada nos créditos para a habitação (Ndt.)

Tradução: Lílian Enck

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