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sexta-feira, julho 26, 2024

Princípios e táticas na Guerra

Por Rudolf Klement. Publicado pela primeira vez em 1937, e revisado de acordo com as mudanças sugeridas por L. Trotsky. Traduzido para o inglês e publicado em The New International, Volume 4, No. 5 de maio de 1938.

A resenha do livro The Case of Leon Trotsky na primeira edição do jornal Der Einzige Weg cita uma interessante declaração do companheiro Trotsky sobre as diferenças nas tarefas do proletariado durante uma guerra entre a França e a União Soviética, e entre a Alemanha e o Japão (reproduzida aqui de forma um tanto mais completa):

STOLBERG: A Rússia e a França já têm uma aliança militar. Suponha que uma guerra internacional irrompa. Não estou interessado no que você diz sobre a classe operária russa. Eu já sei. O que o senhor diria à classe operária francesa em referência à defesa da União Soviética? “Mudem o governo burguês francês”, é isso que você diria?

TROTSKY: Esta pergunta é mais ou menos respondida nas teses A Guerra e a Quarta Internacional, neste sentido: na França eu permaneceria em oposição ao governo e desenvolveria sistematicamente esta oposição. Na Alemanha, eu faria todo o possível para sabotar a máquina de guerra. Estas são duas coisas diferentes. Na Alemanha e no Japão, eu aplicaria métodos militares na medida em que pudesse lutar, opor-me e danificar a maquinaria, a maquinaria militar do Japão, para desorganizá-la, tanto na Alemanha como no Japão. Na França, é a oposição política à burguesia e a preparação da revolução proletária. Ambos são métodos revolucionários. Mas na Alemanha e no Japão tenho como meu objetivo imediato a desorganização de toda a maquinaria. Na França, eu tenho o objetivo da revolução proletária…

GOLDMAN: Suponha que você tivesse a oportunidade de tomar o poder na França durante a guerra. Você aproveitaria esta oportunidade se tivesse a maioria do proletariado?

TROTSKY: Naturalmente. (página 289 em diante)

Nos limites de uma resenha, era naturalmente impossível, com esta afirmação coloquial específica isolada, semi-improvisada e necessariamente incompleta, desenvolver os problemas gerais da luta revolucionária durante a guerra ou mesmo lançar luz teórica suficiente sobre essa questão específica. Uma vez que a citação acima levou, desde sua publicação, a inúmeros mal-entendidos, e pior, a distorções maliciosas (“eles estão se preparando para a paz civil na França”, renunciam ao derrotismo revolucionário, etc!), vale a pena reparar este descuido.

Quanto aos princípios básicos da luta revolucionária contra e durante a guerra, considerações de espaço obrigam-nos a nos concentrar aqui em nossas teses sobre a guerra [A guerra e a Quarta Internacional], que foram adotadas em maio de 1934 pelo Secretariado Internacional de nosso movimento, e que desde então constitui um dos mais importantes documentos programáticos do bolchevismo, adquirindo mais importância a cada dia.

Com relação à questão específica que nos interessa, o camarada Trotsky, na declaração acima mencionada, faz referência aos seguintes pontos das teses sobre a guerra:

44. O proletariado internacional, que defenderá sempre com determinação e abnegação o Estado operário na luta contra o imperialismo, não se tornará, entretanto, aliado dos aliados imperialistas da URSS. O proletariado de um país capitalista aliado à URSS deve manter uma completa e absoluta hostilidade intransigente contra o governo imperialista de seu próprio país. Neste sentido, sua política não será diferente da do proletariado do país que luta contra a URSS. Mas, no que diz respeito à atividade concreta, podem surgir diferenças consideráveis de acordo com a situação da guerra. Por exemplo, seria absurdo e criminoso, no caso de uma guerra entre a URSS e o Japão, que o proletariado americano sabotasse o carregamento de munições americanas para a URSS. Mas, o proletariado de um país que luta contra a URSS seria absolutamente obrigado a recorrer a ações desse tipo: greves, sabotagem, e assim por diante.

45. A oposição proletária intransigente ao aliado imperialista da URSS deve basear-se na política de classe internacional e nos objetivos imperialistas desse governo, no caráter traiçoeiro da “aliança”, em suas especulações sobre um retorno da URSS ao capitalismo, e assim por diante. Portanto, a política de um partido proletário tanto num país “aliado” quanto num país imperialista inimigo deve ser orientada para a derrubada revolucionária da burguesia e para a tomada do poder. Somente desta forma será criada uma verdadeira aliança com a URSS e o primeiro Estado operário será salvo do desastre.

