Peru: balanço e lições preliminares de uma luta que está em curso

Apesar de que os de cima ambicionam ter vencido e fingem normalidade em suas funções, a luta pela queda de Boluarte e o fechamento do odiado Congresso continua, e os ânimos estão mais quentes do que quando este processo começou.
Por: PST – Peru
A luta, não obstante, teve uma trégua depois de mais de 40 dias de mobilização permanente desde que foi retomada no início de janeiro. Os ativistas e lutadores fazem balanços e discutem sobre o ocorrido com vistas a retomar as ações com mais lucidez. E para contribuir com este debate tentamos aqui apresentar algumas ideias.
A trégua destes dias é fruto do cansaço dos lutadores dos bairros mais pobres de Puno, Cusco e do sul peruanos que a sustentaram desde 7 de dezembro, colocando nela todas suas energias, recursos e sacrifícios, pensando só em conseguir a queda do governo Boluarte e de seus sócios do Congresso; para muitos uma aspiração legítima e justa depois do massacre que realizaram. Mas ao identificarem um contexto mais complicado e difícil do que imaginaram e sob a pressão das penúrias materiais, resolveram retroceder.
Por que a luta não venceu?
70 dias de luta heroica, mobilização constante, paralisação total de várias regiões e localidades do interior, deslocamento de milhares para Lima, onde realizaram gigantescas mobilizações, de dura resistência à repressão que levou à morte 48 lutadores e deixou centenas de feridos graves, e a séria consequência na economia não só da população pobre, mas também da economia nacional, por que não foram suficientes para vencer?
Porque para vencer a luta deveria avançar para converter-se de regional a nacional com a participação das principais forças populares, e sobretudo da classe operária concentrada em Lima.
Em alguns momentos da luta houve este alcance, como quando foram realizadas os grandes dias de luta de 19 de janeiro com a chamada “Tomada de Lima” e os dias que se seguiram à ocupação policial da Universidade de San Marcos, até a greve nacional que a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru) convocou para começar em 7 de fevereiro. Porém este não foi um processo acumulativo que terminasse desembocando em uma ação decisiva que provocasse a queda de Boluarte, mas foi um processo abortado com a “greve por tempo indeterminado” de 7 de fevereiro convocada pela CGTP.
A luta do sul deu tudo o que podia. Conseguiu ganhar o apoio de parte da juventude, de parte da população pobre de Lima que realizou marchas massivas a partir dos conos (zonas periféricas a Lima); conseguiu ganhar um setor da classe trabalhadora e a simpatia da maioria desta que mostrou disposição em aderir com mais decisão, e ganhou as próprias classes médias democráticas que, horrorizadas pela sangrenta repressão e a prática reacionária do governo, apoiavam a demanda de renúncia imediata de Boluarte e a convocação de eleições antecipadas.
A luta chegou a ganhar também a opinião pública internacional onde governos e organismos de Direitos Humanos se pronunciavam questionando o Governo e o Congresso. Assim gerou-se um consenso pela queda do governo, e o próprio Congresso, mais relutante devido ao conluio de direitistas e “esquerdistas” em renunciar a seus cargos, foi obrigado a debater a antecipação de eleições para este ano.
Para avançar na queda do governo e do Congresso, seria necessário um impulso final, um impulso forte como uma paralisação nacional efetiva em todo o país envolvendo a classe operária e os setores populares.
O papel da CGTP foi chave para frustrar a luta
A paralisação nacional, como materialização da unidade na luta, só podia ser preparada e convocada pela CGTP, pois a maioria da classe trabalhadora está organizada nela, e não atua por fora da central. Mas não o fez. A direção da CGTP convocou a “greve por tempo indeterminado” de 9 fevereiro, mas não moveu nem um dedo para garantir sequer uma paralisação: não realizou uma só assembleia nacional, não desceu às bases…Limitou-se a convocá-la, fazer um panfleto virtual e deixou-a à sua própria sorte com o explícito propósito de levá-la ao fracasso.
A direção da central mostrou assim que não estava com a luta popular pela queda de Boluarte e o fechamento do Congresso, se localizava, de fato, do lado dos que apoiavam a continuidade do regime.
Como é uma direção organizada sobre o movimento operário, sua política não foi traidora, mas se apresentou suavizada. Por isso, ao invés de se colocar na liderança da luta para dar-lhe uma direção nacional, a CGTP se colocou a reboque dela, juntando-se com algumas convocações isoladas e marchando por fora da mobilização dos que lutavam e fazendo-o “disciplinadamente”, inclusive com a custódia das forças policiais, o que em algum momento o próprio governo felicitou como mobilização “responsável”.
