É um fato conhecido que Bolsonaro se prepara para a possibilidade de perder as eleições e tentar um golpe militar. Se esse golpe será vitorioso ou não, dependerá da relação de forças concreta, caso aconteça.
Por: Eduardo Almeida
No entanto, só a existência dessa intenção, preparada abertamente desde a presidência da República, com apoio aberto por parte de setores das Forças Armadas, das polícias, de milícias armadas, deveria provocar uma séria discussão por parte do movimento de massas no Brasil.
No entanto, não é o que existe. As direções do PT e PSOL, assim como as centrais sindicais majoritárias, apostam simplesmente na vitória de Lula-Alckmin e nas instituições da democracia burguesa para “evitar o golpe”’.
Hoje nos parece que a maioria da grande burguesia nacional, assim como os setores majoritários do imperialismo, não apoiam uma proposta de golpe militar, por ter assegurado através de qualquer uma das chapas majoritárias nas pesquisas (Bolsonaro ou Lula) a continuidade de seus planos econômicos. Mas isso não exclui que Bolsonaro tente o golpe, com consequências imprevisíveis.
Além disso, Bolsonaro expressa uma ultradireita que veio para ficar. Ganhe ou perca as eleições, tente ou não um golpe, a ultradireita está mais organizada que nunca na base e vai causar enfrentamentos no futuro.
Existem milícias (bandidos e policiais interligados), grupos neofascistas ou fascistas armados, policiais civis e militares, setores das Forças Armadas em número crescente no Brasil, assim como em boa parte do mundo. Existe uma polarização da luta de classes a nível internacional, e uma de suas manifestações é exatamente a presença crescente da ultradireita.
A ameaça mais visível e imediata é a possibilidade de uma tentativa de golpe, perante a provável derrota eleitoral de Bolsonaro. Mas enfrentamentos de grupos de ultradireita armados com greves de trabalhadores, manifestações de mulheres, LGBTQ, e outras podem se tornar comuns no futuro. O que já existe hoje no campo, com jagunços do agronegócio assassinando lideranças camponesas, quilombolas, indígenas (como foi o ataque aos Ianomâmis,) pode se transladar para os centros urbanos.
Isso, de certa maneira, já existe nos bairros populares com o genocídio da juventude negra feito pelas polícias, muitas vezes associadas às milícias. Vários desses setores policiais são hegemonizados por grupos de ultradireita.
A presença crescente da ultradireita é uma expressão da polarização da luta de classes, que vai tender a se agudizar nos próximos anos. Os elementos de barbárie, da fome e desemprego, aumentam pela aplicação dos planos neoliberais. Isso vai acabar provocando mais resistência dos trabalhadores e do povo pobre. Existem greves hoje como da CSN, Avibrás, Chery, funcionalismo público. E devem existir mais durante o ano. Mas afinal, tudo deve ser canalizado para as eleições de outubro.
Depois das eleições, muita coisa vai depender de quem será o vencedor. Mas, mesmo com a vitória de Lula, a realidade do capitalismo mundial impõe a continuidade dos planos neoliberais, sem a possibilidade dada pelo boom das comodities em 2003. Mesmo que haja uma confiança inicial no governo, é provável que surjam lutas, mobilizações. Não se pode excluir inclusive a possibilidade de explosões sociais.
A burguesia utiliza o aparato de Estado, com as Forças Armadas, as polícias e a justiça, para “manter a ordem” e reprimir as mobilizações. Mas pode se utilizar também desses grupos organizados e armados na base para isso. Um grupo armado pode dissolver uma assembleia ou uma passeata.
O fato é que a ultradireita se prepara ativa e publicamente, tanto para a possibilidade de um golpe, como para os enfrentamentos cotidianos com o movimento dos trabalhadores.
No entanto, o outro polo, o movimento de massas, não está preparado. E isso começa pela deseducação política sobre esse tema. A estratégia das correntes majoritárias, articuladas ao redor das direções do PT e PSOL, é eleitoral, por dentro das instituições da democracia burguesa. Tudo se orienta para as eleições de outubro e a confiança na justiça, no Congresso, nas Forças Armadas. Nunca chamam a auto-organização do movimento, menos ainda sua autodefesa.
As instituições burguesas não merecem nenhuma confiança, nem para resistir a uma tentativa de golpe, menos ainda para defender as lutas dos trabalhadores.