As guerras dos últimos anos não representaram uma luta direta entre potências imperialistas, mas expedições coloniais (Itália-Abissínia, Japão-China) e conflitos sobre esferas de influência (China, Chaco, e em certo sentido também, a Espanha) e, portanto, não degeneraram, por enquanto, em um conflito mundial. Hitler espera atacar a URSS amanhã, assim como o Japão está atacando a China hoje, ou seja, ele espera alterar o equilíbrio de poder imperialista sem violar diretamente os interesses essenciais dos outros imperialismos, mantendo assim o conflito como um conflito local. Estes eventos, que vêm ocorrendo desde 1934, mostraram claramente que as teses acima sobre a atitude do proletariado dos países imperialistas são válidas não apenas em uma guerra antissoviética, mas em todas as guerras em que a URSS deve alinhar-se com um dos lados beligerantes; e isto se aplica precisamente às guerras que testemunhamos nos últimos anos.

*

A guerra não é mais do que a continuação da política por outros meios. Assim, o proletariado deve continuar sua luta de classes em tempos de guerra, entre outras coisas com os novos meios que a burguesia coloca à sua disposição. Ele pode e deve usar o enfraquecimento de sua “própria” burguesia nos países imperialistas para preparar e levar adiante incansavelmente sua revolução social em conexão com a derrota militar engendrada pela guerra, e para tomar o poder. Esta tática, conhecida como derrotismo revolucionário e realizável internacionalmente, é uma das alavancas mais fortes da revolução proletária mundial em nossa época e, consequentemente, do progresso histórico.

Somente quando a luta é imperialista apenas de um lado, e é uma guerra de libertação das nações não-imperialistas, ou de um país socialista contra a ameaça da opressão imperialista – ou verdadeira opressão – do outro lado, bem como em guerras civis entre classes ou entre democracia e fascismo; o proletariado internacional não pode e não deve aplicar a mesma tática a ambos os lados. Reconhecendo o caráter progressista desta guerra de libertação, ele deve lutar decisivamente contra o principal inimigo, o imperialismo reacionário (ou o campo reacionário, no caso de uma guerra civil), ou seja, deve lutar pela vitória dos oprimidos política ou socialmente, ou daqueles prestes a serem oprimidos: a URSS, os países coloniais e semicoloniais como a Abissínia ou a China, ou a Espanha republicana, etc.

Também aqui, porém, ele tem plena consciência de sua irreconciliável oposição de classe à sua “própria” burguesia – ou sua oposição política à burocracia soviética – e não renuncia a nenhuma de suas posições independentes sem resistência. Como nos países imperialistas, ele luta com todas as suas forças pela revolução social e a tomada do poder, o estabelecimento de sua ditadura, o que, por si só, torna possível uma vitória segura e duradoura sobre os imperialistas. Mas, em tais casos, não pode – e de fato não deve – como no campo imperialista, buscar a vitória revolucionária à custa da derrota militar, mas sim na perspectiva da vitória militar de seu país.[1]1

A luta de classes e a guerra são fenômenos internacionais, e são decididos internacionalmente. Mas, como cada luta permite apenas dois campos (bloco contra bloco) e como as lutas imperialistas se entrelaçam com a guerra de classes (imperialismo mundial – proletariado mundial), surgem muitos casos complexos e multifacetados. A burguesia dos países semicoloniais ou a burguesia liberal ameaçada por seu “próprio” fascismo, recorre à ajuda de imperialismos “amigos”; a União Soviética, por exemplo, tenta utilizar os antagonismos entre imperialismos fechando alianças com um grupo contra outro, e assim por diante. O proletariado de todos os países, a única classe com solidariedade internacional – e, portanto, a única classe progressista entre outras coisas – encontra-se na situação complicada em tempos de guerra, especialmente na nova guerra mundial, de combinar o derrotismo revolucionário em relação à sua própria burguesia com o apoio às guerras progressistas.

