qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Congressos do PO e PTS: caminhos diferentes para uma mesma estratégia eleitoral

Durante o feriado prolongado de meados de junho, foram realizados simultaneamente os congressos do Partido Operário (PO) e do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), duas das principais forças que formam a (Frente de Esquerda dos Trabalhadores – Unidade) FIT–U. 

Por: PSTU-Argentina

Antes e depois dos congressos, ambos polemizaram entre si criticando suas posições eleitorais e oportunistas, críticas com muitas das quais podemos concordar. Entretanto, lendo suas publicações e resoluções, fica evidente que, embora digam o contrário, tanto o “movimento popular com bandeiras socialistas” do PO como as “assembleias abertas” do PTS são táticas distintas a serviço de uma mesma estratégia de postulação eleitoral para ser imposta na interna pelas candidaturas para 2023.

Por outro lado, no plano internacional ambos compartilham, com nuances, um mesmo posicionamento com relação à guerra da Ucrânia, onde se negam a apoiar a resistência operária e popular ucraniana contra a invasão genocida de Putin. Ambos concordaram na consigna pacifista “Não à guerra!” e consideram que frente à invasão de uma potência opressora contra um país oprimido que defende seu território e independência, não devem apoiar nenhum lado. Como já polemizamos extensamente em outros artigos da nossa organização internacional, com esta posição capitulam ao regime de Putin e enfraquecem a única saída revolucionária da guerra: o triunfo das massas ucranianas que enfrentam a invasão de armas na mão. Uma revisão completa, além das posições que tanto Lênin, como Trotsky e o SWP de Cannon propuseram frente a conflitos semelhantes.

O PO e seu “movimento popular” sem programa. 

Junto com a campanha por uma Paralisação Nacional e Plano de Luta (da qual logo falaremos), a principal resolução do Congresso do PO e o eixo de suas deliberações foi o impulso ao citado movimento. Do que se trata?

É indubitável que o bom resultado da FIT-U no ano passado se assentou na ruptura eleitoral de uma faixa minoritária, mas importante, da base operária e popular do peronismo, e especialmente do kirchnerismo, para a esquerda. Diante da forte crise que divide a Frente de Todos (FDT) e a perda do apoio popular do governo, o PO espera poder capitalizar uma possível ruptura e fortalecer-se apoiando-se no Polo Operário, seu braço piqueteiro que administra 60.000 planos.  Nas palavras do PO: esse crescimento excepcional que se deu em alguns distritos da província de Buenos Aires teve um grande impulso com as milhares de pessoas organizadas com o Polo Operário, que fizeram uma intensa campanha eleitoral como nunca antes (…) (1)

Aproveitar a ruptura (ainda que eleitoral) de setores do movimento operário com o peronismo para avançar na construção de um partido e de uma nova direção revolucionários do movimento operário é uma tarefa necessária. Foi o que conseguiu parcialmente o velho MAS sob a direção de Nahuel Moreno. Abriu centenas de locais nos bairros operários, agrupou o melhor da vanguarda operária e juvenil, centenas de delegados/as, dezenas de dirigentes de Comissões Internas e Sindicatos, equipes e militantes em quase todas as grandes fábricas com um programa revolucionário.

Mas não é isso o que o PO propõe com seu confuso “movimento popular” nos quais inclui todo tipo de lutas e direções (piqueteiras, sindicais, ambientais, das mulheres e jovens) e não se sabe qual programa teria para além da generalidade de ser supostamente “anticapitalisa” e “socialista”. Lembremos que já existem, em nível mundial, organizações como o Novo Partido Anticapitalista da França, integrado por partidos que se dizem trotskistas, e que levantam um programa “anticapitalista” reformista. E que já conhecemos a experiência na América Latina do “Socialismo do Século XXI” de Chávez, hoje encarnado na ditadura burguesa de Maduro.

“Movimento popular” pelas candidaturas de Solano-Del Plá?

Em uma contribuição à confusão, Gabriel Solano explica em uma reportagem à Prensa Obrera (2) que se trataria de uma aliança necessária à classe operária com outras classes exploradas e dá o exemplo do acordo dos bolcheviques com os Socialistas Revolucionários de Esquerda, que representavam os camponeses pobres, para tomar o poder baseados em seu programa de distribuição da terra. A mistura aqui é total. O “movimento popular” substituiria na Argentina os sovietes russos (3) Se a aliança é, neste caso, entre o movimento operário e as organizações piqueteiras de desempregados, estes seriam uma classe diferente, semelhante aos pequenos proprietários camponeses? Por outro lado, embora seja verdade que os bolcheviques adotaram o programa agrário dos sovietes camponeses – que o Governo Provisório onde estavam seus representantes (SR) não cumpria -, Lênin não renunciou ao programa marxista de socialização da produção agrária. Promoveu-o a partir do poder organizando os Koljoses e Sovjoses (4), tentando mostrar aos camponeses na prática as vantagens da coletivização.