A justiça, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), já demonstrou seu caráter de classe burguês e sua covardia perante à ultradireita, encobrindo crimes como o assassinato de Marielle Franco e as chacinas policiais nos bairros do Rio de Janeiro. O Congresso, dominado pelo centrão, pode se vender a quem der mais. As Forças Armadas e as polícias, provavelmente, estarão divididas perante um golpe. Além disso, historicamente estão contra as lutas das massas.
Mesmo que haja resistência dessas instituições perante um golpe, serão parciais e limitadas. Podem ser vitoriosas, mas nada assegura isso. E, se esses grupos armados entram em cena contra setores desarmados, terão possibilidades maiores de êxito.
A única possibilidade real de resistência é do movimento de massas. O povo nas ruas derrubou a ditadura no Brasil em 1984, na Argentina em 1982, na Bolívia em diversas vezes (a última derrotando o golpe de 2019), impediu o golpe imperialista na Venezuela em 2002.
Mas, para isso, é necessário que os trabalhadores se preparem. Tanto para a possibilidade de golpe, como para as lutas dos próximos anos. Exatamente como a ultradireita já está fazendo. Isso significa organizar a autodefesa dos trabalhadores.
A necessidade imperiosa da autodefesa
Os trabalhadores são a maioria absoluta na sociedade, e produzem tudo o que se come, veste, onde se habita. Mas quem controla o Estado e a sociedade é uma pequena minoria, a burguesia, possuidora das grandes empresas. Essa minoria governa hoje com Bolsonaro, e, mesmo com uma cara diferente, vai estar no poder com Lula.
A dominação da burguesia tem uma parte ideológica e política, assegurada pelas instituições (governo, Congresso, partidos políticos), que asseguram o conformismo, a aceitação da dominação. Uma parte importante dessa dominação é, na democracia burguesa, a possibilidade de mudança dos governos repudiados pela população (como Bolsonaro hoje) por outros (como Lula) nos quais existam expectativas. Assim, se pode canalizar o desgaste e crise dos governos através das eleições, sempre controladas pelo grande capital.
A parte essencial e decisiva da dominação burguesa é pelas Forças Armadas e as polícias que garantem, em ultima instância, a “ordem burguesa”, ou seja a exploração capitalista das grandes empresas, pela força das armas, da repressão.
Nós defendemos as liberdades democráticas dentro das Forças Armadas e das polícias, para dificultar essa repressão. Reivindicamos o direito de organização sindical e de greve dos soldados e suboficiais, assim como o direito de eleger os oficiais e a desmilitarização da Policia Militar. Evidentemente, enquanto houver capitalismo, as polícias estarão sempre a serviço da repressão do povo. Por isso, nosso programa é a construção de outro Estado e o fim de todos os órgãos de repressão contra o povo. Ao defender, frente à realidade atual, a desmilitarização das PMs, uma polícia unificada onde haja direito de organização dos soldados e, ao mesmo tempo, controle da população, estamos tratando de dar passos no sentido do desmantelamento das forças repressivas.
Mas isso não existe hoje. A realidade é a dura repressão das massas pelo aparato repressivo do Estado.
O monopólio das armas pelo Estado burguês é parte fundamental dessa dominação, encarada como “normal” pela população, e defendida pela maioria dos partidos burgueses e reformistas.
A resultante é que a repressão policial muitas vezes consegue acabar com manifestações e greves. As polícias podem agir como tropas de ocupação nas comunidades, ferindo e matando a juventude negra.
Além disso, existem os grupos armados paraestatais da burguesia, como os jagunços no campo, que assassinam lideranças camponesas. Bolsonaro estimula o armamento, mas da burguesia e da alta classe média, para defender suas propriedades e sustentar seu golpismo.
Os trabalhadores, mesmo sendo maioria absoluta, aceitam sua dominação e exploração pelo controle ideológico e político. E, quando se rebelam, são reprimidos pelo aparato armado estatal e paraestatal dirigidos por uma minoria, a grande burguesia.
A luta contra essa situação começa pela política. Os trabalhadores têm todo o direito de se defender contra a violência da burguesia. Não é correto aceitar passivamente a repressão do Estado ou dos grupos armados da burguesia.
Isso nada tem a ver com a defesa da guerrilha, de grupos desligados do movimento de massas, que tentam substituir a ação das massas. Ou as próprias massas se defendem, ou nada. A experiência de 2013 mostrou como alguns grupos de vanguarda, como os black blocs, com ações por fora das massas, só facilitam a repressão policial. Além disso, por vezes são infiltrados pela policia.
Quando as massas entram em ação e assumem sua defesa, podem ser vitoriosas, acumulam consciência e organização.
