seg jun 17, 2024
segunda-feira, junho 17, 2024

Chile| Um ano na Convenção Constitucional

Nesta ocasião, farei o primeiro balanço de minha participação na Convenção Constitucional. Em primeiro lugar, devemos lembrar que ter elegido 27 integrantes da Lista do Povo, mais o Porta-Voz dos Povos em que 34 Constituintes assinamos uma declaração que expressava em boa parte as demandas da Revolução aberta em 18 de outubro, criaram expectativas em um importante setor do Povo.

Por: María Rivera, dirigente do MIT e ex-constituinte pelo Distrito 8

Assim, em 4 de julho de 2021, entrávamos em uma instituição burguesa que se viu obrigada a incluir diversas expressões do Chile que tinham lotado as praças, ruas e avenidas cheios de raiva contra aqueles que tiveram o poder durante 30 anos.

Nesse dia nos reunimos cedo na Plaza de la Dignidad (Praça da Dignidade), a mesma que viu jovens aguerridos lutar na primeira linha e se organizar brigadas de saúde, autodefesa e alimentação, assim como também viu Abel Acuña, Cristian Valdebenito, Mauricio Fredes perderem a vida na luta. Várias centenas de pessoas nos acompanharam até o ex -Congresso, onde nos esperava o início da Convenção com a habitual formalidade da elite, que rapidamente se viu frustrada porque nos vimos na obrigação de sair às ruas para enfrentar a repressão desatada.

Nesse primeiro dia, em que, pela primeira vez, em um organismo burguês, nos reuníamos Povo Originários, Independentes, e políticos tradicionais, a maioria das e dos constituintes enchiam o peito ocupando seu lugar de autoridade, em uma tenda com som ruim, sem um lugar onde nos alimentar, constatando que esta Convenção Constitucional, arrancada pela força da mobilização, não seria o que muitos e muitas sonhavam.

Constituintes da Lista do Povo caminhando para a Convenção Constitucional

Lá estava eu, sem nenhuma confiança, sem expectativas e levantando com orgulho as bandeiras do 18 de outubro e a bandeira do Movimento Internacional dos Trabalhadores, com a firme convicção de usar cada minuto para defender a luta pelo socialismo.

Não é fácil para ninguém estar em alerta permanente para não cair sob as pressões. Os ensinamentos que os mestres, o estudo, a elaboração e o apoio de nossa internacional da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional deixaram, nos permitiram entrar e sair com a cabeça erguida.

Desde o primeiro instante pude constatar que ser independente não é garantia de nada e que a diferença seria feita, a partir daquele mesmo instante, pelo programa que cada um dos 155 levava debaixo do braço. Não foi difícil saber quem era quem, por exemplo, a retumbante Declaração dos “Porta-Vozes dos Povos”, que atraiu a atenção da imprensa, logo se diluiu, porque as flamejantes dirigentes dos Porta-Vozes, feministas, 8M e outros independentes, só ficaram para emitir essa declaração. Para ganhar a imprensa talvez? Rapidamente sucumbiram às pressões e ao invés de se apoiarem na mobilização popular, ocuparam salões e corredores, inclusive as entrevistas na imprensa, para “negociar” com os partidos, relegando as demandas do Povo em benefício dos objetivos dos políticos de sempre e, sobretudo da Frente Ampla. Assim, foram ficando pelo caminho demandas urgentes como ser contra os TLCs (Tratados de Livre Comércio), a Educação sem participação de privados, o Fim das AFPs (Administradoras de Fundos de Pensão) e lutar para libertar os presos.

No dia da votação da norma de propriedade, uma das mais importantes da Nova Constituição, fui testemunha das pressões que os partidos das mais diversas cores faziam aos independentes e aos Povos Originários. Em uma delas, Patricio Fernández (PS-Partido Socialista), Ignacio Achurra (FA-Frente Ampla), Javier Fuschlocher (INN-Independentes Não Neutros), todos juntos pressionando às Constituintes Mapuche para que votassem que o Estado, no caso de expropriar propriedades, deveria fazê-lo com o pagamento prévio de indenizações. Essa chantagem evidentemente tinha como objetivo defender os grandes grupos econômicos do país. Também me pressionaram, mas como não acredito neles, não caí na sua manobra, que deixou felizes os donos das Florestais, das grandes Mineradoras e de toda grande Empresa pois o Estado chileno jamais terá dinheiro suficiente para recuperar o que nos roubaram.

