Os protestos iranianos continuarão em 2023
Passaram-se mais de três meses desde a morte de Mahsa Amini sob custódia da Patrulha de Orientação Religiosa do Irã, mas os protestos movidos pela morte de Amini continuam desde Tabriz até Zahedan. A Voz dos Trabalhadores continua se solidarizando com os valentes manifestantes que lutam pelos direitos democráticos básicos contra a repressão estatal cada vez mais severa.
Por: Carlos Sapir
O véu que quebra as costas do regime
Sem minimizar a importância da motivação imediata dos protestos- pelos direitos das mulheres e contra a brutalidade policial-, é importante lembrar que estes protestos são baseados em ondas anteriores de distúrbios que ameaçaram o Estado iraniano. Desde 2017, os iranianos têm saído repetidamente às ruas para expressar sua raiva contra a austeridade econômica, a corrupção e a repressão estatal. Entretanto, a rodada de protestos mais recente se destaca pela sua persistência e seu caráter generalizado em todo o país, apesar das drásticas medidas adotadas pelo governo iraniano para tentar acabar com elas.
Várias centenas de manifestantes morreram nas mãos das forças estatais até dezembro de 2022, e calcula-se que quase 20.000 foram detidos. Alguns manifestantes foram condenados à morte por acusações frágeis de atacar as forças do Estado, e algumas execuções já foram realizadas publicamente. A repressão tem sido especialmente feroz contra as minorias étnicas dentro do Irã, sobretudo contra os baluchis e os árabes sunitas, assim como contra os curdos, o grupo étnico ao qual pertencia a própria Mahsa Amini.
Mais além de suas respostas violentas aos protestos, outras manobras do regime sugerem que perdeu o equilíbrio ao responder aos protestos generalizados. Publicamente, o regime manteve uma postura inquebrantável em defesa de suas políticas misóginas. Tentou impedir os protestos aplicando amplos cortes da Internet cuja manutenção calcula-se que custa ao país 37 milhões de dólares por dia. Com um custo significativo para o governo iraniano e a população geral do Irã, estes apagões impediram tanto a organização dentro do Irã como a capacidade dos jornalistas internacionais para cobrir os protestos.
Isto tem dado lugar a uma percepção artificial de calma em escala internacional, que se vê dramaticamente alterada quando os iranianos são capazes de contornar os bloqueios, como ocorreu durante a fase de grupos da Copa Mundial, quando os manifestantes iranianos puderam aproveitar sua presença no Qatar para difundir suas consignas a favor da Mulher, Vida e Liberdade do interior dos estádios de futebol durante as partidas do Irã. Inclusive os representantes oficiais do futebol iraniano se negaram a cantar o hino nacional iraniano em sinal de protesto após sua primeira partida no Mundial, embora mais tarde o fariam após os encontros seguintes (e provavelmente sob ameaças diretas do governo). Frente a esta resistência continuada dos iranianos, o governo iraniano seguiu com a absurda afirmação de que os protestos estão sendo incitados pela Arábia Saudita, e cancelaram as conversações diplomáticas em resposta, um sinal do crescente isolamento do regime.
Greves esporádicas em meio aos distúrbios em massa
Embora não tenha surgido uma liderança centralizada para o movimento de protesto e as coalizões sindicais não puderam convocar greves gerais em todo o país, os sindicatos industriais locais organizaram greves periódicas em solidariedade com os protestos, e estabelecendo a conexão entre as políticas econômicas antioperárias do regime iraniano e sua repressão às mulheres. Os protestos também se estenderam por mais de 100 universidades de todo o país. A capacidade dos trabalhadores para conectar sua militância trabalhista com o movimento de protesto mais amplo será decisiva para a capacidade dos movimentos de protesto de ameaçar o regime iraniano. Enquanto isso, há informes de resistência armada nas regiões curdas iranianas, com o apoio de organizações militantes curdas do outro lado da fronteira, no Iraque, enquanto a população curda oprimida do noroeste do Irã luta mais uma vez pela sua libertação nacional.
Nós socialistas apoiamos a lucha do povo iraniano
Como marxistas, apoiamos a luta do povo iraniano pelo fim das leis misóginas, da violência policial e da austeridade econômica antioperária. Embora o regime iraniano tente desviar a responsabilidade e pintar os protestos como maquinações de seus rivais regionais e do imperialismo estadunidense, estas acusações são ocas dada a natureza contínua e generalizada dos protestos. Ao mesmo tempo, nos opomos a qualquer intervenção militar ou econômica dos Estados Unidos ou de outras potências imperialistas, que só serviriam para desbaratar o movimento de protesto, minar sua legitimidade e impedir ainda mais que a classe operária iraniana controle o destino do Irã.
O fato de que alguns grupos neoestalinistas defendam o regime iraniano é uma prova de sua incapacidade para enfrentar a autocracia capitalista quando não agita uma bandeira estadunidense, assim como de sua própria amnésia histórica, dado que a República Islâmica presidiu o encarceramento e a execução de milhares de ativistas socialistas, fossem estalinistas, trotskistas ou pertencentes a outras tendências.
Mais além das lutas imediatas da classe operária iraniana, o Irã se converteu em um provedor vital de munições para a atual invasão russa na Ucrânia. Nesta capacidade, uma ameaça à existência do regime da República Islâmica também ameaça cortar a capacidade da Rússia de continuar sua invasão, forçando a retirada das forças russas da Ucrânia.
Estamos de acordo com a declaração da Liga Internacional dos Trabalhadores de 6 de dezembro em apoio aos protestos, que concluía: “Acreditamos que o atual regime do Irã deva ser substituído por um governo da classe operária. Só um governo formado e dirigido por trabalhadores, agricultores e pelas nacionalidades oprimidas poderá colocar o controle da economia nas mãos dos trabalhadores para construir uma sociedade livre da exploração, com saúde e educação gratuitas, e garantir todos os direitos democráticos, inclusive o direito de sucessão às minorias oprimidas, e a plena igualdade para as mulheres e as comunidades LGBTQ” (https://workersvoiceus.org/2022/12/06/iwl-statement-in-support-of-the-protests-in-iran/).
É função dos socialistas de todo o mundo criar laços de solidariedade e apoio com o povo trabalhador do Irã, pedir a libertação dos milhares de manifestantes encarcerados, proporcionar apoio material à classe trabalhadora do Irã, opor-nos às daninhas intervenções imperialistas e mobilizar nossos sindicatos, grupos de estudantes e organizações comunitárias para que se unam a nós nestes esforços de solidariedade.
Foto: Manifestantes no Irã exibem a foto de Mahsa Amini. (Osan Kose / AFP / Getty Images)
Tradução: Lilian Enck