Isso ocorre, muitas vezes, como consequência das lutas diretas. Nas greves, se formam os piquetes, que servem para o convencimento dos que vacilam, e também para o uso da força contra os fura-greves. Os piquetes são exemplos de autodefesa das massas.
Em momentos mais avançados da luta, por exemplo, nas greves de ocupação na década de 1980 da Mannesman e Belgo em Minas Gerais, assim como na GM de São José dos Campos, piquetes impediram também a entrada da polícia nas fábricas e garantiram a vitória das greves.
Como afirmou Trotsky: “No fundo, o piquete é o embrião da milícia operária. Aquele que pensa ser necessário renunciar à luta física deve renunciar a toda luta, pois o espírito não vive sem a carne.”
Na ocupação do Pinheirinho, localizada na cidade de São José dos Campos (SP), em 2012, a população organizou a resistência contra a invasão da polícia. A polícia ocupou o Pinheirinho, mas, mesmo assim, a população resistiu de forma heroica. O exemplo da resistência do Pinheirinho se tornou uma referência para outras ocupações.
No ascenso revolucionário no Chile, em 2019 e 2020, se organizou a “Primeira Linha”. Eram grupos de ativistas que defendiam os atos e passeatas contra a polícia. Não se tratavam de ações individuais, por fora das massas, como os black blocs nas mobilizações de 2013. A Primeira Linha era parte direta do movimento, reivindicada pelas massas.
Vemos uma tendência da luta de classes se agudizar e polarizar. Os trabalhadores têm necessidade de se organizar para lutar contra a violência da burguesia, seja pela polícia, pelas milícias da direita, pelas Forças Armadas.
Por esse motivo, afirmamos a necessidade de começar desde já a organização para a autodefesa do movimento de massas. O enfrentamento com a possibilidade de golpe de Bolsonaro é só a expressão de uma necessidade mais profunda das massas.
Como dizíamos, isso começa por um debate político sobre essa necessidade, que deveria ser assumida publicamente pelos partidos e centrais sindicais majoritários do movimento, como PT, PSOL e CUT.
Isso significa montar equipes de autodefesa em todos os sindicatos, movimentos sociais (camponeses, ocupações de terras urbanas e rurais, quilombolas, contra a opressão de mulheres, LGBTQ, contra o racismo), de juventude, associações de bairros. Formar equipes de autodefesa para treinamento em artes marciais e defesa nas manifestações, piquetes de greve, etc. Inclui preparar equipes de autodefesa também para as eleições, preparando a resposta em caso de golpe.
A questão do direito ao armamento
Parte desse debate tem a ver com o direito ou não de armamento do povo. Isso inclui o processo coletivo, como estamos tratando acima, da autodefesa das massas, a partir de suas organizações de luta. E, inclui também, o direito individual de armamento.
Essa polêmica está aberta no movimento. E parte dela tem a ver com a defesa feita sistematicamente por Bolsonaro do armamento da burguesia e da classe média. Tanto o PT, o PSOL, assim como a maioria dos partidos da burguesia respondem a isso com uma postura pacifista, contrária ao armamento.
No entanto, essa posição só enfraquece o direito de defesa do movimento de massas e da população como um todo contra a violência do Estado e dos grupos bolsonaristas de ultradireita. É um fato que, nos três primeiros anos do governo Bolsonaro (2019 a 2021), o registro de armas de fogo pela Polícia Federal mais do que triplicou em relação aos três anos anteriores (2016 a 2018). Os “clubes de tiro” da classe média e da burguesia se multiplicam no país. As milícias bolsonaristas se armam de forma ostensiva.
Perante essa realidade, os pacifistas defendem o desarmamento. Não temos acordo com isso. O armamento da população é um direito democrático. Foi fundamental nas revoluções burguesas, a começar pela francesa. Na revolução democrático burguesa nos EUA, também se deu o armamento da população, e essa conquista segue assegurada na Constituição, que diz que um cidadão desarmado não pode ser um cidadão livre.
Por que não assegurar o direito coletivo dos trabalhadores ao armamento? Por que não assegurar o direito individual da população brasileira ao armamento, como na Constituição norte-americana? Por que o movimento não pode se defender da polícia , dos jagunços da burguesia e da ultradireita? Por que o povo não pode se defender nas comunidades pobres, tanto dos bandidos como da polícia?
Contra o armamentismo bolsonarista, nós defendemos o direito democrático do povo pobre ao armamento.