sáb set 07, 2024
sábado, setembro 7, 2024

“Um pouco menos de escravas”

Foi com grande satisfação que recebemos na terça-feira, 5 de setembro, a notícia que o governo finalmente aprovou no Conselho de Ministros o direito ao seguro desemprego para as trabalhadoras domésticas. Com isso, a partir de agora as famílias empregadoras também serão obrigadas a justificar devidamente por escrito a demissão de sua trabalhadora. No entanto, a alegria de ter conseguido essa tão esperada reforma não pode fazer com que nós, trabalhadores/as, esqueçamos uma série de outras coisas.

Por: Corriente Roja

Condições de trabalho dignas no emprego doméstico e fora a Lei de Imigração!

A primeira coisa é que, como as próprias atingidas deixaram claro, isto não é um presente, mas o resultado de anos de luta. Demorou onze anos para que o Estado espanhol decidisse ratificar a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e muitas caíram no esquecimento. Foram necessários quase três anos e muitas mobilizações para que este governo de coalizão cumprisse sua promessa, depois que uma decisão do Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo ter advertido a Espanha sobre a discriminação contra as mulheres trabalhadoras deste setor.

Vale lembrar que, após declarar o trabalho doméstico como uma “atividade essencial” durante a pandemia e que muitas trabalhadoras foram colocadas na rua depois de arriscarem suas vidas, a única medida tomada por este governo foi conceder-lhes um seguro desemprego tardio, parcial e miserável.

Como já denunciaram várias vezes nas redes sociais, associações como a ATH-ELE (Associação de Trabalhadores Domésticos), “enquanto as altas autoridades do Governo, que se dizem progressistas e feministas, prometem fazer justiça às trabalhadoras domésticas e de cuidados com a próxima ratificação da Convenção 189 da OIT, fazem ouvidos de mercador às reclamações de organizações e trabalhadoras particulares contra o esquema maciço de falsas cooperativas e agências de serviços domésticos. A Inspetoria do Trabalho está ciente da situação, mas não toma medidas”.

A segunda coisa é ressaltar que embora Yolanda Díaz diga que graças ao governo de coalizão, as mulheres trabalhadoras domésticas conquistaram seus direitos em sentido pleno, esta afirmação está LONGE de ser uma realidade.

Por enquanto, embora o empregador tenha agora que alegar algum dos novos motivos habilitados para a demissão, as quantias a serem pagas continuarão a ser 12 dias por ano com um teto de 6 pagamentos, ao invés de 20 dias por ano trabalhados. Assim continuará a ser fácil e barato demitir uma dessas trabalhadoras; ainda mais do que o resto dos assalariados/as do regime geral!

Além disso, será necessário ter contribuído por pelo menos um ano a partir da entrada em vigor do decreto para poder receber o seguro desemprego. Mas se o objetivo é “pôr fim a uma injustiça absolutamente inaceitável”, como Sánchez explicou ao anunciar a medida, por que não levar em conta todos os meses de contribuições feitas anteriormente, aplicando-a de forma retroativa?

Para dar outro exemplo, atualmente o Estatuto dos Trabalhadores reconhece apenas um mês de indenização por demissão devido à morte do empregador/a. Isso, no emprego doméstico, significa que os trabalhadores que cuidaram de seus patrões durante anos e anos até a morte são deixados na rua com apenas um mês de indenização, independentemente de sua antiguidade. Por que o governo não legislou que a referida indenização fosse proporcional aos anos trabalhados?

É evidente que esta reforma não vai acabar com a múltipla discriminação trabalhista sofrida por este grupo durante anos, em um setor no qual, com a desculpa de que enviar a Inspetoria do Trabalho significa invadir a sacrossanta intimidade do lar, a legislação é sistematicamente violada em termos de contratos assinados, tarefas, salários, jornada de trabalho, tempo livre, etc. Os cortes progressivos e a privatização do serviço da Previdência Social nos últimos anos agravaram sua situação, tornando os procedimentos como a dispensa do trabalho por licença médica uma odisseia impossível para muitas destas mulheres.

Pior ainda é a situação das que estão internas (moram na casa dos patrões), a grande maioria imigrantes e em condições de semiescravidão. A Reforma do Governo contempla agora a possibilidade de que a família empregadora possa substituir os dias de aviso prévio em caso de demissão por um pagamento equivalente aos dias trabalhados. No caso das trabalhadoras internas, isto pode significar que a família as deixará na rua, antes que elas tenham um lugar garantido para dormir.

