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África do Sul

África do Sul| O fim das ilusões e luta contra o legado de Mandela

Greve metalúrgica. Foto: Sharon Seretlo/Gallo Images
maio 21, 2022

A conjuntura política sul-africana está marcada por vários fatos que aconteceram nos últimos meses. Entre esses fatos, podemos destacar: greve metalúrgica, saques, surgimento da extrema direita e a expulsão do presidente Ramaphosa do ato do primeiro de maio. 

Por: Cesar Neto

Mandela e a Revolução do Arco Iris:

Como parte do acordo para o fim ao regime de apartheid e a criação de um novo regime ao qual Mandela denominou de Revolução do Arco-íris, foi feita uma negociação por cima, que buscava controlar, disciplinar a revolta contra o regime segregacionista do apartheid e manter o regime de exploração capitalista.

O plano econômico de Mandela consistiu na abertura ilimitada de importação de bens e consumo, e a consequência imediata foi um violento processo de desindustrialização, fechamento de inúmeras empresas e o desemprego atingiu nos últimos anos 35% da população. Além disso promoveu a total retirada de direitos trabalhistas e previdenciários. As escolas deixaram de ser gratuitas e o salário dos professores é pago parcialmente pelo Estado e a outra parte pelos alunos e seus país sem emprego.

Desemprego, fome e miséria igual ao apartheid

O desemprego antes da pandemia rondava os 35% da população. Hoje fala-se em mais de 45% e na juventude está na casa dos 70%. A fome golpeia duro os lares das famílias de trabalhadores. Mais de 25% das crianças em idade escolar padecem de nanismo. A miséria hoje, sem dúvidas, está no mesmo nível do famigerado apartheid. Tudo isso em uma economia forte e poderosa ao nível da economia da Argentina e Colômbia.

Conciliação com a burguesia e a criação de uma elite negra

Os bancos que financiaram o apartheid e as empresas que se valeram do apartheid para super-explorar os trabalhadores saíram sem nenhum arranhão do regime de segregação racial. Nenhum empresário foi condenado, afinal isso já havia sido negociado previamente com o Congresso Nacional Africano tendo à sua frente Mandela e sua equipe. Quando o dirigente comunista Chris Hani, ferrenho opositor dos acordos que estavam sendo feito, foi assassinado, a multidão ficou ensandecida. O governo já muito debilitado não teve forças para enfrentar-se com a ira popular e foi o mesmíssimo Mandela, ainda na oposição, quem foi a Televisão pedir calma e serenidade.

A conciliação não seria possível sem a incorporação de uma pequena parcela de negros ao poder. Assim, foram feitos planos de “empoderamento do povo negro” que resultou em uma nova fração burguesa e que agora é quem governa para os brancos e se aplica planos econômicos tal qual os brancos do apartheid.

Saques e greve metalúrgica: a classe trabalhadora nas ruas coloca o governo contra a parede

No mês de julho do ano passado ainda não tinha terminado a pandemia e os trabalhadores já saíram as ruas promovendo saques de grandes lojas e supermercados. Grupos armado oficiais e de para-policias mataram quase 400 pessoas em menos de uma semana. Em novembro, já animados pela onda de saques e empurrados pelos baixos salários, os metalúrgicos foram à greve. Foram três semanas de greve radicalizada, passeatas com mais de 20 mil pessoas e dois trabalhadores assassinados.

A partir desses dois grandes eventos, a classe trabalhadora sentiu-se fortalecida e começou uma onda de greves como a emblemática greve dos trabalhadores da Laticínios Glover, uma empresa cujo patrão é sionista e que mostrou a força da campanha internacional de solidariedade.

A mina de ouro da Sibanye Stillwater já tem dois meses e meio em greve e os trabalhadores não se mostram cansados[1], ao contrário tem energias suficiente para seguir a luta e incidir sobre outros setores mineiros. Os patrões da mineração já entenderam o recado dos trabalhadores: virão mais greves! As empresas estão assustadas e dizem que: “a produção de platina da África do Sul cairá abaixo dos níveis pré-Covid-19 em 2022, à medida que o risco de greves se aproxima”[2]

Ramaphosa, o presidente carniceiro Marikhana é expulso do primeiro de maio

A Ramaphosa é um experiente dirigente. Começou como líder estudantil, passou a líder dos mineiros, papagaio de pirata nas fotos com Mandela, e hoje é o presidente do país. A sua biografia ficou manchada para sempre quando já não era dirigente sindical mineiro, mas dirigente de uma empresa de mineração inglesa Lonmin, autorizou a repressão aos trabalhadores em greve. O resultado foi o assassinato de 34 pessoas e desde então Ramaphosa é conhecido com o Carniceiro de Marikhana.

