Desde o pedido de condenação de Cristina Fernández de Kirchner (CFK) pelo procurador Diego Luciani, a figura da vice-presidenta está no centro do cenário político nacional. Com o ataque de quinta-feira, dia 1, isso aumentou exponencialmente. O partido governista que veio de disputa atrás de disputa, tentando retomar a iniciativa e a unidade desde a assunção de Sergio Massa como “Super Ministro da Economia”, agora “se defendendo”, passa à ofensiva.
Por: PSTU Argentina
O alinhamento com Cristina diante do pedido de condenação deu atividade à sua militância, (reunindo-se na esquina do Juncal com o Uruguai na CABA- Cidade Autônoma de Buenos Aires – onde mora no bairro da Recoleta) ela trouxe os instrumentos de percussão e megafones sindicais que tão pouco estavam sendo usados, e até se enfrentou com a Polícia Municipal, pelas barreiras ordenadas por Horacio Rodríguez Larreta. Com o atentado, eles agruparam setores ainda mais amplos atrás deles sob a bandeira da defesa da democracia e contra o discurso de “ódio”. A “mística” e o relato épico característicos do peronismo kirchnerista voltaram em toda a sua dimensão, com uma oposição patronal tão terrível que os deixou servidos.
A possibilidade de sair do bloco da Frente de Todos dos legisladores da Frente Patria Grande, liderada por Juan Grabois, foi esquecida, pois consideraram que a situação política merecia unidade, diante do que interpretam como uma ofensiva da direita. Interpretação à qual se soma agora internacionalmente o triunfo da rejeição da nova constituição no Chile.
Mas enquanto tudo isso acontece, o plano econômico de Massa (a primeira tentativa de unidade sólida, após a saída de Guzmán) avança: ajustes em setores como deficiência, educação, tarifas, inflação galopante etc., enquanto a especulação dos patrões agrários com o dólar soja é premiada.
A mobilização pós-atentado
A mobilização de 2 de setembro foi massiva e teve um componente maior do que a militância clássica do partido no poder. Nós do PSTU não fomos e explicamos o porquê. Acreditamos ser essencial discutir o conteúdo desta mobilização porque, para além das boas intenções de muitos dos que participaram de forma independente, o seu conteúdo esteve ao serviço do fortalecimento de um regime ao serviço dos ricos e poderosos e é contrário às necessidades de luta dos trabalhadores.
A defesa da “sua” democracia
O apelo inicial foi em defesa da democracia. Para nós, essa democracia para a grande maioria da população da “democracia” tem muito pouco, já que todas as suas instituições (Justiça, Parlamento, poder executivo) estão a serviço de manter a dominação dos mesmos de sempre. No entanto, estaríamos na linha de frente da defesa das liberdades democráticas que existem se fossem ameaçadas, simplesmente porque proporcionam melhores condições para a organização e luta dos trabalhadores. Foi assim que fizemos a partir da nossa corrente, então Movimento para o Socialismo (MAS), na Semana Santa de 1987 contra o levante Carapitanda que tentava garantir a impunidade de todos os genocidas.
No entanto, é isso que está em jogo hoje? Achamos que não. Essa democracia é o sistema em que apostam todos os setores patronais do país. Se há algo que eles concordam, além da submissão ao FMI e o que isso implica, é resolver todas as disputas (mesmo as internas) nas eleições de 2023, ou seja, eles concordam em defender esse regime injusto para os trabalhadores e explorador dos recursos para o capital estrangeiro.
A estratégia da Paz Social
O título do documento lido na Praça de Maio é “A paz social é uma responsabilidade coletiva”. O que significa Paz Social? O que eles chamam de Paz Social é a passividade dos trabalhadores diante dos ataques do imperialismo, do governo e da oposição patronal. É que nos explorem e nos deixemos tirar tudo, sem oferecer resistência. Com que autoridade falam de paz os responsáveis pelo fato de mais da metade das crianças do país serem pobres? Quem ganha o salário mínimo, que não cobre nem metade da cesta básica, vive em paz? E quem sobrevive como pode com o trabalho informal? E as famílias dos deficientes que ficam sem tratamento? E as famílias sem-teto que são brutalmente despejadas quando tentam ter uma terra para viver com dignidade? E os filhos e parentes das vítimas dos feminicídios que não param? É em nome dessa famosa Paz Social que os dirigentes sindicais, sociais e de direitos humanos, adeptos do partido no poder, deixaram passar todos os ataques dos últimos anos. Essa Paz Social que se reivindicou naquela Praça de Maio lotada é a paz para que continuem nos ajustando ao serviço do plano do FMI.
