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Irã tenta aprofundar laços econômicos com China e Rússia

Mourners take part in a funeral for victims of a mass shooting at a key shrine earlier in the week that killed more than a dozen worshippers, in Iran’s southern city of Shiraz, on October 29, 2022. – The Sunni Muslim extremist Islamic State group claimed responsibility for the October 26 attack on the Shiite shrine of Shah Cherah in the southern city of Shiraz. (Photo by MOHAMMADREZA DEHDARI / Isna news agency / AFP)
março 9, 2023

A prisão e morte de Jhina Mahsa Amini, uma mulher curda-iraniana de 22 anos, por não usar o hijab “corretamente” desencadeou uma onda de protestos liderados por mulheres que estão desafiando o regime iraniano de forma inédita. Embora seja muito cedo para avaliar como os protestos afetarão as instituições políticas do país, uma análise preliminar indica que eles levarão o presidente Ebrahim Raisi a intensificar os esforços para aprofundar os laços econômicos com a China e a Rússia.

Por: Gabriel Huland

O Irã passa por uma grave crise econômica, talvez a pior desde os anos 1980, quando a Guerra Irã-Iraque provocou uma contração de mais de 50% do PIB per capita do país.[1] Na perspectiva do regime, estreitar alianças com a China e a Rússia é a forma mais viável de criar a margem fiscal que permitiria ao governo iraniano aliviar a pressão social sobre a população mais atingida pelo atual cenário de baixo crescimento, alta inflação e desvalorização do rial iraniano.

Os protestos atuais são os maiores desde que o “Movimento Verde” desafiou a vitória fraudulenta de Mahmoud Ahmadinejad nas eleições presidenciais de junho de 2009. As manifestações começaram em Teerã em 16 de setembro de 2022, quando Jhina foi declarada morta pelas autoridades iranianas, mas rapidamente se espalharam para diferentes partes do país, incluindo os importantes centros urbanos de Mashhad e Isfahan e as empobrecidas províncias rurais do Curdistão e Sistão-Baluchistão. Segundo a Al Jazeera, mais de 1.000 protestos em aproximadamente 150 cidades ocorreram desde então. Os manifestantes pedem a queda do regime, incluindo o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã desde 1989, e Ebrahim Raisi, o recém-eleito chefe do governo. As manifestações e ocupações ocorrem em praças públicas, universidades, escolas e locais de trabalho. Petroleiros, bombeiros e outros segmentos da classe trabalhadora aderiram aos protestos, algo que não acontecia desde a revolução de 1979.

O regime iraniano respondeu aos protestos com extrema violência. A ONG Human Rights Watch informou que a polícia iraniana e grupos paramilitares mataram mais de 500 pessoas e prenderam quase 20.000 desde o início das primeiras manifestações. Como outros regimes autoritários fizeram diante de rebeliões populares, as autoridades iranianas se recusaram a reconhecer os protestos, chamando-os de tumultos incitados por países estrangeiros, como Estados Unidos e Israel. Em um discurso durante as comemorações do 44º aniversário da revolução iraniana, o presidente Raisi se referiu aos protestos como atividades ilegais contrárias aos valores da República Islâmica. Apesar da violência empregada para reprimir as manifestações, alguns ativistas afirmam que o governo relaxou algumas regras que regulam o uso do hijab no Irã.

As mulheres iranianas enfrentam a opressão de um dos regimes mais autoritários do mundo. Elas sofrem com a imposição de um código de vestimenta abusivo e muitas restrições em questões como divórcio, custódia dos filhos, casamento e direitos de herança. As mulheres encontram muito mais barreiras do que os homens para participar do mercado de trabalho e da vida pública em geral. Como afirma Tawseef Ahmed Mir, “as mulheres [iranianas] estão em uma posição desvantajosa devido à sua relativa falta de acesso adequado à educação, poder econômico e voz na tomada de decisões econômicas e políticas. Enquanto as mulheres carregam o peso maior de garantir o bem-estar de suas famílias, elas também são as mais vulneráveis economicamente. As mulheres têm mais dificuldade em encontrar empregos, estão entre as primeiras a serem demitidas e têm menos direitos trabalhistas. Como são as responsáveis primárias por realizar as tarefas domésticas, sofrem com o stress de tentar alimentar suas famílias, obter medicamentos e comprar produtos básicos em meio a níveis vertiginosos de inflação”.[2]