No primeiro período do processo participei como integrante da Comissão Provisória de Direitos Humanos (DDHH), me encontrei frente a frente com o cúmplice da Ditadura Almirante Jorge Arancibia a quem confrontei e exigi que dissesse onde estão os Detidos Desaparecidos, homem de atitude soberba e cínica, a quem a pandemia ajudou a ficar em sua casa e diminuir o permanente repúdio expresso por aqueles de nós que não perdoamos nem esquecemos. Este cúmplice da ditadura, que chegava e se retirava com guarda-costas, fez parte de algum dos coletivos que os 37 representantes do setor mais Conservador do país integrava, os que têm uma facilidade gigante para mentir, não ficarem nervosos, e se apoiarem nas grandes equipes de assessores com cheiro de desinfetante que os assessoram. Alardeiam sua estirpe, humilham, se desesperam quando nos escutam e nos temem, o Povo Mobilizado os apavora. Individualmente se mostram amáveis: María, que honesta você é! é a mais consequente! Você é muito Valente! Te respeitamos, e quando o secretário Smock anunciava minha intervenção, um completo silêncio me antecedia, todos sabiam que existia a possibilidade que eu os denunciasse, os afrontasse como corruptos, responsáveis pela miséria. Hoje, depois de conhecê-los digo com a mesma força e com maior certeza “nunca devemos confiar em suas palavras de cortesia”, porque quando considerarem necessário, agirão como realmente pensam e aplicarão todo seu poder contra nós.

Do outro lado da moeda estive na mesma Comissão com a mítica Machi Francisca Linconao, com quem começamos uma grande amizade e pude conhecer mais de perto esta mulher Mapuche aguerrida, autoridade ancestral, desconfiada, mas como não sê-lo se passou um ano na prisão vítima de uma armação? Não tenho dúvida que a Machi continuará lutando para defender sua terra e expressando a impotência e a raiva por tanta discriminação e maus tratos ao seu povo. Da minha parte, em particular e publicamente, disse “reivindico a luta Mapuche pela recuperação das Terras e não questiono a violência que usam nessa luta”.

A decantação de posições não demorou. Os partidos tradicionais todos os ex -Concerta, INN, PS e FA hoje Bloco governante tomaram a direção, arrastando os independentes que a princípio pareciam decididos a lutar, mostrando que as campanhas eleitorais “aguentam tudo”. As Feministas organizaram “uma coletiva” encabeçada pelas 8M, também se organizaram os “Eco constituintes”, coletivos que se encheram de ex -independentes que em pouco tempo sucumbiram ou se entregaram diretamente ao ansiado poder tradicional.

Enquanto que os políticos de sempre, que dentro da Convenção estavam firmes em que deveriam proteger os privilégios dos poderosos, faziam e desfaziam normas, o setor popular devia dar explicações sobre a enganação do “Pelao Vade”[1], fazendo esforços para não serem contaminados, esforço que se veria rapidamente derrotado com a aparição do candidato Presidencial da Lista do Povo Diego Ancalao, que ressuscitou mortos, comprou cartórios e terminou por destruir o outrora Projeto Popular Lista do Povo.

Assim os 27 que chegamos como proposta nos diluímos, integramos diversos coletivos ou bancadas e continuamos, ao menos eu, defendendo o programa que levou até essa assembleia, que me permitiu provocar a histeria dos poderosos, o medo da Frente Ampla, a vergonha de vários independentes, a emoção de algumas que se dizem Comunistas e o orgulho de um importante setor de trabalhadores ao escutar-me.

Hoje, quando já ficou para trás essa parte do processo da Convenção constitucional, posso dizer sem medo de me enganar: nosso balanço é positivo, conseguimos levantar um programa Revolucionário, falando a verdade, propondo o caminho para o socialismo, única forma de acabar com a corrupção em todas as instituições do Estado, afrontando o poder burguês, demonstrando com que objetivo os revolucionários vão ao Parlamento. Não concedemos, não participamos de nenhuma negociação espúria pelas costas do Povo, não nos rendemos ao poder institucional e hoje podemos sair às ruas e defender o que ali semeamos.

Hoje devemos trabalhar com afinco e com a experiência ganha, dizer com total certeza que não é por dentro da institucionalidade que encontraremos a saída. Temos que continuar lutando para construir um programa que unifique a classe trabalhadora, e recuperar os sindicatos, as assembleias territoriais, as organizações de mulheres, jovens e anciãos, povos oprimidos e dissidências sexuais. Um programa de todas e todos os que lutam e com a férrea independência de classe para retomar as bandeiras que tremularam em outubro e mudar este Chile pela raiz. Para isso é necessário construir um Partido Revolucionário e desde já o MIT se coloca a serviço dessa tarefa que urge, para que o melhor da nossa classe se aproprie e realize esta tarefa. Deixamos aqui o convite para conhecer nossa proposta.


[1] Rodrigo Rojas Vade, o constituinte chileno que fingiu ser um paciente com câncer e que obteve um assento na Convenção Constitucional

Tradução: Lilian Enck

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