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quinta-feira, maio 16, 2024

Pela vida e pela saúde das mulheres, mobilizações pela Justiça para Beatriz

O caso de Beatriz

Beatriz foi uma mulher salvadorenha cujo caso comoveu o mundo. Com 21 anos, Beatriz, que sofria de lúpus e artrite reumatoide, ficou grávida. O produto dessa gravidez foi diagnosticado com anencefalia e, portanto, inviável, ou seja, não viveria. As condições de saúde com as quais Beatriz vivia faziam com que a interrupção da gravidez fosse uma luta contra o relógio para salvar sua vida.

Por: Minerva Solano e Diana Herrero Villarreal

Apesar do produto de sua gravidez não ter possibilidades de sobreviver, da vontade que Beatriz tinha de viver uma vida digna e da opinião da comissão médica que avaliava seu caso, passaram-se 81 dias até que se pudesse interromper a gravidez de Beatriz. Infelizmente, Beatriz já havia sido submetida a condições tortuosas que a deixaram com sequelas físicas e psicológicas que terminariam por acabar com sua vida.

Apesar de não ser uma condição tão incomum, em El Salvador não existe a legislação necessária para salvaguardar a vida e o bem estar das mulheres e gestantes que se encontram na mesma situação de Beatriz. Em El Salvador, a interrupção da gravidez, seja de forma espontânea ou voluntária, é um delito pelo qual em torno de 196 mulheres foram criminalizadas nos últimos 20 anos e muitas delas enfrentam penas de prisão que chegam a 50 anos. Além disso, muitos/as dos/as profissionais da saúde que poderiam realizar a interrupção da gravidez em El Salvador temem ser presos/as se realizarem o procedimento.

Durante sua participação na audiência pública na Corte Interamericana de Direitos Humanos no dia 22 de março, a mãe de Beatriz destacou que sua filha foi vítima, entre muitas outras coisas, de perseguição por precisar interromper sua gravidez para salvaguardar sua vida. Além disso, o médico encarregado do processo obstétrico de Beatriz deixou evidente que ela confiou no sistema médico salvadorenho, já que mal tinha os recursos suficientes para viajar nas consultas de controle com ele.

Um feminicídio do estado burguês

O crime de Beatriz é um feminicídio* que o estado burguês salvadorenho perpetrou contra uma jovem mãe da classe trabalhadora. O feminicídio ou assassinato de uma mulher (ou corpo feminilizado) pelo fato de ser mulher é a expressão última e mais extrema de violência e terror. O estado burguês salvadorenho reduz as mulheres e gestantes, que não têm dinheiro nem recursos para viajar para realizar interrupções da gravidez em outros países, a meras incubadoras que têm que continuar se reproduzindo e duplicando o exército industrial de reserva mesmo que isso lhes custe a vida.

Se ocorresse uma sentença justa, o estado salvadorenho seria acusado de violar os direitos humanos de Beatriz. Embora o caso de Beatriz seja emblemático e tenha atraído a atenção internacional diante do que ocorre na nação centro-americana, não é o único. El Salvador não é o único país centro-americano onde as ditaduras e governos autoritários constantemente atacam o direito das mulheres e outras gestantes de decidir sobre seus corpos.

A Costa Rica não é exceção do que ocorre em países vizinhos, já que, depois de Carlos Alvarado usar a assinatura da Norma técnica de aborto terapêutico como moeda de troca para obter favores políticos, o governo atual de Rodrigo Chaves ameaça revogá-la.