As mulheres e outros grupos discriminados, como os curdos e os balúchis, estão desempenhando um papel de destaque nos protestos porque são os que mais sofrem com as crescentes dificuldades econômicas que o povo iraniano vem enfrentando nos últimos anos. Os protestos não são apenas sobre o código de vestimenta abusivo, mas também o resultado de uma situação considerada insustentável por um número crescente de pessoas no país. De acordo com o Iran International, um site de notícias privado com sede no Reino Unido, mais de um terço da população iraniana vive em extrema pobreza, um número que dobrou em 2022. Para estar acima da linha da pobreza, uma família de quatro pessoas deve ter uma renda mensal de pelo menos US$500 (aproximadamente R$2.600). As taxas de inflação no ano fiscal de 2022 ultrapassaram 50% e o rial desvalorizou cerca de 50% no mesmo período. Atualmente, a taxa de desemprego gira em torno de 10% entre a população em geral, mas sobe para 15% entre os jovens. Enquanto quase 70% da população masculina é economicamente ativa, apenas 13% das mulheres estão empregadas ou procurando emprego. O salário mínimo no país é de aproximadamente US$150 (aproximadamente R$780).

A crise econômica é resultado de vários fatores. Primeiro, os Estados Unidos e outros países vêm impondo sanções ao Irã por mais de quatro décadas. Um regime de sanções contra o Irã está em vigor desde que a revolução de 1979 derrubou o regime pró-imperialista de Mohammad Reza Pahlavi. As sanções incluem bilhões de dólares em ativos iranianos que são mantidos ilegalmente congelados em bancos norte-americanos e a proibição do comércio de bens e tecnologia com o país, especialmente petróleo e produtos petroquímicos. O governo Obama suspendeu algumas dessas sanções como parte do acordo nuclear de 2015 entre os Estados Unidos, a União Europeia e o Irã, que previa a regulamentação do programa nuclear iraniano. O acordo foi celebrado como um grande avanço diplomático do governo Obama. No entanto, o período de distensão entre os Estados Unidos e o Irã durou pouco. Com a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA em 2017, as sanções foram reimpostas, levando o país a uma recessão de dois anos. Em 2018-2020, o governo Trump impôs mais de 960 sanções contra o Irã ou autoridades iranianas. O fato de o governo dos EUA ter se recusado a suspender o embargo ao sistema de saúde do Irã durante a pandemia da COVID-19, quando o país enfrentava um alto número de infecções, hospitalizações e mortes, simboliza a natureza brutal do regime de sanções imposto ao Irã pelos Estados Unidos e seus aliados.

Os atuais problemas econômicos do Irã também são resultado das reformas econômicas que sucessivos governos realizaram desde o fim da Guerra Irã-Iraque (1980-88). O primeiro pacote de reformas, introduzido durante as duas presidências do presidente Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-1997), incluiu um programa limitado de privatizações e a liberalização parcial do comércio e pequenas mudanças na gestão da taxa de câmbio. As reformas visavam reconstruir a economia, expandindo o setor privado e atraindo investimentos estrangeiros. Diferentes analistas afirmam que esse programa de liberalização foi deficiente e ineficaz porque a privatização de empresas estatais beneficiou sobretudo fundações e indivíduos ligados ao governo. Por exemplo, metade das ações das 331 empresas que foram, total ou parcialmente, “privatizadas” durante 1989-1994 se transformaram em propriedade de organizações paraestatais.[3]

Apesar de sua natureza tendenciosa e corrupta, as reformas mudaram irreversivelmente a economia do país. À semelhança do que ocorreu em outros países da região, como Egito e Síria, embora em ritmo mais lento, as reformas criaram uma nova classe capitalista que surgiu de dentro das estruturas do regime, tornando-se relativamente autônoma em relação ao Estado, mas ainda fortemente dependente dele. Esta nova classe está ligada ao Corpo da Guarda Revolucionária Iraniana (IRGC, sigla em inglês), especialmente aos membros da milícia Basij. Em 2009, Roozbeh Safshekan e Farzan Sabet escreveram que “entre 1979 e 2009 podemos ver a transformação da Guarda Revolucionária de uma milícia pró-Khomeini em um vasto complexo social, político, econômico e de segurança que hoje permeia todos os aspectos da sociedade iraniana”.[4]

Na mesma linha, Ali Alfoneh afirma que a IRGC é uma potência econômica. Em suas palavras, “Por mais importante que seja sua influência política, a Guarda Revolucionária também tem influência econômica. Dentro da República Islâmica, e cada vez mais no comércio externo do Irã, a IRGC é uma potência econômica. De suas modestas atividades de reconstrução durante a pós-guerra, reconfigurou-se como ator dominante em grandes projetos de infraestrutura. Procurou aprofundar sua participação nas indústrias de defesa para entrar no lucrativo setor de bens de consumo, mesmo às custas de empresas privadas. Seu envolvimento no mercado ilegal frustra os empresários iranianos.”[5]