Esta política de marchar a reboque converteu-se em um salto no vazio com a “greve por tempo indeterminado” de 7 de fevereiro, data com o único propósito de realizar um ato falido que desmoralizasse a classe operária e os próprios lutadores mobilizados. Por isso, nesse dia ninguém parou, e se alguns o fizeram nem sequer o reivindicaram como um exemplo a seguir. O dia de luta que deveria ser combativo iniciou e terminou como uma marcha arruinada que chegou ao Congresso com a polícia abrindo-lhe a passagem, e teve um final tão burocrático quanto sua convocação porque nem sequer foi levantada oficialmente, não foram feitos balanços, nem ninguém reclamou ou disse nada.
Desta forma, a direção da CGTP, ao invés de trabalhar pela entrada organizada da classe operária na luta para definir o êxito da luta, o que fez foi retirá-la completamente propondo uma fantasiosa “greve por tempo indeterminado”, para frustrar a luta de conjunto.
Ensinamentos
Os lutadores do sul tiram algumas conclusões desta experiência que acreditamos ser equivocadas. Veem que sua luta é regional e contra Lima; e dentro de Lima localizam organismos como a CGTP. Esta visão regionalista pode levá-los a retroceder ainda mais. O problema é social e politicamente transversal, entre a classe trabalhadora e pobre e as classes governantes, e a luta está atravessada por um problema de direção: da CGTP e das “esquerdas” acomodadas nela.
Para vencer, a luta deve ser nacional e para isso deve se obter a unidade da maioria dos oprimidos e explorados em torno a um plano de luta e de uma paralisação nacional. Isso não foi possível, não por culpa da classe trabalhadora que simpatiza com a luta do sul, mas pela traição da cúpula da CGTP que a freia e que concilia com as classes dominantes e com o governo de Boluarte.
As conclusões que os lutadores e lutadoras do sul tiram podem ser um perigo para retomar a luta. As conclusões que tiramos apresentam uma tarefa evidente: construir uma nova direção independente.
Esta nova direção deve ser forjada trabalhando para construir a unidade da luta operária e popular. Isso pode significar exigir da CGTP que assuma sua responsabilidade colocando-se na liderança da luta, de modo a produzir seu deslocamento para essa nova direção.
Esta é a dimensão da tarefa que propõe o reinício da nova etapa da luta. Com essa orientação, pode abrir-se uma melhor perspectiva para ela, com passos que signifiquem avançar na resolução da tarefa mais estratégica que temos que é colocar em pé uma nova direção para a luta.
Tradução: Lílian Enck
Peru: balanço e lições preliminares de uma luta que está em curso
Apesar de que os de cima ambicionam ter vencido e fingem normalidade em suas funções, a luta pela queda de Boluarte e o fechamento do odiado Congresso continua, e os ânimos estão mais quentes do que quando este processo começou.
Por: PST – Peru
A luta, não obstante, teve uma trégua depois de mais de 40 dias de mobilização permanente desde que foi retomada no início de janeiro. Os ativistas e lutadores fazem balanços e discutem sobre o ocorrido com vistas a retomar as ações com mais lucidez. E para contribuir com este debate tentamos aqui apresentar algumas ideias.
A trégua destes dias é fruto do cansaço dos lutadores dos bairros mais pobres de Puno, Cusco e do sul peruanos que a sustentaram desde 7 de dezembro, colocando nela todas suas energias, recursos e sacrifícios, pensando só em conseguir a queda do governo Boluarte e de seus sócios do Congresso; para muitos uma aspiração legítima e justa depois do massacre que realizaram. Mas ao identificarem um contexto mais complicado e difícil do que imaginaram e sob a pressão das penúrias materiais, resolveram retroceder.
Por que a luta não venceu?
70 dias de luta heroica, mobilização constante, paralisação total de várias regiões e localidades do interior, deslocamento de milhares para Lima, onde realizaram gigantescas mobilizações, de dura resistência à repressão que levou à morte 48 lutadores e deixou centenas de feridos graves, e a séria consequência na economia não só da população pobre, mas também da economia nacional, por que não foram suficientes para vencer?
Porque para vencer a luta deveria avançar para converter-se de regional a nacional com a participação das principais forças populares, e sobretudo da classe operária concentrada em Lima.
Em alguns momentos da luta houve este alcance, como quando foram realizadas os grandes dias de luta de 19 de janeiro com a chamada “Tomada de Lima” e os dias que se seguiram à ocupação policial da Universidade de San Marcos, até a greve nacional que a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru) convocou para começar em 7 de fevereiro. Porém este não foi um processo acumulativo que terminasse desembocando em uma ação decisiva que provocasse a queda de Boluarte, mas foi um processo abortado com a “greve por tempo indeterminado” de 7 de fevereiro convocada pela CGTP.