Não temos aqui a possibilidade de desenvolver o debate com as inovadoras “contribuições teóricas” de Solano. A verdade é que as organizações de autodeterminação democrática dos trabalhadores surgem nos graves momentos da luta de classes e acreditamos que seja fundamental impulsioná-las e propagandear previamente sua necessidade. Um passo nesse sentido podem ser os comitês de luta, de fábrica, de autodefesa operária, mas nada disso é proposto pelo PO. Pelo contrário, sua orientação central é organizar assembleias do Polo Operário para propagandear sua campanha pela Paralisação Nacional e Plano de Luta que exigem da Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Não somos contra exigir da burocracia da CGT e da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA) que convoquem a paralisação, esclarecendo que devem romper primeiro com sua política de “paz social” e apoio ao Governo, mas isso não passa de uma campanha simbólica. Não é possível derrotar o ajuste do Governo e do FMI sem uma verdadeira greve geral que supere as direções burocráticas traidoras, no caminho de um Argentinaço e sem incentivar a auto-organização da base e preparar a autodefesa para enfrentar a inevitável repressão estatal. O Sindicato Único dos Trabalhadores da Borracha (SUTNA), em cuja direção o PO tem um forte peso, poderia ser uma grande alavanca para esta política, mas suas lutas e reivindicações não vão além de reivindicações salariais, justas e necessárias sem dúvida, mas que não transcendem o marco sindical.

Por outro lado, temos que dizer que uma organização que entrega seus militantes à justiça burguesa para “submeter-se a julgamento” como fez com César Arakaki e Dimas Ponce, mal pode propor estas tarefas. O PO agora enche o peito contra a criminalização dos protestos e o ataque midiático e dos políticos burgueses ao movimento piqueteiro e em especial ao Polo Operário, ataque que repudiamos. Porém pouco ou nada mobilizou com seus milhares de militantes quando se lutava pela liberdade de nossos companheiros, Daniel Ruiz já mencionado, ou mais recentemente, Sebastián Romero.

Por último, temos que dizer que Solano na citada reportagem esclarece um pouco o que significa este “movimento popular””. Diz que espera que esta proposta seja tomada pelo conjunto da FIT-U, ou seja, por uma frente eleitoral e, em outro, que junto com Romina del Plá farão “assembleias e atos por todo o país” e que “é óbvio que serão o binômio presidencial do partido”. (5) Depois de tudo parece que o tão mencionado “movimento popular” não seria mais que um grande movimento para militar sua campanha eleitoral nos bairros e talvez lançar uma ponte para juntar outras organizações da esquerda piqueteira à sua campanha.

 O PTS e suas “assembleias abertas” para a campanha de Bregman e Vilca

O Congresso do PTS também girou em torno do aproveitamento do processo de ruptura de uma faixa da base operária e popular com o peronismo. Por isso se propõem a promover “assembleias abertas” e abrir “casas culturais socialistas” para capitalizar o processo.

O Congresso votou uma campanha pela ruptura com o FMI e pela unidade entre trabalhadores empregados e desempregados para consegui-lo, e uma campanha pela redução da jornada de trabalho sem diminuição salarial como programa para unificar ambos os setores contra o desemprego, entre outras propostas com as quais podemos concordar. O Manifesto Programático, também votado, contém muitos pontos corretos, incluída a necessidade da revolução social, a conquista do poder pelos trabalhadores e o socialismo mundial, e até a autodefesa operária, embora colocada como uma tarefa para um futuro indefinido.

Mas o problema é que todas estas propostas acabam subordinadas, de fato, a outra das principais resoluções do Congresso: o lançamento das pré candidaturas de Myriam Bregman e Alejandro Vilca, em nível nacional, e de Nicolás Del Caño e “Chipi” Castillo para a província de Buenos Aires. Poderão dizer que nos textos propõem que estas candidaturas estejam subordinadas à luta extraparlamentar. Mas, se é assim, por que as difundem na mídia como uma das resoluções fundamentais? Por que as lançam um ano antes das PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) em um Congresso e inclusive as incluem como fechamento de seu “manifesto programático” (a campanha eleitoral seria uma tarefa programática para o PTS?)?

Por mais que critiquem para a tribuna o oportunismo do PO e seu “movimento popular” concordam estrategicamente no fundamental: subordinar seu programa e política a uma frente eleitoral permanente (a FIT-U) e sua correspondente “cooperativa eleitoral” da qual obtém suculentos rendimentos. Este é, sem dúvida, um eficiente mecanismo de cooptação do regime democrático burguês para todas as organizações de esquerda e que se expressa, por exemplo, nos acordos e votações de projetos de seus deputados/as em comum com a burguesia no Congresso. E também na inconsequência para defender publicamente o programa revolucionário ou os presos perseguidos pelo Estado capitalista. A crítica que apresentamos sobre o PO neste ponto, também cabe ao PTS. Suas principais figuras públicas nunca desenvolveram uma campanha sistemática pela liberdade e anulação dos processos de nossos companheiros na mídia e no Congresso e sua contribuição em militantes às mobilizações foi mais que simbólica.