As grandes reservas de petróleo do Irã impediram o colapso do país, apesar de mais de 40 anos de isolamento internacional e políticas de liberalização que criaram uma nova classe capitalista. As vendas de petróleo ainda representam quase 80% das exportações do país, sendo a China seu principal comprador. De acordo com uma empresa de inteligência de dados citada pela Reuters, “as importações chinesas de petróleo iraniano em dezembro [de 2022] atingiram um novo recorde de 1,2 milhão de barris por dia, um aumento de 130% em relação ao ano anterior”.[6] O Irã também vende petróleo bruto e produtos derivados do petróleo para a Venezuela e a Síria. O Presidente Raisi concluiu recentemente uma visita oficial a Pequim, na qual foi assegurado pelo líder chinês Xi Jinping que a parceria entre os dois países continuará a crescer. Mas o governo chinês enfrenta limitações para expandir a parceria com o Irã, principalmente porque também mantém relações estreitas com a Arábia Saudita, o maior rival do Irã no Oriente Médio. Outro parceiro importante do Irã é a Rússia, especialmente nas indústrias de armas e defesa. Como tem sido amplamente divulgado, o Irã está vendendo drones e mísseis que a Rússia está usando na Ucrânia.

A improbabilidade de um renascimento do acordo nuclear também empurra o regime iraniano a estabelecer parcerias estratégicas com a China e a Rússia. As recentes tentativas de retomar as negociações do acordo, empreendidas principalmente pela União Europeia, fracassaram. O governo Biden anunciou recentemente que não tentaria reviver o acordo e, em vez disso, procuraria “opções alternativas para garantir que a República Islâmica não conseguisse desenvolver armas de destruição em massa”.[7] “Opções alternativas” é provavelmente um eufemismo para continuar a política de “pressão máxima” do governo Trump de usar sanções econômicas para enfraquecer o governo iraniano. Mas os Estados Unidos não têm tantas opções para enfrentar o Irã, já que agora se encontram bastante ocupados com questões internas, assim como com a guerra na Ucrânia e a competição com a China. O último prego no caixão do acordo nuclear foi a resposta brutal do regime iraniano aos protestos, que acrescentou tensão à já frágil relação entre os Estados Unidos, a União Europeia e o Irã. Além disso, a política externa regional do Irã de buscar mais influência e interferir na política de países como Iraque, Líbano (via Hezbollah), Síria e Iêmen reduz a perspectiva de um entendimento com os países ocidentais.

A atual onda de protestos no Irã está representando um dos desafios mais graves que o regime iraniano enfrentou em muito tempo. O governo de Raisi se encontra “espremido” entre uma poderosa onda de protestos que exige a queda do regime dos aiatolás e uma ordem internacional marcada por polarização, conflitos e crise econômica. Mesmo que os protestos diminuam por agora, uma nova onda de manifestações no futuro próximo não pode ser descartada. Esta situação está levando o regime a redobrar seus esforços para aprofundar os laços com a China e a Rússia, como forma de aliviar as pressões sociais sobre a população causadas pela crise econômica. No entanto, ainda não se sabe até que ponto esses esforços serão bem-sucedidos.


[1] Melani Cammett, Ishac Diwan, Alan Richards and John Waterbury. A Political Economy of the Middle East.

[2] Tawseef Ahmad Mir. “Living under Sanctions: The Perils of Being a Woman in Iran.”

[3] Kevin Harris. “Vectors of Iranian Capitalism: Privatization Politics in the Islamic Republic,” 221.

[4] Roozbeh Safshekan and Farzan Sabet. “The Ayatollah’s Praetorians: The Islamic Revolutionary Guard Corps and the 2009 Election Crisis.”

[5] Ali Alfoneh. “How Intertwined Are the Revolutionary Guards in Iran’s Economy?”

[6] Alex Lawler. “Bozorgmehr Sharafedin and Chen Aizhu. Iranian oil exports end 2022 at a high, despite no nuclear deal.” Reuters. January 15, 2023. https://www.reuters.com/business/energy/iranian-oil-exports-end-2022-high-despite-no-nuclear-deal-2023-01-15/.

[7] Tom O’Connor. “With No Nuclear Deal, US Eyes ‘Other Options,’ Iran Says JCPOA ‘Only’ Way.” Newsweek. January, 27, 2023. https://www.newsweek.com/no-nuclear-deal-us-eyes-other-options-iran-says-jcpoa-only-way-1777205.

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