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Grã-Bretanha

Morreu Elizabeth II: o símbolo de uma potência imperialista em decadência

setembro 10, 2022

Elizabeth II, que era rainha da Grã-Bretanha desde 1952, faleceu aos 96 anos. A maior parte da mídia mundial presta homenagem a ela como uma figura internacional que parecia eterna, em um planeta que, no transcurso de seu reinado, passou por profundas mudanças e ascensões e quedas de muitas outras figuras. Nesse contexto de mudança, Elizabeth II parecia estar sempre presente. Por exemplo, uma rede multimídia americana expressa: “Com ela termina um reinado de 70 anos, que atravessou várias gerações e a transformou em um farol de estabilidade” [1].

Por: Alejandro Iturbe

Ao mesmo tempo, as monarquias que subsistem no mundo e seu modo de vida parasitário têm uma espécie de espetáculo cinematográfico ou televisivo que parece exercer um grande fascínio sobre muitas pessoas comuns: uma forma de fuga de suas vidas rotineiras e luta árdua pela sobrevivência. Não é por acaso que a coroação de Elizabeth II foi a primeira cerimônia do gênero que foi televisionada e que a série The Crown (baseada em sua vida) é uma das mais bem-sucedidas da Netflix.

Qual é o verdadeiro conteúdo e o real significado dessa vida? A Grã-Bretanha é uma monarquia constitucional: quem usa a coroa “rainha, mas não governa”. Ou seja, o rei ou rainha é basicamente um símbolo, uma representação simbólica do Império Britânico. As definições de política nacional e internacional são tomadas em outras áreas (quem ocupa o cargo de Primeiro-Ministro e o Parlamento). Essa situação é expressa no hino britânico, cuja primeira estrofe diz “Deus salve a rainha” (agora será alterada para “Deus salve o rei”) e pede “longa vida”, para que ela “defenda nossas leis”.

É um símbolo bastante caro, com certeza, já que a família real tem à sua disposição um grande número de palácios e outras propriedades, carros luxuosos, pessoal de serviço, pessoal doméstico e de segurança, alimentação e viagens pagas, etc. Em 2019, estima-se que a monarquia tenha custado ao povo britânico mais de US$ 104 milhões (um aumento de 40% em relação ao ano anterior) [2].

Isso significa que Elizabeth II e sua família viveram e vivem uma vida parasitária e luxuosa em uma verdadeira “redoma de vidro”, totalmente afastado dos problemas cotidianos das pessoas comuns. O que não impede, evidente, que em seu interior aconteçam inveja e ciúmes, situações de infidelidade, rompimentos conjugais… que parecem aproximá-los da realidade de qualquer família e podem gerar empatia. É uma imagem falsa, são situações que ocorrem dentro dessa “redoma de vidro” luxuosa e parasita. Basta dizer, por exemplo, que Elizabeth II nunca frequentou a escola e foi educada em casa por professores particulares (para “ser rainha”).

Dissemos que a monarquia britânica não tem poder político real e que subsiste basicamente como símbolo do Império Britânico, que se tornou, até o final do século XIX e início do século XX, o imperialismo mais forte do mundo, baseado sobre a dominação sangrenta de parte importante do mundo. Mas que no século 20 experimentaria um forte processo de declínio diante da ascensão acelerada do jovem imperialismo norte-americano, e também seria desafiado pelos imperialismos alemão e japonês que buscavam “rediscutir” a divisão do mundo.

Nesse contexto internacional, a burguesia imperialista britânica tinha importantes definições a tomar: desafiaria a crescente hegemonia dos EUA e estabeleceria uma aliança com Hitler ou se aliaria aos EUA, passando a um papel complementar no mundo e realizaria um retrocesso organizado? Foi um debate que durou grande parte da década de 1930 e acabou prevalecendo a política proposta pelo líder conservador Winston Churchill: aliar-se aos EUA.

A família real não era alheia a esses debates. O tio de Elizabeth II (Edward VIII) era publicamente simpático ao nazismo e teve um breve reinado em 1936, quando foi forçado a renunciar sob o pretexto de um escândalo amoroso. Ele foi sucedido pelo pai da falecida rainha (George IV), claramente alinhado com a política de Churchill.

Essa política aceitou a hegemonia estadunidense e se colocou atrás dela. Por exemplo, deu aos EUA o peso da guerra contra o Japão no Pacífico asiático e o papel central na frente ocidental europeia contra a Alemanha. Após a Segunda Guerra Mundial, em seu plano de “retirada organizada”, concedeu independência à maioria dos países que antes compunham o Império Britânico (às vezes forçado por lutas nacionais e em outras de forma mais tranquila). Em uma perspectiva de longo prazo, foi desmantelando grande parte da indústria britânica e virando o eixo da acumulação capitalista do país para as finanças. Em particular, como ponte para investimentos na China e na Índia. Essa reconversão do modelo econômico atingiu duramente os trabalhadores britânicos e suas famílias. Não é por acaso que, já em 1977, o grupo punk britânico O Sex Pistols gravou uma música que também se chama “Deus salve a rainha”, como expressão da raiva dos jovens desempregados da classe operária. Nessa música, eles chamam a monarquia de “fascista” e dizem que “não há futuro” para os jovens da Grã-Bretanha. Como décadas atrás com as greves da mineração, hoje os trabalhadores britânicos continuam lutando arduamente contra os ataques de seus governos e da burguesia.

Dissemos que a monarquia é um símbolo do Império Britânico. Portanto, não é um símbolo inocente. Por um lado, ela é a herdeira de reis e rainhas que construíram sangrentamente esse Império sobre muitos povos do mundo. Mesmo no declínio desse Império, Elizabeth II endossou e apoiou todas as políticas imperialistas dos diferentes governos britânicos durante seu reinado.

Basta citar três delas: a repressão à Irlanda do Norte; a guerra das Malvinas contra a Argentina (na qual seu filho Andrés se alistou como piloto da Força Aérea e recebeu a benção do Papa João Paulo II), e as derrotadas invasões e ocupações do Afeganistão e do Iraque, lideradas pelo imperialismo norte-americano, mas apoiadas pelo imperialismo britânico como seu principal colaborador. Suas mãos herdaram o sangue derramado pelos povos e o aumentaram.

Queremos terminar com um conceito que já expressamos antes da morte de Mikhail Gorbachev. A mídia imperialista presta homenagem e derramou lágrimas em nome da rainha Elizabeth II. Repudiamos seu nefasto papel na história como símbolo do sangrento imperialismo britânico. Não derramamos uma única lágrima por sua morte. Pelo contrário, como disse um poeta: “Estes não são os mortos que lamentamos”.

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