Reino Unido, França, Alemanha: a classe operária se faz ouvir
A classe operária europeia reage contra a deterioração de seu padrão de vida. As sucessivas greves na Inglaterra, as ocorridas na Itália, a megagreve que paralisou os transportes na Alemanha e, fundamentalmente, o extraordinário enfrentamento que os trabalhadores franceses estão travando contra o aumento da idade de aposentadoria, refutam as teorias de que a classe operária, como sujeito social da revolução, é coisa do passado.
Por: Alícia Sagra
Essas teorias, amplamente difundidas por grande parte da esquerda, até mesmo por alguns que se dizem revolucionários, viraram moda. Mas a sua origem, ao contrário de outras modas, não tem a ver com um problema estético, mas profundamente político e social.
A busca dos “novos” sujeitos sociais
A classe operária em escala global, continental e regional nem sempre está em ascenso. Tem períodos de retrocesso, inclusive de derrotas profundas. É nesses períodos que políticos e teóricos, alguns deles reivindicando-se marxistas, se impressionam com novos fenômenos e surgem teorias substitucionistas.
Assim, na segunda guerra mundial, houve quem se impressionasse com a expropriação da burguesia realizada pelo stalinismo no Leste Europeu; pela forma como se realizaram as revoluções chinesa e cubana, onde a burguesia foi expropriada, sem que o proletariado estivesse à cabeça e através da “guerra popular prolongada”[1] ou da “guerra de guerrilhas”, e não por uma insurreição operária; houve quem também se impressionasse com os movimentos anticoloniais africanos, que vinculavam a questão nacional à racial e onde a classe operária teve pouca participação.
A partir daí surgiram diferentes teorias, argumentando que a classe operária estava esgotada, que havia se aburguesado, que havia sido conquistada pelo consumismo e pela alienação, que deveria ser substituída por camponeses, por pobres desempregados e alguns como Franz Fannon ( 1925-1961), de grande repercussão nos anos 1960-70, chegaram a dizer, referindo-se ao processo argelino, que a classe operária argelina era “burguesa” e que a classe social revolucionária seria o lumpemproletariado.
Por sua vez, Ernest Mandel, impressionado com o maio francês de 1968, afirmou que o centro de ação dos partidos deveria ser a “vanguarda das massas”. Assim, impulsionou a aprovação da “guerrilha rural” para todo o mundo no IX Congresso da IV Internacional e da “guerrilha urbana” no X Congresso. Isso obviamente implicava uma mudança no sujeito social.
A repercussão dessas posições foi relativizada quando o proletariado reapareceu com força na cena política. Isso ocorreu no próprio maio francês com a entrada da classe operária, que foi qualitativa para alcançar conquistas históricas como a aposentadoria aos 62 anos e para a derrota do projeto bonapartista de Charles de Gaulle[2], que foi forçado a renunciar em 1969. Algo semelhante aconteceu na América Latina, com a semi-insurreição operário-estudantil, conhecida como “El Cordobazo” em 1969, e as grandes greves metalúrgicas brasileiras entre 1978 e 1980.
O desastre político guerrilheiro que levou à destruição do melhor da vanguarda latino-americana na década de 1970 também interveio nessa relativização.
Mas essas concepções substitucionistas da classe operária (embora não mais na forma de guerrilha) voltaram com força após os processos no Leste Europeu e a confusão e desmoralização criadas pela restauração capitalista e pela forma como ela foi realizada, e pela campanha do imperialismo sobre a “morte do socialismo”.
As atuais propostas de um novo sujeito social fazem parte do que chamamos de “vendaval oportunista”, que caiu e arrastou a maior parte da esquerda mundial.
Elas têm algumas diferenças hoje com aquelas que estavam na moda na década de 1960. Nenhuma delas vem acompanhado pela defesa da “guerra de guerrilhas”, “guerra popular prolongada” ou algo semelhante. Ao contrário, a grande maioria da esquerda está voltada para a luta parlamentar e mesmo alguns deles, como os integrantes do antigo Secretariado Unificado, autodenominado Bureau Político da Quarta Internacional, não desdenham a participação direta na “governos progressistas”.
Por outro lado, hoje quem deveria substituir a classe operária não seriam os camponeses, mas os oprimidos em geral. A proposta programática marxista de que a classe operária deve incorporar e endossar as demandas dos oprimidos e assim liderá-los na luta pela revolução socialista é revista e se coloca que os oprimidos seriam os sujeitos de sua libertação. No melhor dos casos, fala-se de um sujeito múltiplo: as mulheres, os negros, os indígenas, os LGBTI, a classe operária, todos igualmente, seriam os sujeitos da libertação.