Por último, não haverá dignidade no trabalho doméstico nem direitos trabalhistas plenos, até que a Lei de Imigração seja revogada. A Espanha é o segundo maior empregador de trabalhos domésticos na Europa. Estima-se que entre 500.000 e 700.000 mulheres se dedicam ao trabalho doméstico, mas um terço delas o faz sem contrato, segundo a própria OIT. E é comum que a demissão ocorra no momento em que a (injusta) Lei de Imigração permitiria a regularização da situação da trabalhadora.

Como disse Edith Espinola, da Associação SEDOAC (Serviço Doméstico Ativo), em uma entrevista ao Corriente Roja: “A Lei de Imigração obriga você a trabalhar por três anos de forma submersa para conseguir “os papéis”. Esta Lei incentiva o abuso e a exploração de pessoas. Por isso dizemos: “trabalho de interna, escravidão moderna”. Como migrante, você se isola em uma casa para não sair na rua e não ser preso pela polícia e levado a um CIE (Centro de Internação de Estrangeiros). As internas parecemos prisioneiras, apenas os presos também são internos. As trabalhadoras estamos expostas a violações de direitos, abusos, violência e tratamento humilhante, e tudo isso é facilitado pela Lei de Imigração”.

Por todos esses motivos, apelamos às trabalhadoras domésticas que não baixem a guarda até conhecerem as letras miúdas desta nova regulamentação, para não esquecer que no capitalismo, muitas conquistas e direitos que foram conquistados permanecem no papel se não exercermos pressão suficiente para garantir que eles sejam cumpridos e, acima de tudo, para continuar lutando até alcançarmos condições de trabalho decentes para todas.

Pela socialização do trabalho doméstico e de cuidados

O fato de o trabalho doméstico e de cuidados sejam subvalorizados e quase invisíveis, e realizados principalmente por mulheres e meninas em todo o mundo, em grande parte com mão-de-obra migrante, não é uma mera casualidade. Nesse sistema capitalista, a reprodução da força de trabalho – ou é feita gratuitamente na esfera privada do lar, em sua maioria por mulheres – ou quando é mercantilizada, é feita em condições extremamente precárias, para que seja o mais barato possível, tanto para o Estado como para a burguesia a qual serve. É assim que bilhões de euros são economizados anualmente em Assistência Médica, Educação, Assistência aos Dependentes, Serviços Sociais, etc.

Como destaca a advogada Elena Otxoa: “Quando o objeto do contrato é o cuidado, exigir pelo governo o cumprimento rigoroso da legalidade, impediria o recurso às trabalhadoras domésticas para suprir as deficiências da Lei de Dependência[1]. E quando se contrata apenas para tarefas domésticas, a falta de controle é uma opção de classe em favor do empregador”.

O emprego doméstico é um dos melhores exemplos de como o capitalismo usa as opressões para explorar mais. Por isso afirmamos que a única forma de lutar contra toda essa carga de opressão sexista e racista que o emprego doméstico condensa, é se for feito em unidade com os oprimidos e explorados de nossa classe, contra o sistema que gera todas as desigualdades. É uma luta a favor do elo mais frágil do sistema, contra governos e patrões. Uma luta para dar visibilidade e valor às trabalhadoras domésticas como sujeitos com direitos e participação política.

A única maneira de acabar com a escravidão do trabalho doméstico e de cuidado gratuito ou precarizado é, como o marxismo vem explicando há anos, socializando essas tarefas. Ou seja, que o próprio Estado deveria se encarregar de realizá-las, criando restaurantes, lavanderias e diferentes serviços sociais de cuidados e de saúde para atendimento de menores, idosos, dependentes, etc., que sejam públicos, gratuitos e de alta qualidade. Algo que esse sistema podre não é capaz de garantir e que só será possível em uma futura sociedade socialista, pela qual nós de Corriente Roja estamos lutando e se organizando hoje. Junte-se a nós!

Referências:

https://www.elsaltodiario.com/laboral/empleadas-hogar-derecho-paro-subsidio

https://vientosur.info/ratificacion-del-convenio-189-de-la-oit-que-cabe-esperar/


[1] A Lei 39/2006, de 14 de dezembro, sobre a Promoção da Autonomia e Cuidados Pessoais das pessoas em situação de dependência, ndt;

Tradução: Rosângela Botelho

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