sáb maio 18, 2024
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Nada excepcional: é a crise climática

A previsão de fenômenos meteorológicos extremos nos últimos anos se parece cada vez mais com a roleta russa. Movemos o dedo de um ponto a outro do mapa, pulando sem distinção entre áreas geográficas. Sem dúvida, os desastres provocados pelas tragédias climáticas têm um impacto decididamente maior nos países dependentes, mas a situação está se precipitando inclusive nos países menos vulneráveis que, embora teoricamente melhor preparados para enfrentá-los, graças a terem muito mais dinheiro e estruturas à disposição, estão revelando todos os limites do sistema capitalista para evitar o sofrimento dos territórios e das populações que os habitam. Quer ocorram na África, América ou Europa, o preço é muito alto e é medido principalmente na perda de vidas humanas. Milhões. Homens, mulheres, crianças, idosos do proletariado mundial.

Por: Giacomo Biancofiore

Europa entre o calor abrasador e inundações

No verão passado, a Alemanha Ocidental em particular o Estado federado da Renânia do Norte-Westfalia e Renânia Palatinado, foi atingida pela tormenta Bernd, que provocou centenas de mortes. O mau tempo provocou inundações que engoliram povoados inteiros e que ficaram vários dias sem eletricidade. No mesmo período, a Bélgica e o norte da França também foram atingidos pelas inundações.

Na Itália, por sua vez, segundo análises estatísticas do CNR-ISAC, julho de 2021 foi o terceiro mais quente desde o século XIX no sul, com 1,65 °C acima da média. Em várias ocasiões, sobretudo quando as condições favônicas locais (ventos das colinas) aqueceram o ar já muito quente presente na atmosfera livre, as temperaturas diurnas alcançaram temperaturas de +40 °C + 42 °C, com picos de +44 °C + 45 °C nas zonas do interior da Sicília.

O verão que acaba de passar, registrou um calor recorde já nas primeiras semanas de junho, uma autêntica onda de calor que atingiu toda a Europa. Durante o verão, o anticiclone de calor africano registrou temperaturas completamente fora da média para o período. Na Itália, na planície de Padana (vale do Pó), o rio Po alcançou um mínimo histórico. Além disso, 40% da terra agrícola esteve em seca extrema.
Também, segundo dados climáticos do Instituto de Ciências da Atmosfera e do Clima (Isac) do CNR de Bolonha, o mês de maio de 2022 registrou temperaturas acima da média sazonal, de +1,83 °C. Nunca antes foi registrado tal calor nos últimos trinta anos, exceto em 2003 (+1,87 °C).

De Marmolada a Marche, a Itália dos «fenômenos extremos»

Em 3 de julho, nos Alpes italianos, exatamente na geleira de Marmolada, ocorreu um deslizamento que provocou o desprendimento, empurrão e posterior deslizamento de grande parte do gelo pelo vale, quase um terço de uma placa com área de 26.000 m2.

Nunca havia acontecido que uma grande parte do glaciar desabasse como ocorreu naquele domingo calorento de julho no qual onze pessoas perderam a vida.
Com o aumento dos “fenômenos extremos” ligados à mudança climática, há geleiras nos Alpes que são monitorados constantemente porque se sabe que algumas de suas partes podem se desprender e desabar, mas o de Marmolada não era um deles.
Nos dois meses anteriores ao desastre, a temperatura média foi 2 graus superior à média do período compreendido entre 2008 e 2021, e quanto as nevadas de inverno, o trimestre compreendido entre dezembro passado e fevereiro deste ano, foi um dos dez mais secos e quentes desde 1921.

Segundo Fabrizio De Blasi, pesquisador do ISP e um dos autores da reconstrução do colapso: “A soma destes dois eventos negativos, as temperaturas particularmente altas no princípio do verão, acompanhadas de um alto grau de “descobrimento” do gelo, o que costuma acontecer em agosto, submeteu o glaciar a um enorme estresse e por isso o ritmo de derretimento do gelo foi muito elevado”. O pesquisador chega a conclusões de que, a esta altura, os desastres desta magnitude “não podemos preveni-los”.

Depois de pouco mais de dois meses, ainda há onze vítimas humanas confirmadas de outro desastre, desta vez na região de Marche entre as províncias de Ancona e Pesaro. Na tarde de 15 de setembro, a enchente do rio Misa e do afluente Nevola, provocada por horas de chuva, devastou tudo, semeando morte, estragos e terror. Sessenta minutos de apocalipse e uma noite de apreensão para Senigallia, a cidade atingida pela cheia do rio Misa, que transbordou, inundando grande parte do centro, atingindo os 9.560 residentes desalojados. No momento de escrever este artigo, ainda estamos buscando uma mulher de 56 anos e o pequeno Mattia de 8 anos.

