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sexta-feira, março 29, 2024

No Estado espanhol: mais pessoas trabalhando e, mais pobres do que antes

Em 23 de dezembro, o governo de coalizão do Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE-Unidas Podemos, sindicatos e empresários chegaram a um acordo para modificar a Reforma Trabalhista de 2012. Naquele dia, após vários meses de negociações, chegou-se a um acordo, descrito como “histórico” pela Primeira e Segunda vice-presidentas do governo, Nadia Calviño e Yolanda Díaz, para reformar o mercado de trabalho espanhol.

Por: Corriente Roja

“Hoje não é um dia qualquer, é um dos mais importantes desta legislatura”, disse Yolanda Díaz em uma aparição. “Uma conquista histórica para os trabalhadores”, “uma mudança de paradigma para virar a página da precariedade” e “a primeira reforma no interior da UE que recupera direitos e força para os trabalhadores”. O texto foi finalmente aprovado em 3 de fevereiro de 2022 no Congresso dos Deputados com 175 votos a favor, 174 contra e nenhuma abstenção.

Entretanto, o que a vice-presidenta do governo não mencionou foi que o governo de coalizão havia prometido em várias ocasiões que iria revogar a Reforma Trabalhista e em menos de um mês passou a dizer que isso era “tecnicamente impossível” e que fazê-lo, além disso, “não seria correto”. Um novo descumprimento de seu programa de governo.

Vários meses já se passaram e, apesar do pouco tempo decorrido, é um bom momento para fazer um balanço dos efeitos da nova Reforma Trabalhista, e checar se as “coisas boas” que nos foram prometidas são verdadeiras. Embora o governo tenha lançado mais uma vez uma nova enxurrada de propaganda com dados triunfalistas e “espetaculares” de emprego (nas palavras de Yolanda Díaz), o tempo logo mostrará que isso é fumaça. Na realidade, pretendem superar com gestos vãos uma crise econômica e social que a cada dia que passa se torna mais insuportável.

Em 19 de janeiro, o artigo assinado por Corriente Roja Estadual “Uma Reforma Trabalhista que não revoga a anterior, precariza o emprego e é um novo roubo nos salários” já previa as consequências desastrosas que esta nova Reforma Trabalhista iria provocar em meio a uma situação econômica catastrófica para a classe trabalhadora (a inflação em agosto foi de 10,4).

20 milhões de empregos: estamos em melhor situação do que antes?

O estado espanhol supera hoje os 20 milhões de empregos (20.468.000) que Mariano Rajoy prometeu em sua época. Mas será que estamos melhores do que antes?

Em 2022, ter um emprego não significa necessariamente poder pagar as contas: a inflação, o emprego temporário e os numerosos contratos em regime de tempo parcial aumentam o risco de pobreza. Há mais pessoas no mercado de trabalho, mas menos horas trabalhadas (em 2008, eram 9,1 bilhões de horas trabalhadas, contra 8,5 bilhões atuais). Os salários subiram, mas a um ritmo mais lento do que a inflação, e é cada vez mais difícil conseguir chegar ao final do mês. A taxa de desemprego continua a ser mais elevada e o emprego temporário é galopante. Situação que afeta especialmente a juventude trabalhadora, mergulhada na mais extrema precariedade, com 31,1% dos contratos por um único dia: 19.600 jovens entre 20 e 24 anos neste primeiro semestre do ano.

O emprego indefinido não garante uma vida decente

A Reforma Trabalhista tornou possível que o aumento do emprego indefinido (com contratos indefinidos, ou seja, sem um limite de tempo específico de sua duração, ndt) disparasse em 2022, enquanto que o emprego temporário diminuía. Entretanto, na última década, observamos que o contrato indefinido já não é mais o que era. Em primeiro lugar, porque uma parte substancial desses contratos não dura mais do que um ano. O custo para a empresa de demitir um funcionário com pouco tempo e contratar outro é menor do que o custo de mantê-lo na empresa.