Esta situação é utilizada ao máximo neste momento, e certamente será utilizada amanhã, pelos social-patriotas de tipo social-democrata, pelos stalinistas ou anarquistas, para que os proletários se deixem massacrar pelos lucros do capital sob a ilusão de ajudar seus irmãos na URSS, na China e no resto do mundo. Isto serve aos social-traidores, além disso, para retratar os revolucionários não apenas como “traidores da pátria”, mas também como “traidores da pátria socialista” (assim como agora são denunciados aos gritos como agentes de Franco). Esta é uma razão fundamental pela qual o proletariado, principalmente nos países imperialistas, precisa ter, nesta situação claramente contraditória, uma compreensão bastante clara destas tarefas combinadas e dos métodos para realizá-las.

Na aplicação do derrotismo revolucionário contra a burguesia imperialista e seu Estado, não pode fazer nenhuma diferença fundamental se este último é “amigo” ou hostil à causa apoiada pelo proletariado, se está em aliança – traiçoeira – com os aliados do proletariado (Stalin, a burguesia dos países semicoloniais, os povos coloniais, o liberalismo antifascista), ou se está travando uma guerra contra eles. Os métodos do derrotismo revolucionário não mudam em nada: a propaganda revolucionária, a oposição inconciliável ao regime, a luta de classes desde sua forma puramente econômica até sua forma política mais elevada (insurreição armada), a confraternização das tropas, a transformação da guerra em guerra civil.

A defesa internacional dos Estados proletários, dos povos oprimidos que lutam por sua liberdade e o apoio internacional à guerra civil armada antifascista, no entanto, deve, naturalmente, assumir diferentes formas dependendo de se a “própria” burguesia os apoia ou luta contra eles. Além da preparação política da revolução social, cujos ritmos e métodos não são de forma alguma idênticos aos da guerra, esta defesa deve naturalmente assumir formas militares. Além do apoio revolucionário, ele consiste, portanto, no apoio militar à causa progressista, bem como nos danos militares infligidos a seu oponente imperialista.

O apoio militar pode, naturalmente, adquirir alcance decisivo somente onde o próprio proletariado tem as alavancas do poder e da economia em suas mãos (a URSS, e até certo ponto a Espanha no verão de 1936). Nos países imperialistas, aliados aos países que fazem guerras progressistas e revolucionárias, resume-se a isto: que o proletariado luta por meios revolucionários por um apoio militar direto, efetivo à causa progressista e controlado pelo proletariado (“Aviões para a Espanha!” gritaram os trabalhadores franceses). Em qualquer caso, deve promover e controlar o apoio militar direto realmente garantido (o envio de armas, munições, alimentos, especialistas, etc.), mesmo ao custo de uma “exceção” à luta de classes direta[2]2. Deve-se deixar ao discernimento e instinto revolucionário do proletariado, que está bem ciente de suas tarefas, fazer a distinção correta em cada situação concreta, para evitar prejudicar os interesses militares do aliado distante do proletariado por causa de considerações estreitas da luta de classes nacional, por mais revolucionárias que possam parecer, assim como para evitar fazer um trabalho sujo para seu “próprio” imperialismo sob o pretexto de dar ajuda indireta a seus aliados. A única ajuda real e decisiva que os trabalhadores podem dar a seus aliados é tomar o poder e mantê-lo em suas mãos.

Sucede o contrário – no que diz respeito à forma externa de sua luta – com o proletariado dos imperialismos engajados em uma luta direta contra a causa progressista. Além de sua luta pela revolução, é seu dever realizar a sabotagem militar em benefício do “inimigo” – o inimigo da burguesia de seu país, mas seu próprio aliado. Como um meio de derrotismo revolucionário na luta entre os países imperialistas, a sabotagem militar, como o terror individual, é totalmente inútil. Ela não substitui a revolução social, nem sequer a faz avançar um centímetro, e nada mais faz do que ajudar um imperialismo contra outro, enganando a vanguarda, semeando ilusões entre as massas e assim facilitando o jogo dos imperialistas[3]3. Por outro lado, a sabotagem militar é imperativa como uma medida imediata em defesa do campo que luta contra o imperialismo e que consequentemente é progressista. Como tal, isto é entendido pelas massas, acolhido e encorajado por elas.  A derrota do “próprio” país aqui torna-se não um mal menor obtido na negociação (um mal menor que a “vitória” comprada pela paz civil e o abandono da revolução), mas o objetivo direto e imediato, a tarefa da luta proletária. A derrota do “próprio” país, neste caso, não seria um mal de forma alguma, ou um mal muito mais facilmente levado à negociação, pois significaria a vitória do povo libertado do jugo imperialista existente ou potencial e do proletariado de seu inimigo sobre inimigo comum, o capital imperialista. Tal vitória seria um poderoso ponto de partida para a revolução proletária internacional, entre eles os países imperialistas “amigos”[4]4.

