qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Construir a Europa dos povos contra a Europa do capital

No Em Luta e na organização internacional que construímos – a LIT-QI – estamos convencidos de que o estudo e a compreensão global dos vários acontecimentos e realidades à escala internacional são a melhor ajuda para a militância e intervenção nacional e local.

Por: Edu Dário – Em Luta/Portugal

A crise da Troika e as lutas sociais: Como chegamos aqui?

Um pouco por todo o mundo, a pauperização, a desigualdade e frustração sociais, a miséria de largos milhões de seres impostas pelo capitalismo mundial são uma realidade em crescimento, particularmente após a crise de 2008-2009.

Em Portugal, o período que imediatamente se seguiu tem referências que ainda hoje perduram: o governo “socialista” de José Sócrates (cujo n.º 2 era António Costa…) afundou-se ao procurar oxigénio nos ataques ‘austeritários’ dos famosos PECs (Planos de Estabilidade e Crescimento) e ao render-se aos empréstimos da chamada Troika (Comissão Europeia, FMI e BCE). Mas José Sócrates não seria despedido sem enfrentar ainda, a 12 de março de 2011, a enorme mobilização da Geração à Rasca, que daria o tom para as lutas dos anos seguintes.

Seguiram-se os “refrescados” governos de Passos Coelho/PSD/CDS e o extraordinário ‘ascenso do movimento de massas de 2011-2013’. A 15 de outubro de 2011 ocorreram em várias capitais europeias – incluindo em Lisboa, apoiada em assembleias democráticas – manifestações radicalizadas. Em 15 de setembro de 2012 ocorreu a maior manifestação desde maio de 1974, que obrigou o Governo recém-eleito de Passos Coelho a retirar a TSU (Taxa Social Única, que baixava a contribuição social do patronato e elevava a dos trabalhadores…), o que abriu “uma enorme crise política no Governo”. Seguiram-se novas mobilizações: greve geral a 24 de novembro de 2012; a manifestação “Que se lixe a Troika” em março de 2013; nova greve geral a 27 de junho de 2013…

BE (Bloco de Esquerda) e PCP (Partido Comunista Português) aplicaram a política de ‘dividir para reinar’. Por um lado, mobilizações operárias e enquadradas pelo aparelho sindical, por outro, mobilizações dos movimentos sociais e da juventude. Perante este impasse, as promessas da “derrota do governo de direita de Passos Coelho” por via das eleições foram abrindo caminho: as eleições de outubro de 2015 deram a vitória à “maioria de esquerda”. Reconstitui-se a paz social, os governos burgueses de Costa e da “geringonça” PS-BE-PC que se seguiram durariam 5 Orçamentos Gerais do Estado até janeiro de 2022, alinhados com a NATO, com o BCE/UE . Entretanto a maioria das medidas da Troika não foi anulada, as várias agências financeiras imperialistas de rating subiram a sua cotação da economia portuguesa e o conjunto das principais empresas portuguesas viram subir continuamente os seus resultados líquidos entre 2015 e 2021: de 9,7mil milhões de euros para 20 mil milhões (à exceção do ano da pandemia de 2020)!…

A UE, a dívida e as contas certas

A desmontagem das ajudas milagrosas e sonhos sobre a União Europeia propalados pelas burguesias e aparelhos governamentais dos países europeus não poderá ser feito cabalmente aqui. Será a experiência da mobilização dos povos e trabalhadores europeus que colocará a nu a sua verdadeira natureza opressora, exploradora, capitalista e imperialista e impulsionará a construção de uma verdadeira Europa dos povos e da classe trabalhadora. Enquanto bajulam a sua UE, aqueles serventuários nacionais gozam privilégios, traficam influências ou mergulham nas fraudes e corrupção, enquanto tentam apagar qualquer alternativa à “sagrada união”.