A luta do sul deu tudo o que podia. Conseguiu ganhar o apoio de parte da juventude, de parte da população pobre de Lima que realizou marchas massivas a partir dos conos (zonas periféricas a Lima); conseguiu ganhar um setor da classe trabalhadora e a simpatia da maioria desta que mostrou disposição em aderir com mais decisão, e ganhou as próprias classes médias democráticas que, horrorizadas pela sangrenta repressão e a prática reacionária do governo, apoiavam a demanda de renúncia imediata de Boluarte e a convocação de eleições antecipadas.
A luta chegou a ganhar também a opinião pública internacional onde governos e organismos de Direitos Humanos se pronunciavam questionando o Governo e o Congresso. Assim gerou-se um consenso pela queda do governo, e o próprio Congresso, mais relutante devido ao conluio de direitistas e “esquerdistas” em renunciar a seus cargos, foi obrigado a debater a antecipação de eleições para este ano.
Para avançar na queda do governo e do Congresso, seria necessário um impulso final, um impulso forte como uma paralisação nacional efetiva em todo o país envolvendo a classe operária e os setores populares.
O papel da CGTP foi chave para frustrar a luta
A paralisação nacional, como materialização da unidade na luta, só podia ser preparada e convocada pela CGTP, pois a maioria da classe trabalhadora está organizada nela, e não atua por fora da central. Mas não o fez. A direção da CGTP convocou a “greve por tempo indeterminado” de 9 fevereiro, mas não moveu nem um dedo para garantir sequer uma paralisação: não realizou uma só assembleia nacional, não desceu às bases…Limitou-se a convocá-la, fazer um panfleto virtual e deixou-a à sua própria sorte com o explícito propósito de levá-la ao fracasso.
A direção da central mostrou assim que não estava com a luta popular pela queda de Boluarte e o fechamento do Congresso, se localizava, de fato, do lado dos que apoiavam a continuidade do regime.
Como é uma direção organizada sobre o movimento operário, sua política não foi traidora, mas se apresentou suavizada. Por isso, ao invés de se colocar na liderança da luta para dar-lhe uma direção nacional, a CGTP se colocou a reboque dela, juntando-se com algumas convocações isoladas e marchando por fora da mobilização dos que lutavam e fazendo-o “disciplinadamente”, inclusive com a custódia das forças policiais, o que em algum momento o próprio governo felicitou como mobilização “responsável”.
Esta política de marchar a reboque converteu-se em um salto no vazio com a “greve por tempo indeterminado” de 7 de fevereiro, data com o único propósito de realizar um ato falido que desmoralizasse a classe operária e os próprios lutadores mobilizados. Por isso, nesse dia ninguém parou, e se alguns o fizeram nem sequer o reivindicaram como um exemplo a seguir. O dia de luta que deveria ser combativo iniciou e terminou como uma marcha arruinada que chegou ao Congresso com a polícia abrindo-lhe a passagem, e teve um final tão burocrático quanto sua convocação porque nem sequer foi levantada oficialmente, não foram feitos balanços, nem ninguém reclamou ou disse nada.
Desta forma, a direção da CGTP, ao invés de trabalhar pela entrada organizada da classe operária na luta para definir o êxito da luta, o que fez foi retirá-la completamente propondo uma fantasiosa “greve por tempo indeterminado”, para frustrar a luta de conjunto.
Ensinamentos
Os lutadores do sul tiram algumas conclusões desta experiência que acreditamos ser equivocadas. Veem que sua luta é regional e contra Lima; e dentro de Lima localizam organismos como a CGTP. Esta visão regionalista pode levá-los a retroceder ainda mais. O problema é social e politicamente transversal, entre a classe trabalhadora e pobre e as classes governantes, e a luta está atravessada por um problema de direção: da CGTP e das “esquerdas” acomodadas nela.
Para vencer, a luta deve ser nacional e para isso deve se obter a unidade da maioria dos oprimidos e explorados em torno a um plano de luta e de uma paralisação nacional. Isso não foi possível, não por culpa da classe trabalhadora que simpatiza com a luta do sul, mas pela traição da cúpula da CGTP que a freia e que concilia com as classes dominantes e com o governo de Boluarte.
As conclusões que os lutadores e lutadoras do sul tiram podem ser um perigo para retomar a luta. As conclusões que tiramos apresentam uma tarefa evidente: construir uma nova direção independente.
Esta nova direção deve ser forjada trabalhando para construir a unidade da luta operária e popular. Isso pode significar exigir da CGTP que assuma sua responsabilidade colocando-se na liderança da luta, de modo a produzir seu deslocamento para essa nova direção.
Esta é a dimensão da tarefa que propõe o reinício da nova etapa da luta. Com essa orientação, pode abrir-se uma melhor perspectiva para ela, com passos que signifiquem avançar na resolução da tarefa mais estratégica que temos que é colocar em pé uma nova direção para a luta.
Tradução: Lílian Enck