Por último, inclusive uma proposta programática correta como a redução da jornada de trabalho está levantada em código eleitoral. Para o PTS trata-se de um projeto de lei para ser votado pelo Congresso Nacional e utilizá-lo na campanha, e não uma reivindicação para ser votada e promovida pelas organizações operárias para impô-la com a luta.

Nahuel Moreno referência indispensável

Outro dos elementos comuns entre os congressos das duas organizações é o caráter nacional-trotskista de ambos. Este conceito não tem a ver com discutir um ponto internacional ou algumas saudações de amigos de outros países. Trata-se de que não é possível construir um verdadeiro partido revolucionário se não for no marco da construção de um partido mundial da revolução centralizado democraticamente. Com congressos, elaborações, campanhas e uma direção coletiva que orientem a construção dos diferentes partidos como seções de uma internacional revolucionária.

Esse foi o grande ensinamento de Lênin e da direção bolchevique, que teve como uma de suas preocupações centrais a construção da Terceira Internacional. Foi a tradição continuada por Trotsky que em condições ainda mais adversas considerou como sua obra mais importante a fundação da IV Internacional para salvar a continuidade do marxismo revolucionário. E foi também a tradição que Nahuel Moreno continuou que, como sempre disse, dedicou seus maiores esforços a essa tarefa.

Como Moreno sempre dizia, toda construção de um partido nacional que não seja parte de uma construção internacional, está destinada a degenerar e sucumbir às pressões da burguesia e dos aparatos burocráticos e reformistas. Estas pressões, longe de diminuir, tornam-se mais fortes quanto mais cresce uma organização. Não é possível entender o processo de adaptação ao regime do PO e do PTS (e não apenas deles) sem partir deste marco.

No caso do PO poderíamos dizer que o nacional-trotskismo é um traço congênito. Em toda sua história nunca fizeram parte da construção de uma verdadeira organização internacional. A efêmera CRCI (6) de Altamira nunca funcionou como tal e se dissolveu há vários anos sem pena nem glória sem ter podido tirar uma única resolução em comum. No caso do PTS, seu nacional-trotskismo está dissimulado na FT (Fração Trotskista) (7) da qual participam vários grupos de diferentes países. Estes reproduzem em geral as elaborações e orientações do PTS, que atua como seu “partido mãe”, mas não se organizam organicamente como uma internacional centralizada democraticamente, com congressos periódicos e uma direção internacional efetiva.

Nas polêmicas entre ambos os partidos, citam as elaborações de Nahuel Moreno com desprezo. Caluniando e tergiversando como o PO na tradição altamirista ou deformando suas posições no caso do PTS (8). Em outra oportunidade entraremos nesse debate. A verdade é que ante a possibilidade de desenvolvimento de uma ruptura de faixas de trabalhadores/as com o peronismo, a experiência do PST e do velho MAS com Moreno, construídos em íntima ligação com o desenvolvimento de uma organização internacional não deixa de ser uma referência inevitável a despeito deles. Por isso, do PSTU, em uma escala muitíssimo mais modesta, tentamos nos apoiar nessas elaborações e experiências, estudando seus acertos e erros, para construir o partido revolucionário que a classe operária precisa, como seção da Liga Internacional dos Trabalhadores e na perspectiva da reconstrução da Quarta Internacional.

NOTAS:

1-https://prensaobrera.com/politicas/la-formula-del-pts-electoralismo-de-espalda-a-las-luchas

2- https://www.youtube.com/watch?v=ekujTgRdYlk

3- Organizações democráticas de duplo poder da classe operária e dos soldados surgidos no calor do processo revolucionário e que foram depois a base para a tomada do poder e do Estado operário revolucionário e seu governo bolchevique.

4-os koljoses eram cooperativas campesinas e os sovjoses empresas estatais agrícolas.

5-https://www.eldiarioar.com/politica/urgencia-piquetes-elecciones-2023-izquierda-discute-interna_1_9117416.html

6- O Comitê de Reconstrução da Quarta Internacional (CRQI) foi lançado em uma conferência convocada pelo Partido Operário em 2004 com a participação de pequenos grupos da Grécia, Itália e Uruguai entre outros.

7-Fração Trotskista pela Quarta Internacional (FT-QI).

8-Ver: (1) y https://www.laizquierdadiario.com/Hegemonia-proletaria-o-movimiento-popular-con-banderas-socialistas#nh4

Tradução: Lilian Enck

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