Desta vez, Ramaphosa errou feio. Foi ao primeiro de maio convocada pela Cosatu (a central sindical ultra governista) e lá se deparou com os trabalhadores em greve da mina de ouro da Sibanye Stillwater. Em greve há dez semanas, os trabalhadores radicalizados não permitiram que ele falasse. Todos gritavam fora e avançaram sobre o palanque[3]. Ramaphosa, deixou o palanque, junto com o líder do Partido Comunista da África Sul, Blade Nzimande e a líder da Cosatu, Zingiswa Losi, escoltados pela polícia. Eles entraram em um carro da polícia e deixaram o estádio.

A classe trabalhadora debilitada sindical e politicamente

As centrais sindicais pressionadas pela crise econômica já não arrecadam como antes. A central sindical SAFTU e o sindicato NUMSA ambos ditos de oposição estão mergulhados em dívidas e crises internas e os dirigentes trocam acusações sobre corrupção e mordomias. A central sindical oficialista COSATU está dividida entre os apoiadores de Ramaphosa e os apoiadores do ex presidente Zuma, cassado por corrupção.

O Partido Comunista é um capítulo à parte. Faz parte da coalizão de governo de Ramaphosa, tem ministros e deputados e mesmo assim há 6 meses não paga o salário de seus funcionários. E como se fosse pouco quando da onda de saques, quando já tinha 72 mortos propôs mais intervenção do Estado, mais repressão.[4] O resultado final de “mais intervenção do Estado” foi o assassinato de quase 400 pessoas.

A maioria da correntes marxistas foram pouco a pouco abandonando o programa da III e da IV Internacional e acabaram como apêndice das burocracias de esquerda. Não tiveram a paciência leninista de construir um partido de quadros e agora quando a classe volta a lutar, eles não têm os militantes necessários para fazer o debate programático, a disputa com o reformismo e a força para impor um programa dos trabalhadores e anti capitalista.

As massas as cegas e sem direção

A classe trabalhadora vem fazendo seu papel. Greves longas, violentas e onde os trabalhadores põe seus mortos. Na greve metalúrgica, por exemplo, o valor acordado com a patronal, pelo tamanho da greve e pela sua radicalidade, foi um fiasco. Três semanas de greve para conseguir apenas 6%, isto é a inflação anual acumulada até outubro, ou entre 0,6 a 1,4% acima do inicialmente oferecido pela patronal.

Uma exceção tem sido a luta dos trabalhadores do Laticínios Glover e seu sindicato Giwusa (General Industries Workers Union of South África). Uma dura luta contra o patrão sionista e a direção sindical soube procurar apoio entre os palestinos e os trabalhadores de diversos países.

A violência contra imigrantes e contra os líderes das ocupações de terra até agora não mereceram o apoio decidido e mobilizador por parte dos sindicatos e da maioria da chamada esquerda marxista.

O surgimento da extrema direita

Há 28 anos quando terminou o regime de apartheid ninguém imaginaria que menos de três décadas depois o país voltaria a mesma pobreza, a mesma violência social e política. E mais, ninguém acreditaria que surgiria um novo ciclo de violência e que essa violência seria exercida por negros que ascenderam socialmente com a política de Mandela e Cia.

Então, hoje a realidade é que na medida em que a crise econômica avança, o desemprego aumenta, a classe média e a pequena burguesia perdem seus privilégios, cresce o sentimento pela busca da solução aos seus problemas. A classe média e a pequena burguesia estão querendo se desvencilhar do governo da ANC-COSATU-PC e ao não ver alternativas à esquerda se mudam de malas e bagagens para as ideias mais retrogradas e reacionárias e vão se juntando aos partidos de extrema direita como ActionSA e Patriotic Alliance.