A luta contra grupos antidireitos

Em 22 de março, coletivos feministas organizaram uma concentração do lado de fora da Corte IDH para poder observar a transmissão ao vivo da audiência pública, solidarizar-se com o movimento em outros países e inclusive compartilhar a dor. Entretanto, naquele espaço de dignidade, respeito e homenagem, um grupo de antidireitos, respaldado pelo discurso misógino do presidente, seu gabinete e deputados, se agruparam para se manifestar no mesmo espaço, sob a consigna enganosa de estar a “favor de salvar as duas vidas”. Em um ato de provocação, um grupo de homens com bandeiras azuis desrespeitaram a posição espacial pactuada na noite anterior e se aproximaram do toldo montado pelas agrupações feministas. Apesar da numerosa presença policial na rua em frente à Corte IDH, a polícia somente se aproximou do lugar da provocação antidireitos ao ser chamada ao espaço. Posteriormente se retiraram do espaço relutando e por petição de uma de suas dirigentes.

Este grupo antidireitos, a partir de seu discurso das “quatro mentiras sobre o caso de Beatriz” procura despolitizar o feminicídio perpetrado pelo estado burguês salvadorenho, já que asseguram que ambas vidas poderiam ter sido salvas, quando os especialistas no caso asseguraram com provas que isso é mentira. Além disso, estas agrupações dizem que não se tratou de uma violência baseada no fato de Beatriz ser mulher e explorada pelo sistema capitalista.

Lembremos que é falso que os movimentos antidireitos buscam salvar as duas vidas, como tragicamente se evidencia neste caso em que o feto não era viável e a mulher acabou morrendo em parte porque não teve acesso à interrupção de sua gravidez não viável. Os grupos antidireitos ostentam um desprezo misógino pela vida, saúde e capacidade de tomada de decisões das mulheres, especialmente as da classe trabalhadora, frequentemente racializadas. A OMS documentou que restringir o acesso à interrupção de gestações inviáveis ou não desejadas, não reduz a quantidade de abortos, mas faz com que sejam realizados em condições inseguras, que não apenas deixam de gerar o nascimento de nenhum bebê, mas também colocam em perigo a vida plena das mulheres.

Luta social pelo acesso das mulheres à saúde

Representantes de diferentes coletivos feministas de toda a América Central compareceram e se organizaram para respaldar a realização de justiça para Beatriz e muitas outras mulheres que foram assassinadas pelos estados burgueses centro-americanos. Entretanto, apesar do otimismo que uma resolução a favor de Beatriz poderia proporcionar, é imperativo lembrar que estas vitórias jamais serão definitivas nem duradouras enquanto o capitalismo continuar de pé.

Fotografia tirada por Minerva, na concentração de 22 de março, 2023, na Corte IDH, San José, Costa Rica

Devemos continuar nos organizando para a luta, batalha por batalha, pela emancipação das mulheres trabalhadoras de toda opressão e exploração. Nesse sentido, o PT respalda o movimento internacional pela exigência de Justiça para Beatriz, assim como na Costa Rica, a defesa da norma técnica para a interrupção da gravidez e que o acesso a este procedimento de saúde seja garantido a todas as mulheres, independentemente de sua condição de classe ou nacionalidade. Consideramos que assumir a luta pelo acesso das mulheres à saúde, inclusive sua saúde reprodutiva e seu direito de decidir sobre seus corpos, é uma tarefa de todas as organizações políticas que defendem a classe trabalhadora, sindicatos, partidos políticos e outras, porque nossa luta deve buscar acabar com todo tipo de exploração e opressão.

Justiça para Beatriz!

Nenhuma vida se salva eliminando o acesso ao aborto terapêutico!

Na Costa Rica, precisamos da norma técnica para evitar a morte de mulheres!

Nós mulheres exigimos poder decidir sobre nossos corpos e nossas vidas!

Aborto livre, legal e gratuito, para que nem uma operária mais morra em abortos clandestinos!

Anticonceptivos gratuitos e de qualidade para todas as idades e nacionalidades!

Educação sexual, laica e científica para a juventude!

*Nota: Usamos feminicídio quando uma mulher é assassinada pela sua condição de gênero, entendendo que sempre há responsabilidade direta ou indireta do Estado.

Tradução: Lílian Enck

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