Este ano, há mais 612.000 contratos de menos de 40 horas por semana em comparação com o mesmo mês de 2019. E enquanto entre 30 e 40 horas há mais 246.000 contratos – onde estão os contratos de tempo parcial e a maquiagem dos contratos fixos descontínuos (em que há interrupção das operações, e neste período não tem pagamento da seguridade social, ndt) – a maior parte do crescimento se concentra naqueles em turnos entre 20 e 29 horas por semana.

Ter um contrato fixo e não conseguir pagar as contas

Não adianta ter um contrato indefinido se, você não consegue pagar as contas. Até agora, em 2022, o emprego indefinido cresceu 180% em comparação com 2021: 1,7 milhões de contratos entre janeiro e abril. Mas 51% são fixos – descontínuos ou em tempo parcial. Os contratos de jornada parcial geraram pobreza no trabalho. Quando se olha para o salário anual, muitas pessoas não conseguem ultrapassar a linha de pobreza. Os contratos de jornada parcial sejam temporários ou indefinidos e os fixos -descontínuos, implicam em menos horas de trabalho e, portanto, a salários mais baixos. Se o salário mínimo atualmente é de 1.000 euros brutos, para um trabalhador em tempo parcial isso significa apenas 500 euros por mês.

Não importa o quanto aumente o salário mínimo, se você não trabalhar horas suficientes, você não consegue obter o valor dele. Isto explicaria porque, apesar do crescimento do emprego, a taxa de risco de pobreza também está aumentando. Este tipo de contratação aumentou substancialmente durante a grande crise, e agora ultrapassa os níveis de 2007. Há 15 anos, havia 2,3 milhões de trabalhadores com tempo parcial. Em 2022, são 2,8 milhões.

A nova Reforma Trabalhista consolidou a figura do contrato fixo descontínuo: você trabalha alguns meses por ano e depois tem que recorrer ao subsídio de desemprego. Um dado enganoso no qual o “governo progressista” se baseia para encobrir a temporalidade  é que este contrato é registrado na categoria de contrato indefinido, reduzindo assim o índice de precariedade. Por exemplo, dos 1,4 milhões de contratos assinados no mês de abril, embora quase a metade seja registrada como indefinidos, 175.154 são de jornada parcial e 238.760 são fixos descontínuos.

Cresce os múltiplos empregos

No final de junho, havia mais de meio milhão de pessoas com dois ou mais empregos (547.800). A grande maioria dos contratos em tempo parcial está concentrada no setor de serviços (4 em cada 5) e, em grande parte são as mulheres que tem que recorrer ao pluriemprego com mais frequência do que os homens. Ter um emprego de tempo parcial NÃO é voluntário, é uma necessidade para complementar o salário com outro emprego a fim pagar as contas. A estas condições precárias se soma o aumento do roubo de horas extras não remuneradas realizado pelos empregadores: nesta primavera, ultrapassaram as 3,2 milhões, algo que não acontecia desde 2016.

Algumas conclusões

Finalmente, é importante esclarecer que o adjetivo “indefinido” muitas vezes leva à confusão. Um contrato indefinido significa apenas que você não sabe quanto tempo o contrato vai durar. Mas isso não significa que você não possa ser demitido. O importante é conseguir uma relação de emprego estável e o erro é considerar que a estabilidade pode ser proporcionada pelo tipo de contrato que você obtém. Enquanto a demissão continuar fácil e barata, o empregador sempre terá a chave, pois o que determina a estabilidade no emprego nem sempre é a formalidade do contrato, mas o custo da rescisão desse contrato. E isto não mudou. Com a nova Reforma Trabalhista se manteve intacta, a demissão sem justa causa continua sem processar salários[1] e a 33 dias por ano trabalhado.

O emprego temporário não será resolvido com este tipo de Reforma. Embora as modalidades contratuais tenham sido simplificadas, o cerne da questão não foi modificado: a indenização, portanto, por mais que se mude o nome, continuará a causar fraude jurídica se a improcedência for muito barata.

Um programa que atinja à raiz dos problemas  

Há poucos dias, a ministra da Defesa, Margarita Robles, declarou que “devemos estar preparados para tudo o que possa acontecer” e que as perspectivas são “muito pessimistas” tendo vista um inverno longo, complicado e “extremamente rigoroso”.