Assim, vemos como diferentes situações de guerra exigem do proletariado revolucionário dos diferentes países imperialistas – se ele deseja permanecer fiel a si mesmo e a seu objetivo – diferentes formas de luta, o que pode parecer aos espíritos esquemáticos “desvios” do princípio básico do derrotismo revolucionário, mas que na realidade resultam da combinação do derrotismo revolucionário com a defesa de certos campos progressistas.

Além disso, de um ponto de vista histórico superior, estas duas tarefas coincidem: em nossa época imperialista, a burguesia nacional dos países não-imperialistas – bem como a burocracia soviética – por causa de seu medo da classe operária que amadureceu internacionalmente para a revolução socialista e a ditadura do proletariado, não está em condições de travar uma luta vigorosa contra o imperialismo. Eles não ousam apelar para as forças do proletariado e, numa determinada fase da luta, inevitavelmente apelarão para o imperialismo para ajudá-los contra seu “próprio” proletariado. A completa libertação nacional dos países coloniais e semicoloniais da escravidão imperialista, e da União Soviética da destruição e anarquia capitalista externa e interna, a revolução democrática burguesa, a defesa contra o fascismo: todas estas tarefas só podem ser resolvidas, nacional e internacionalmente, pelo proletariado. Sua realização efetiva leva naturalmente à revolução proletária. A próxima guerra mundial será a explosão mais titânica e assassina da história, mas por causa dela todas as barreiras tradicionais também explodirão, e em suas chamas os movimentos de libertação e revolucionários de todo o mundo se fundirão em uma única torrente cintilante.

Apresentar claramente, imediatamente, ao proletariado os problemas da próxima guerra e suas tarefas combinadas; esta tarefa séria e difícil é uma das mais urgentes de nosso tempo. Somente os bolcheviques-leninistas assumiram a responsabilidade de armar o proletariado para sua luta e de criar o instrumento com o qual ele conquistará suas futuras vitórias: o programa, os métodos e a organização da Quarta Internacional.

Bruxelas, dezembro de 1937

W. ST.


[1] Deixamos de lado o caso em que as guerras entre dois países não-imperialistas nada mais são, ou predominam, do que o combate mascarado entre dois imperialismos estrangeiros – a Grã-Bretanha e os Estados Unidos na guerra do Chaco – ou o caso em que a guerra de libertação de uma nação oprimida é apenas um peão na mão de um lado imperialista e nada mais é do que uma parte de um conflito imperialista generalizado – a Sérvia de 1914 a 1918.

[2] Pode-se presumir com confiança que para a burguesia francesa em tempo de guerra, uma greve dos trabalhadores do porto de Marselha que faz uma exceção aos carregamentos de guerra para a Rússia, na qual ela não tem nenhum interesse, seria particularmente vexatória!  Não menos absurdo seria, por exemplo, no curso de uma greve dos gráficos, não permitir a impressão dos jornais dos trabalhadores que são necessários para a própria luta grevista.

[3] Lenin escreveu em 26 de julho de 1915 (ver Gegen den Strom) contra o falso slogan de Trotsky “Nem vitória nem derrota” e disse polemicamente: “E as ações revolucionárias durante a guerra significam, além de qualquer dúvida, não só o desejo de sua derrota, mas também o genuíno impulso para tal derrota (para o leitor ‘perspicaz’: Isto não significa de modo algum que ‘se deve explodir pontes’, que se deve organizar a sabotagem de ataques militares, ou que em geral os revolucionários devem ajudar a provocar uma derrota do governo)”. (ênfase minha – W.S.)

[4] Naturalmente, a sabotagem militar da própria burguesia em favor do adversário não-imperialista não deve ser estendida em favor de seu aliado imperialista. Os proletários alemães, por exemplo, tentarão desorganizar militarmente a frente oriental para ajudar a Rússia soviética; para a frente ocidental, onde uma guerra puramente interimperialista seria travada entre a Alemanha e a França aliada à URSS, “apenas” a regra do derrotismo seria válida, tanto para o proletariado francês como para o alemão.


 

 

 

 

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