“O partido mundial é a prioridade número um do movimento operário porque existe uma economia mundial e uma política mundial à qual as realidades nacionais estão subordinadas […] A existência de uma política mundial é característica do capitalismo e, como se trata de derrubá-lo é preciso um instrumento de acordo com essa realidade e essa tarefa […]”.
Nahuel Moreno, 1986.
Já se passaram 40 anos desde a realização do encontro de revolucionários pertencentes a diferentes países, que, por suas resoluções centrais, se transformou em um passo importante para avançar na superação do que, como Leon Trotsky definiu em 1938, é o maior problema de toda a humanidade: a crise da direção revolucionária do proletariado. O encontro foi em Bogotá. Aconteceu entre 5 e 11 de janeiro de 1982, e fundou o que hoje é chamada de Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI).
Por: Daniel Sugasti
Em um primeiro momento, o conclave foi convocado como uma “Reunião Internacional de Consulta”. A convocação foi dirigida a dirigentes da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Panamá, Peru, Portugal, Suécia, Uruguai e Venezuela. Camaradas da Nicarágua, El Salvador, Grécia, Bélgica, Alemanha e Turquia não compareceram, mas enviaram seu apoio.
A maioria dos presentes eram membros da antiga Fração Bolchevique (FB), organização revolucionária internacional cujo principal construtor e dirigente foi o trotskista argentino Hugo Miguel Bressano Capacete, conhecido como Nahuel Moreno. Essa corrente, por muitos anos, fez parte do então chamado Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU), a organização majoritária dentro do movimento trotskista desde sua reunificação em 1963. O maior expoente do SU foi Ernest Mandel. A ruptura com o ex SU, como veremos nos artigos do especial, ocorreu em 1979, em meio a duras polêmicas programáticas, políticas e, sobretudo, morais.
Em 1980, o setor dirigido por Moreno tenta uma unificação com outro dirigido por Pierre Lambert. Mas essa tentativa não durou muito, dada a capitulação da corrente lambertista ao governo de Mitterrand, que tomou posse em 1981.
Por isso, em meio a essa complexa situação, nem todos os presentes em Bogotá tinham sido parte da antiga FB. Essa reunião, que mais uma vez tinha como finalidade reagrupar os trotskistas ortodoxos, contou também com a presença do venezuelano Alberto Franceschi e Ricardo Napurí, então dois importantes dirigentes do antigo CORCI[1]. Precisamente, um dos motivos centrais da “Reunião Internacional de Consulta ” foi organizar a defesa da honra revolucionária de Napurí, caluniosamente atacada por Lambert e Jorge Villarán, dirigente do Partido Operário Marxista Revolucionário (POMR), organização peruana do lambertismo.
Nesse sentido, a reunião aprovou dois textos: “A Reunião Internacional de Consulta exige que o Protocolo seja respeitado”[2] e “Contra os caluniadores, em defesa da honra revolucionária de Ricardo Napurí e da moral proletária”. Mas houve uma terceira decisão, de natureza estratégica. Esta consistiu em converter aquele encontro internacional em uma Conferência Mundial da Fundação da Organização Trotskista Internacional.
Esta Conferência, além de discutir o balanço das últimas tentativas de unificação do movimento trotskista e as perspectivas de sua ala ortodoxa, deliberou sobre os princípios, o programa, os estatutos, as publicações, o nome e a direção de uma nova organização revolucionária internacional.
A premissa central para esta tarefa, posteriormente expressa em forma de tese, afirmava categoricamente que:
“A maior necessidade material e objetiva da humanidade, a revolução socialista mundial, tem um correlato subjetivo: uma direção revolucionária mundial. Sem esta, aquela é impossível. Assim, a crise da humanidade piora dia a dia sem solução […] A necessidade absoluta objetiva da revolução socialista mundial se concretiza, encarna, na necessidade absoluta subjetiva de uma direção revolucionária – não burocrática – internacional”.[3]
Convencidos desse entendimento histórico, a atual Liga Internacional dos Trabalhadores-Quarta Internacional –LIT (QI)– nasceu das deliberações desta Conferência. Este nome foi determinado, vale a anedota, pela estreita margem de dois votos, em contraposição com outra proposta que defendia como a denominação “Liga Internacional da Revolução Socialista-Quarta Internacional”.
Uma nova organização internacional revolucionária, leninista-trotskista, aparecia em cena, encarando o presente e com todo um futuro pela frente. O burburinho tomou conta daquelas poucas dezenas de camaradas presentes, todos eles militantes abnegados, sacrificados, experimentados pelos duros altos e baixos da luta de classes em seus países. O discurso final da Conferência de 1982, breve e emocionado, encerrou-se parafraseando as últimas palavras de Trotsky: “Estamos certos da vitória da Quarta Internacional”. Lágrimas escorriam por mais de um rosto. Os punhos estavam cerrados e erguidos. O final dos trabalhos, apesar do imenso cansaço após sete dias intensos, encontrou todos se abraçando, pulando e cantando: “Se esta não é a Quarta, onde está…”. Nahuel Moreno, com razão, podia sentenciar: “A existência de uma tendência trotskista ortodoxa é um fato”.
Foi assim que nascemos. Foi assim que surgiu esta corrente internacional, cujo passado e presente reivindicamos com imenso orgulho militante.
A partir de hoje, e durante as próximas semanas, apresentaremos aos nossos leitores uma série de artigos para celebrar o 40º aniversário da fundação da nossa organização internacional.
Todos terão o objetivo de resgatar determinados elementos de nossa trajetória militante, nossos princípios e principais experiências políticas. Entre outros tópicos, apresentaremos um histórico da LIT-QI até os dias atuais; abordaremos a necessidade e a possibilidade de uma revolução socialista mundial; a intervenção da corrente morenista, com quase 80 anos de existência, no movimento operário; o significado e o papel do internacionalismo proletário e revolucionário; o centralismo democrático como regime organizacional dos partidos de vanguarda; o caráter militante e combativo, “conspirativo” que os partidos revolucionários devem ter. Nesse sentido, levantaremos o debate sobre o que significa ser militante de uma organização revolucionária; a atitude do marxismo diante das diferentes opressões; o legado e o presente de nossa corrente na elaboração sobre a Palestina e os conflitos no Oriente Médio; o papel do stalinismo clássico e suas novas variantes; o papel do reformismo, suas novas formas e a atitude do trotskismo diante dessa tendência inimiga da revolução operária e socialista.
Alguns artigos serão acompanhados de alguns vídeos, como introdução. Convidamos todos a visitar e divulgar o especial com mais companheiros e companheiras. Assim, apropriando-nos do nosso passado com vista ao futuro, comemoraremos as quatro décadas da LIT-QI, corrente trotskista, com programa operário, socialista e internacionalista, a serviço da reconstrução da IV Internacional fundada por Leon Trotsky.
Visite o Especial pelos 40 anos da LIT-CI: https://litci.org/pt/40anos/
[1] Corrente Internacional liderada por Lambert.
[2] Referimo-nos ao acordo assinado em 17 de novembro de 1981 entre Pierre Lambert e Andrés Romero (do PST argentino), no marco da ruptura da CI (CI), onde se estabeleceu que nenhuma das duas partes utilizaria as siglas da CI (CI) nem o nome Correspondência Internacional (que havia sido o órgão desse grupo) para suas publicações. Lambert quebrou o acordo onze dias depois.
[3] LIT (QI). Tese de Fundação do LIT (QI): Sobre a necessidade de construir uma direção e uma organização internacional. Revista Marxismo Vivo, edição especial, fevereiro de 2007.p. 89