O governo está preocupado com a onda de protestos no Reino Unido, onde as mobilizações paralisaram certos setores do país. Não esta descartada a hipótese de que o mesmo poderá acontecer na Espanha, como em outros países europeus, e que presenciaremos um outono quente. Os salários e o custo de vida devido à inflação podem ser um dos gatilhos.

Neste momento existem muitas demandas parciais decorrentes dessa situação, mas há duas reivindicações centrais: o direito a um emprego estável e salários dignos. Contra a ideologia do mal menor e o pragmatismo que tem nos empurrado para a resignação e o um retrocesso permanente, nós de Corriente Roja defendemos que a classe trabalhadora deve declarar uma guerra implacável contra as políticas dos capitalistas, de seus governos (seja qual for a sua cor). A luta pelo emprego exige a revogação imediata de todas as reformas trabalhistas e o estabelecimento de um novo Estatuto do Trabalhador/a, que estabeleça o direito ao trabalho como um direito básico que o Estado é obrigado a garantir de uma forma ou de outra.

Para pôr fim ao desemprego de milhões de trabalhadores/as temos que defender o emprego existente, razão pela qual é necessária a revogação das atuais Reformas Trabalhistas para acabar com essa sangria de emprego que a patronal, governo e burocracia acordam em cada passo através das ERE (Expediente de Regulação de Emprego) e ERTE (Expediente de Regulação de Emprego Temporário). Um exemplo neste momento é o da Administração Pública, em vez de garantir emprego do Governo, resolve-se uma Lei (o Icetazo) que pode deixar cerca de 800.000 funcionários/as públicos na rua, a maior ERE da história de mãos dadas com um governo progressista.

Defendemos a redução por Lei da jornada de trabalho para 35 horas semanais como um primeiro passo no caminho para a escala móvel de horas de trabalho, ou seja, distribuir o trabalho existente por toda a força de trabalho disponível e assim vai determinando por Lei a duração da semana de trabalho. E como esta medida responde às necessidades básicas da classe trabalhadora, a redução da jornada de trabalho será sem redução de salários. Ao mesmo tempo, é imprescindível conseguir uma socialização cada vez maior do trabalho doméstico e de cuidado, um trabalho gratuito que recai principalmente sobre os ombros das mulheres e que foi agravado pela pandemia.

Tomar medidas urgentes para que a inflação e a crise sejam pagas pelos capitalistas: um aumento emergencial dos salários e aposentadorias e cláusulas automáticas de revisão salarial em conformidade com o IPC (Índice de Preços ao Consumo). A luta por um salário digno e contra a desigualdade também requer medidas eficazes para sancionar e acabar com a disparidade salarial de gênero em todos os centros públicos e privados com mais de dez empregados, bem como protocolos de ação contra qualquer tipo de discriminação de gênero ou orientação sexual.

A defesa do Sistema Público de Previdência e a revogação das reformas previdenciárias do PSOE e (Partido Popular) é um mecanismo contra a privatização e pela defesa de um direito básico para milhões de trabalhadores, bem como um mecanismo de geração de emprego estabelecendo a aposentadoria aos 60 anos de idade. Nacionalização dos bancos, eletricidade e serviços públicos, sem indenização e sob o controle dos trabalhadores.

Estas reivindicações fazem parte de um programa de resgate da classe trabalhadora e do povo que nós de Corriente Roja estamos defendendo desde a crise de 2008 e que precisamos colocar em prática de forma unida através da organização, luta e mobilização. Um programa que necessariamente pressupõe tomar medidas resolutamente anticapitalistas, enfrentando os bancos, as multinacionais, o FMI, a União Europeia e o governo burguês de turno, seja quem for.


[1] O salário de processamento é o montante a que tem direito o trabalhador demitido cuja demissão tenha sido declarada inválida ou abusiva, ou seja, o montante igual à soma das remunerações não recebidas desde a data da demissão até à notificação da sentença que declare a inadmissibilidade.

Tradução: Rosangela Botelho

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