qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

O PC do Chile e sua luta pela “democracia profunda”

Os 3 anos do “18 de outubro” marcam o debate sobre qual momento da nossa revolução nos encontramos. No Chile a detonante do processo foi a “panela de pressão” das baixas aposentadorias com a propriedade das AFPs (Administradoras de Fundos de Pensões/aposentadorias), as zonas de sacrifícios[1] na propriedade das transnacionais dos nossos recursos naturais. Nesses termos, o MIT afirma que o caráter da revolução chilena tem um conteúdo objetivamente “socialista”, no sentido de que se não avança em tocar na propriedade da grande burguesia e das transnacionais, nenhuma das reivindicações sociais poderão ser resolvidas integralmente. Não é a política do Partido Comunista – PC Chileno. As bases de seu último congresso propõem uma luta por “democracia profunda”. Afirmam: “O que apontamos na Convocatória ao XXVI Congresso Nacional do Partido Comunista do Chile, se confirma de maneira muito profunda, no sentido de que o triunfo no plebiscito de 25 de outubro, e a mobilização heterogênea e diversa do Povo chileno, confirmam nossa tese principal para este período: que é necessário e possível infligir uma derrota estratégica aos clãs econômicos, ao imperialismo e às oligarquias políticas locais que sustentam de diversas formas o neoliberalismo no Chile. E sobre a base essencial da luta, a unidade social e política das maiorias nacionais, alcançar uma vitória também estratégica do Povo chileno, que resolva a contradição do período, neoliberalismo/democracia. Tal contradição entre a democracia e o neoliberalismo expressa a diferença irreconciliável entre um modelo econômico, contrário aos direitos humanos em todas as suas dimensões, à soberania popular e à democracia profunda”.  (Informe político ao XXVI congresso nacional do Partido Comunista do Chile).

Por: MIT – Chile

Como se pode ver, o PC do Chile expressa um abandono do caráter socialista da revolução baseada em proclamar a propriedade coletiva dos principais centros econômicos do país. Para eles, existiria uma contradição anterior de “mais democracia”. Entretanto, sob aquelas palavras embelezadas de superar o “neoliberalismo” no horizonte estratégico para a democracia, mantém o centro do problema: o respeito à propriedade privada dos meios de produção das 10 famílias e das transnacionais. Toda revolução é definida pelas relações de propriedade que ela determina. As revoluções anticoloniais latino-americanas (1810 no Chile) proclamaram a república burguesa. As revoluções do século XX que expropriaram a burguesia proclamaram a propriedade socialista (que posteriormente as próprias burocracias restauraram a propriedade privada como nos casos da URSS, Cuba e China). O método em que são as formas de propriedade e relações de produção, em última instância, são as que definem os projetos políticos. Este é o método que o PC Chileno abandona para falar de “democracia profunda” sem conteúdo de formas de propriedade, de classe. V.Lênin, em “A revolução proletária e o renegado Kautsky”, rejeita a tese da existência de uma democracia “pura”: “Os exploradores sempre constituíram uma pequena minoria da população. Esta é uma verdade indiscutível. Como se deve raciocinar a partir dela? Pode-se raciocinar como marxista, como socialista. Nesse caso, temos que partir da relação entre o explorado e os exploradores. Pode-se raciocinar como liberal, como democrata burguês – e nesse caso temos que partir da relação entre a maioria e a minoria.  Se raciocinarmos como marxistas devemos dizer: os exploradores inevitavelmente transformam o Estado (e falamos de democracia, ou seja, de uma das formas do Estado) em instrumento de domínio de sua classe, da classe dos exploradores, sobre os explorados. Portanto enquanto existirem exploradores que exerçam seu domínio sobre a maioria, os explorados, o Estado democrático será inevitavelmente uma democracia para os exploradores. O Estado dos explorados deve diferenciar-se por completo de semelhante Estado; deve ser uma democracia para os explorados e um meio para reprimir os exploradores, e a repressão de uma classe significa desigualdade para essa classe, sua exclusão da ‘democracia’. Se raciocinarmos como liberais devemos dizer: a maioria decide e a minoria se submete. Aqueles que não se submetem são castigados. E nada mais. Não é necessário falar do caráter de classe do Estado em geral nem da ‘democracia pura’ em particular, porque não vem ao caso, porque a maioria é a maioria e a minoria é a minoria”.  A abstração que o Partido Comunista do Chile realiza, nas palavras de Lênin “um raciocínio liberal”, oculta quais formas de propriedade defende por trás de “mais democracia”: um projeto político utópico de humanizar uma sociedade baseada na propriedade das 10 famílias e nas transnacionais. Por esta razão, não é casual que no programa presidencial apresentado pelo candidato do PC Daniel Jadue nas primárias do “Aprovo Dignidade” não contivesse uma medida elementar como a nacionalização da grande mineração (só royalty), demonstrando que para além de matizes, existe uma unidade estratégica no projeto do PC Chileno e da Frente Ampla, materializada hoje na coalizão governante “Aprovo Dignidade”: o acordo estratégico de renegociar algumas pequenas concessões, mas em nenhum caso empurrar o processo para tocar na propriedade das 10 famílias mais ricas e das transnacionais. No mesmo sentido, a ministra PC Camila Vallejo foi enfática em uma entrevista na Televisão Nacional em 14 de março de 2022:   “a condutora do Programa Estado Nacional, contrapôs “quando você diz uma participação maior não tão reduzida, assume que considera que atualmente a participação do Estado é reduzida, então isso significa nacionalizar e, portanto, expropriar, por exemplo, acabar com as concessões mineiras que hoje estão nas mãos de privados?”. Diante desta preocupação, a Ministra disse “não, não não! Não falamos disso”. Afirmou que estava descartado, especificando que “não está nem sequer no Programa (de Governo)”. O Partido Comunista ao respeitar a propriedade privada das 10 famílias mais ricas e as transnacionais não poderá realizar mudanças sérias.