A correlação entre os desastres e a mudança climática

Durante anos, meteorologistas e cientistas consideraram o aquecimento do clima do planeta como um fenômeno natural, devido à atividade solar, às variações na inclinação do eixo terrestre, e a fatores em parte desconhecidos. As ondas de calor, as chuvas torrenciais ou as tempestades de granizo, eram consideradas condições meteorológicas extremas, mas também fenômenos que sempre ocorreram.
Hoje, a ciência, com o apoio de instrumentos e pesquisas cada vez mais meticulosos, já não pode negar a ligação entre a mudança climática e os fenômenos meteorológicos extremos. Mas, sobretudo, o que já é inegável é o peso decisivo da mão do homem na perda do equilíbrio climático do planeta. Certamente, nem todos os habitantes do planeta, indistintamente, são culpados, mas a exploração secular por parte das multinacionais é, dados na mão, a causa principal da tragédia ambiental que estamos vivendo.


A quantidade de dióxido de carbono total liberado na atmosfera pelas atividades humanas é igual a 27 bilhões de toneladas por ano: 50.000 toneladas por minuto. Em março de 2013, a concentração medida de dióxido de carbono na atmosfera terrestre era em torno de 399ppm. A concentração atmosférica de dióxido de carbono antes da revolução industrial é calculada em 280 ppm, e sendo assim, aumentou 35% desde a revolução industrial e 20% desde 1958. O uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo) seria a primeira causa deste aumento, com 64% de responsabilidade, enquanto que o desmatamento seria a segunda, com 34%.

As responsabilidades do capitalismo

Uma vez estabelecido que o crescimento quantitativo e qualitativo dos “fenômenos extremos” não tem nada de excepcional, mas está estreitamente relacionado com a crise climática, muitos ainda se perguntam por que aqueles que manejam o destino deste planeta não fazem nada para evitar ou limitar os danos, em poucas palavras, para resolver a própria crise que eles mesmos criaram.

O sistema de produção capitalista, por sua natureza e pela sua própria sobrevivência, precisa produzir cada vez mais mercadorias, ao menor custo possível, com o máximo de lucro possível e em menor tempo possível. Para satisfazer estas necessidades, não pode ser muito sutil na exploração das pessoas e do meio ambiente.  O que pode parecer um comportamento irresponsável e aparentemente insensato não só é um caminho obrigatório, mas inclusive indispensável para ganhar a concorrência entre capitalistas e, portanto, compensar a tendência de queda da taxa de lucro. 

Como esses animais que matam seus próprios filhotes para sobreviver, o capitalismo não pode evitar introduzir taxas cada vez mais intensas de CO2 em excesso na atmosfera, aumentando assim o efeito estufa. Com o mesmo propósito e as mesmas consequências se realiza a atividade criminosa posterior: o desmatamento dos pulmões verdes do planeta, sacrificados no altar da produção capitalista.

Prevenção incompatível com o capitalismo

Aos desastres nas geleiras como o de Marmolada, às inundações como a de Marche nos últimos dias, à inundação da Sicília no ano passado ou de Liguria e Piamonte há dois anos, tem que acrescentar uma forte crise hídrica que está colocando à prova a agricultura nas zonas mais importantes do país. Na Itália, como em qualquer outro país da África.

O Po, artéria fluvial mais importante do norte da Itália, por exemplo, está seco como nunca nos últimos setenta anos. Como nunca havia ocorrido na história as águas do maior rio italiano baixaram a tal nível que a água salgada do mar Adriático penetra por 30 quilômetros do delta para o interior arrasando cultivos e colocando em perigo a vida de numerosas espécies e, portanto, afetando inexoravelmente a biodiversidade deste habitat.

Mas, como dizíamos antes, embora a exposição a estes desastres esteja crescendo rapidamente na Itália e na Europa, haveria condições para prevenir e enfrentar os desastres naturais da melhor maneira possível em comparação aos países dependentes. Entretanto, a voracidade do sistema capitalista, com suas multinacionais e seus governos, não só provoca desastres em países que, por sua maior vulnerabilidade, sofrem um impacto ainda mais dramático, como também não se preocupa em limitar a destruição onde existem recursos para poder fazê-lo.

Os problemas estruturais da rede hídrica nacional, segundo um recente relatório do Istat sobre a água, crescem ano a ano, provocando desperdício de água devido à deficiência dos sistemas de água, no mínimo alarmante. Os riscos de inundação não são levados em conta em absoluto, não há mapeamento, e as infraestruturas não são adequadas para os níveis de chuva desta magnitude.

Em um documento de 2016 se afirmava claramente a necessidade de realizar obras de segurança, que não foram realizadas e nem sequer começaram, justamente na região de Marche, no vale baixo do Misa, lugar onde ocorreu a última dramática inundação.

Parar o capitalismo

O planeta não pode ser deixado nas mãos de um punhado de bilionários irresponsáveis que estão depredando o futuro da humanidade. Se os capitalistas, pela própria natureza de seu modelo econômico, não têm outro caminho que o da exploração indiscriminada, o proletariado também não tem outra opção: parar o capitalismo!

E, a única forma de deter o capitalismo é derrotá-lo, para que finalmente possam ser implementadas medidas que, através da planificação da economia, por meio da sociedade socialista, coloque no centro a sustentabilidade ambiental e a justiça social no lugar do lucro privado.

Artigo publicado em www.partitodialternativacomunista.org, 20/9/2022.

Tradução do italiano ao espanhol: Natalia Estrada.

Tradução do espanhol ao português: Lilian Enck

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