Não há dúvida de que todas essas abordagens teóricas do sujeito social levam a propostas políticas de alianças de classe, por isso são assumidas e promovidas pelos diferentes setores do reformismo, desde organizações políticas como PT, Unidas Podemos, Bloco de Esquerda, até a direção da maioria dos movimentos dos oprimidos.
Tenta-se usar Marx para questionar a classe operária como sujeito social
É amplamente conhecido o papel fundamental da classe operária como sujeito da mudança para Marx e Engels: “Proletários do mundo uni-vos”, “a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”… proposta programática: a Ditadura do Proletariado, como transição necessária para chegar ao socialismo. Marx afirmou que esta foi sua grande contribuição para a teoria revolucionária.
Marx e Engels não defenderam o papel da classe operária na revolução porque era a maioria. A classe operária nunca foi maioria. Também não foi na Rússia quando ocorreu o triunfo da revolução e o estabelecimento da primeira ditadura do proletariado. A Rússia era um país de maioria camponesa, a classe operária era cerca de 20% da população.
Marx e Engels defenderam este papel da classe operária pelo seu lugar na produção, porque é a classe social que cria valor e, fundamentalmente, porque nada tem a perder com a revolução “exceto as suas correntes”.
No entanto, no meio acadêmico, fala-se muito de um “Marx tardio” que no final da vida teria relativizado a questão do sujeito social. O professor de sociologia da Universidade da Califórnia, Kevin Anderson, publicou um livro, “Marx e as margens do mundo”, que se tornou um best-seller mundial, onde desenvolve esse conceito, com base nas posições de Marx sobre a China e a Índia, e principalmente de cartas trocadas com a revolucionária russa Vera Zasulitch. Segundo este autor, nessas cartas Marx afirma que na Rússia poderia se passar da comuna camponesa ao socialismo, sem passar pelo capitalismo e sem que a classe operária fosse o sujeito da mudança.
Para nós, Marx não diz nada disso e não há nem nele, nem em Engels, que continuou com sua obra, qualquer questionamento sobre o papel da classe operária como sujeito social da revolução. Mas isso será assunto para outro artigo. O que queremos destacar hoje é a importância para o chamado “marxismo” acadêmico de questionar o papel da classe operária, algo que, claro, é muito bem recebido pelo reformismo.
Muitos seguem essas teorias porque são apaixonados pelo “novo”. Sempre houve adeptos do “novo” que, como dizia Nahuel Moreno há meio século, “nada mais é do que a negação da necessidade do programa e do partido marxista, em nome de algo muito mais antigo: o socialismo humanista, o terrorismo individual, elitista, típico de anarquistas e populistas, propaganda pelos fatos, o empirismo como desprezo pela teoria e programa, adoração de fatos e êxitos momentâneos” [3].
Com o passar dos anos o que se considera “novo” muda, mas a metodologia continua a mesma e as motivações continuam sendo as descritas por Moreno.
Mas, como sempre, a última palavra é da classe operária, que hoje mostra a sua força e o peso que tem a sua intervenção, não só nas lutas no Reino Unido, Itália, Alemanha, França, mas também no papel que joga na resistência ucraniana contra a invasão russa.
Ela está dando razão a Marx, a libertação dos trabalhadores será obra dos mesmos; está dando razão a Lênin, a única maneira de atingir esse objetivo é com a direção de um partido marxista revolucionário e está dando razão a Trotsky: a crise da humanidade é a crise de sua direção revolucionária.
Não há dúvida de que a grande tarefa continua sendo avançar na superação desta crise e assim fazer com que esses combates da classe operária caminhem na direção da destruição do imperialismo e da tomada do poder para a construção do Estado operário, como caminho para o socialismo.
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[1] “Guerra Popular Prolongada”, estratégia defendida pelo maoísmo, a partir da Terceira Revolução Chinesa, que foi produto de uma longa marcha do exército de Mao, que começou em 1928 e terminou em 1949.
[2] O general Charles de Gaulle liderou o exército francês no exílio e, após a Segunda Guerra, voltou como herói nacional. Em 1958 foi eleito primeiro-ministro e depois presidente. Sua estratégia era fortalecer o poder do presidente diminuindo o do parlamento, a ele se deve a cláusula constitucional que Macron usou para aprovar o aumento da idade de aposentadoria.
[3] Nahuel Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, Editorial xolotl, pág. 103.
Tradução: Lílian Enck