E é esse sentimento de mudança que gera o caldo de cultivo para o crescimento de fortalecimento de três formas de violência contra os trabalhadores e o povo pobre. São elas:

O Estado burguês sul africano governado pelo ANC-COSATU-PC, faz sucessivas leis que impedem os trabalhadores migrantes de trabalharem e mais permite todo tipo de violência praticado pela extrema direita contra os trabalhadores migrantes. Os trabalhadores nacionais que fazem greves são violentamente reprimidos pela polícia e há contabilizada diversas espancamentos e mortes;

Os sem teto, especialmente os vinculados a organização Abahlali baseMjondolo, vêm sendo alvo de sucessivos assassinatos de seus militantes e nenhum criminoso foi preso por tais crimes. Todos são sabem de onde vêm as balas menos o Estado capitalista.

Os migrantes vivem escondidos em suas casas, sem poder trabalhar e buscar seu sustento. Mesmo assim membros da Operação Dudula, seguem impondo o terror como no caso do Elvis Nyathi, migrante do Zimbábue, que foi retirado de sua casa, espancado, morto e seu corpo incendiado. Já não é apenas um caso de xenofobia é também um caso de terrorismo ao qual o Estado se omite.

A Operação Dudula é um movimento de extrema direita dirigida por negros que enriqueceram e ao perder seus privilégios na crise econômica acusa os migrantes africanos de serem responsáveis pela crise. O líder dessa organização que prega e pratica violência, Nhlanhla Lux Dlamini, dá entrevista na tv, nos jornais, é ativo nas redes sociais onde prega sem nenhum pudor a violência contra imigrantes.

Três Tarefas urgentes: autodefesa, fora Ramaphosa e construir organizações independentes dos trabalhadores

Frente a violência da extrema direita e a cumplicidade do Estado e do governo Ramaphosa resta a classe trabalhadora negra organizar-se e preparar os organismos de autodefesa. Frente ao que Trotsky dizia: “todos os vapores pútridos da desintegração burguesa sociedade”, não resta a classe trabalhadora outra alternativa que não seja se organizar e lutar para poder defender-se da violência da ainda nascente extrema direita.

Fora Ramaphosa: O cântico que foi entoado pelos trabalhadores da mineração e os funcionários públicos no ato de primeiro de maio em Royal Bafokeng Stadium, deve ser levado a todos os trabalhadores, a juventude e aos moradores das townships. Fora Ramaphosa.

As organizações sindicais dos trabalhadores, burocratizadas e corrompidas por suas falcatruas econômicas já não podem cumprir o papel de organizador consequente das lutas dos trabalhadores. Só mobilizam para negociar em melhores condições. É preciso reorganizar a classe trabalhadora e coloca-la no centro da luta política e para isso é preciso reconstruir as organizações e expulsar a pútrida burocracia e administrar os sindicatos com democracia operária. Fora burocratas sindicais.

Por um governo dos trabalhadores e do povo pobre:

Depois de 28 anos de conciliação com a burguesia branca nacional e imperialista, o modelo criado por Mandela está sendo globalmente questionado. Mas o problema central não é Mandela, o problema central é a orientação de Mandela baseado na conciliação entre as classes e o desenvolvimento de uma nova burguesia negra ligada ao aparato do Estado.

Entre os dias 25 e 26 de junho será realizado o Working Class Summit (Cupula da Classe Trabalhadora) no qual a discussão central tem que ser a construção de um programa anti capitalista e anti imperialista rumo à construção de uma sociedade socialista sem patrões e dirigida pelas organizações de base dos trabalhadores.

Em 2018 foi realizado o I Working Class Summit e entre suas resoluções constava a construção de um partido dos trabalhadores. Por disputas inter burocráticas acabou sendo criado um partido a serviço de um setor da burocracia sindical. Agora temos a possibilidade de rediscutir e de fato começar a construção de um partido da classe trabalhadora.

Pela construção de organismos de auto defesa.

Fora Ramaphosa, o ANC e seus satélites.

Todos ao Working Class Summit

Por um governo dos trabalhadores

[1] ww.miningmx.com/top-story/49533-sibanye-stillwater-could-offer-unions-a-back-door-to-end-10-week-gold-strike-says-ceo/

[2] https://www.miningmx.com/top-story/49529-sa-platinum-production-to-fall-below-pre-covid-19-levels-in-2022-as-risk-of-strikes-looms/

[3] https://www.youtube.com/watch?v=-NlK5xKC6ZE     –   Ramaphosa leaves May Day event

[4] www.sacp.org.za/content/sacp-expresses-its-message-heartfelt-condolences-families-lost-their-loved-ones-because

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