Foi o caso da “Crise da Dívida Pública da Zona Euro” que, na sequência do vendaval originado pela falência em 2008 do banco norte-americano Lehman Brothers, atingiu principalmente os países do sul europeu, em particular Portugal e Grécia, então os mais fracos da dita “União”. Os ‘resgates’ que se seguiram – quer dizer, os empréstimos às finanças públicas caucionados pela Troika (FMI, Banco Mundial e BCE) – exigiram em troca cortes selvagens e retrocessos históricos nos sistemas de saúde, educação, direitos sociais e económicos daqueles países servilmente aplicados põe José Sócrates e Passos Coelho. A dívida pública em Portugal deu um salto, de 75% do PIB em 2008 para 131% em 2016, situando-se em 127% em junho de 2022 (Eurostat, BP). Na Grécia ela passaria de cerca de 115% em 2008 para 175% em 2014.

Costa, bom aluno da UE

António Costa e a sua maioria absoluta levantam a bandeira da antecipação do pagamento da dívida pública em nome das “contas certas” da UE. Assim, num processo que faz lembrar os roubos impostos pela Troika, alguns dos milhares de milhões de euros que também são roubados ao povo português por via do extraordinário aumento de impostos resultante da inflação irão aumentar o capital improdutivo e financeiro na posse de especuladores nacionais e internacionais, fundos financeiros, etc., em vez de serem investidos no desenvolvimento económico e travagem da pauperização, no SNS, na educação, na habitação… Para o 1.º ministro “socialista” o projeto para Portugal continua a ser o de um país fornecedor de mão de obra barata, de turismo, totalmente dependente dos investimentos convenientes para as fortes burguesias europeias, de grande desigualdade…

BCE: e não se pode demiti-lo?

Mas esta denúncia da UE também tem de incluir o principal instrumento de imposição da sua política económica, que é o BCE. Ironicamente, é-lhe atribuída a missão de preservar o “poder de compra do Euro”, e a… “estabilidade de preços”! Esta eminência que ninguém elegeu determina muitas das condições de vida da generalidade dos cidadãos europeus através das suas ordens impostas por um “Conselho de Governadores” de cada banco central dos países da UE. Em Portugal, o governador do Banco de Portugal é Mário Centeno, integrante portanto do BCE, ex-ministro das Finanças dos governos da Geringonça até junho de 2020.

A par do seu falhanço estrondoso em combater a inflação que todas as famílias da classe trabalhadora sentem no dia a dia e que se manterá durante 2023, o BCE é também famoso pela determinação da chamada taxa-base Euribor, a taxa que, somada aos lucros bancários, determina em grande medida os juros que as famílias pagam aos bancos pelos empréstimos para habitação. Segundo o jornal Público de 5 de janeiro, 54% dos empréstimos verão as respetivas taxas agravadas até fevereiro e 31% entre março e abril…

Para os burgueses do BCE, a causa da inflação é a existência de dinheiro a mais na sociedade, ou, como dizem, “a oferta no mercado”; como tal a solução é diminuir a quantidade de dinheiro, tornando-o mais caro, adaptando-o à quantidade de mercadorias existentes.

António Costa e Mário Centeno/BCE continuam, assim, a formar uma dupla bem unida: não lhes passa pela cabeça que os salários na produção capitalista têm um peso reduzido e que os preços das mercadorias sobem porque a classe capitalista disputa mais e mais lucros.

A alternativa virá da classe trabalhadora

Perante a crise que vivemos e que junta agora inflação e recessão, a classe trabalhadora tem que impor a sua solução: congelar de imediato os preços, orientar os capitais para a produção planificada de mercadorias socialmente necessárias, afastar a burguesia da gestão da produção…

Nesse sentido, se revisitamos, ainda que de forma bastante resumida, os acontecimentos que em Portugal têm refletido desde 2008 a evolução e o aprofundamento da crise generalizada do capitalismo globalizado, é porque julgamos que à escala nacional aqueles ilustram o principal desafio que a classe trabalhadora enfrenta em todo o mundo: aproveitar as oportunidades abertas com as revoltas e revoluções para construírem organizações revolucionárias à escala nacional e internacional que impulsionem nos vários países a luta anticapitalista até à tomada do poder e a expropriação da burguesia, e lancem as bases de uma economia planificada dependente apenas das necessidades e vontade da Humanidade.

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