A República dos trabalhadores

Para retomar as bases sociais e políticas que o “18 de outubro” deixou, precisamos da construção de um partido revolucionário internacionalista no Chile. Na sociedade capitalista, as ideias políticas não caem do céu, são a expressão das instituições que as definem e sustentam. Se a burguesia tem seus partidos e instituições para organização da reação. Um partido revolucionário é a organização da revolução, revolução na qual o PC do Chile não é uma ferramenta, mas seu obstáculo. Nós revolucionários não falamos de “democracia pura”. Na sociedade de classes, a democracia é da burguesia (baseada na propriedade privada) ou a democracia é dos trabalhadores (baseada na socialização da propriedade). Como por exemplo, os projetos políticos latino-americanos da década passada como do Socialismo do Século XXI na Venezuela, Equador ou Bolívia não foram além, proclamaram novas constituições, mas sem tocar na grande propriedade nem modificar o caráter capitalista extrativista. O PC do Chile e o governo de Boric apontam para uma nova desilusão. Para nós, qualquer proposta de mudança estrutural para os povos, a juventude e a classe trabalhadora, deve partir de um ponto profundo nas estruturas políticas e de propriedade. Daí a proposta do MIT da ex constituinte María Rivera da dissolução dos poderes do Estado em uma Assembleia Plurinacional das e dos Trabalhadores.  Nesses termos, a estrutura do estado capitalista chileno só pode ser superada com uma série de medidas econômicas, mediante ruptura, que permitam a recuperação dos bens naturais como o cobre, o lítio, o ouro e a socialização das grandes empresas produtivas, os Bancos, o transporte e as grandes cadeias de distribuição. Longe de defender uma democracia “pura”, só com a Socialização dos meios de produção e distribuição e planificação econômica, baseada nos organismos de poder da classe trabalhadora, podem acabar com este sistema de exploração e opressão. Um leitor poderá afirmar que estes organismos de poder dos trabalhadores não existem no presente. Entretanto, o processo revolucionário no Chile abriu tendencialmente caminho para a auto-organização das massas, e um partido revolucionário que se enraíze nos locais centrais da economia do país, como a Mineração, os portos, em aliança com os setores populares, com os bairros pobres, com as comunidades, poderá forjar no Chile a estratégia de uma república de trabalhadores, um estado operário. Por isso acreditamos ser preciso destacar que o PC e sua estratégia de “democracia pura” levam a novas derrotas. Uma Assembleia Plurinacional das e dos trabalhadores, como materialização da República dos Trabalhadores no Chile, é uma nova estrutura de poder e com a socialização da grande propriedade será possível começar a resolver os problemas sociais, construindo milhares de novas moradias, garantindo educação e saúde públicas e universais, melhores empregos e aposentadorias, e um longo etc.


[1]  ‘Zona de sacrifício’: um termo que designa as áreas do país com uma concentração massiva de indústrias poluentes.

Tradução:Lilian Enck

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