As “minorias violentas”
O documento também diz que “a vida democrática é incompatível com a ações de minorias violentas que pretendem levar o resto da sociedade”. Neste caso, refere-se aos setores de extrema-direita que são completamente condenáveis. Mas esse argumento das minorias violentas contra a democracia não é aquele usado para perseguir e aprisionar os lutadores? Não é esse o argumento usado para justificar a prisão de Milagro Sala por mais de 6 anos, aquele utilizado para reprimir e prender lutadores nas mobilizações de dezembro de 2017 e com as mobilizações contra o acordo com o FMI em março de 2022? Não é esse o argumento sempre usado por quem tem o poder de justificar a repressão?
As verdadeiras minorias violentas são aquelas que sustentam um sistema em que a grande maioria vive cada vez pior para sustentar seus lucros ou dos setores que representam. A violência é que mais de um milhão de crianças e adolescentes têm que pular refeições (1), a violência são os milhares que vivem nas ruas, a violência é que nossos velhos morrem na miséria depois de trabalhar toda a vida. Diante dessa violência, temos todo o direito de nos defender enfrentando aqueles que a exercem.
O direito de odiar
Outro eixo da convocação foi contra o ódio, identificando o peronismo com o amor. Mas o discurso do amor contra o ódio, em uma sociedade dividida em classes, com opressores e oprimidos, é funcional para quem detém o poder. É errado odiar o imperialismo ianque que nos saqueia? O que teria sido da Independência Continental sem o ódio aos espanhóis? Temos o direito de odiar aqueles que nos destroem todos os dias e esse ódio, o ódio de classe, quando se transforma em luta e organização, é o motor que pode mudar a história. É por isso que negar esse ódio tem um papel reacionário. E muito mais se for usado como desculpa para penalizar o “ódio” como no projeto que pretendiam apresentar, embora depois tenham recuado.
Os “fachos” devem ser combatidos
Não hesitamos nem um segundo em enfrentar os setores de ultradireita ou fascistas, que, embora hoje sejam minoria com uma expressão essencialmente eleitoral, podem ser um perigo real para a mobilização dos trabalhadores, que é o que eles mais odeiam. E se essa é realmente a perspectiva, não basta repudiá-los discursivamente ou com ações testemunhais, devemos nos preparar para enfrentá-los fisicamente, para evitar que se espalhem. Para isso temos que organizar a autodefesa operária e popular, nos defender da repressão estatal e também dos fascistas.
Dizer que há um avanço da direita e ao mesmo tempo propor a Paz Social, como faz a direção peronista, é amarrar pés e mãos dos trabalhadores na defesa de suas condições de vida e de suas liberdades democráticas.
Qual é a tarefa: defender a democracia e Cristina ou enfrentar o ajuste?
Neste momento, um dilema se coloca para os trabalhadores: o conjunto das direções que se dizem defensores dos trabalhadores e o povo que afirma que a tarefa é defender Cristina e a democracia (até foi considerada a possibilidade de greve geral em defesa da vice-presidenta). Dizemos que, como as liberdades democráticas não estão em jogo, a tarefa em torno da qual nós trabalhadores temos que nos organizar é enfrentar o ajuste brutal que Alberto, Cristina e Massa estão impondo em acordo com a oposição dos patrões a serviço do FMI.
Afirmamos que é necessário preparar a luta por um aumento salarial urgente com indexação automática pela inflação em cada local de trabalho, que a união dos trabalhadores empregados e desempregados é essencial e, neste sentido, aliar a luta por salários com a luta por trabalho genuíno, que é preciso resistir aos avanços da Reforma Trabalhista que eles impõem de fato e a que está por vir.
Para isso, é necessário cercar de solidariedade as lutas que estão em curso, como a luta dos trabalhadores de pneus (SUTNA) que se arrasta há mais de 3 meses, a luta contra o corte da ajuda por invalidez ou a dos os trabalhadores da educação de diferentes províncias. Vamos fazer o possível para quebrar o isolamento e difundi-las para tentar fazer com que as lutas sejam vitoriosas. Ir dando passos na perspectiva de construir uma Greve Geral com a classe trabalhadora mobilizada, que unifique todas as reivindicações operárias e também as populares como o combate à violência machista ou ao agronegócio que destrói o meio ambiente.
Não nos deixemos enganar pelas polarizações que têm funcionalidade eleitoral. A verdadeira divisão é entre aqueles que têm tudo e aqueles que não têm quase nada. E essa fenda não se fecha com discursos ou eleições, mas com os trabalhadores organizando sua raiva de forma independente dos setores patronais e das burocracias sindicais.