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segunda-feira, junho 17, 2024

Entrevista com María Rivera: “Não é simplesmente a nacionalização do mineral, é a nacionalização das grandes empresas mineradoras de cobre, lítio, ouro e outros minerais estratégicos”.

María Rivera, constituinte do D8[Distrito 8] e dirigenta do MIT, é uma das constituintes, juntamente com Ivanna Olivares, impulsionadora da norma constitucional para a Nacionalização da Grande Mineração de Cobre, Lítio e outros bens estratégicos, além de apoiar e assinar a Iniciativa Popular da norma que atingiu mais de 24 mil assinaturas, propondo também a nacionalização das grandes empresas mineradoras.

LVT: Maria, em primeiro lugar, o que você apresentando nas propostas de nacionalização? O cobre não está nacionalizado atualmente?

Olá, muito obrigada pela entrevista. Esta é uma das questões mais importantes da atual Convenção Constitucional, senão a mais importante.

Sim, você está certo, na atual Constituição o cobre está nacionalizado. Mas estamos falando das reservas, o cobre que está no subsolo. O que a ditadura fez (e José Piñera é o grande responsável por isso) foi permitir que o cobre fosse privatizado através de concessões plenas, o que dão às grandes mineradoras privadas a possibilidade de se apropriar de todo o minério que encontrarem e lucrar com ele. Portanto, o que diz a Constituição de 1980 é uma falácia, por exemplo, hoje mais de 70% do cobre está em mãos privadas.

Então, o que propomos não é simplesmente a nacionalização do mineral, mas a nacionalização das grandes mineradoras de cobre, lítio, ouro e outros minerais estratégicos.

LVT: E por que você propõe a nacionalização dessas empresas?

Porque o cobre e outros recursos minerais e naturais não lhes pertencem. Esses bens pertencem ao povo chileno e aos demais povos que vivem neste território. As grandes empresas privadas extraem os minerais e os vendem no mercado mundial para encher seus bolsos de dinheiro. Aqui no Chile elas só deixam para trás a destruição da natureza, seca dos rios, poluição e superexploração dos trabalhadores mineiros. Além disso, a mineração privada paga impostos muito baixos, uma vez que utilizam vários mecanismos para reduzir ficticiamente seus lucros (empréstimos com outras empresas para declarar prejuízos ou aumento dos custos de compra e venda com empresas associadas, etc.).

Um estudo de economistas da Universidade do Chile (Gino Sturla, Ramón Lopez e outros) calcula que, entre 2005 e 2014, as grandes mineradoras arrecadaram mais de 12 bilhões de dólares por ano em lucros não declarados. Se somarmos a isso os lucros declarados da mineração em grande escala, chegamos a valores de 20 a 30 bilhões de dólares anuais, o que corresponde à metade do orçamento do Estado das últimas décadas. Com esta imensa riqueza, quase todos os problemas urgentes da população poderiam ser resolvidos: déficit habitacional, a precariedade da saúde pública e da educação, o aumento das aposentadorias e muito mais. Mas essa riqueza está sendo presenteada e acaba nas contas da Luksic [conglomerado presente na mineração de cobre, cerveja, cabos e fibras e controle do Banco do Chile, ndt.] e dos grandes empresários norte-americanos, canadenses, chineses, ingleses, etc.

LVT: Mas como seria feita essa nacionalização? As indenizações seriam pagas?

As normas que apoiamos estabelecem que o pagamento das indenizações devem ser de acordo com o valor das empresas a partir de dezembro de 2021, deduzindo desses valores os rendimentos excessivos dessas empresas. Para se ter uma idéia, estima-se que o valor dessas empresas poderia chegar a 50 bilhões de dólares.

No entanto, acredito que cabe ao povo decidir isso. O mesmo estudo que citei anteriormente diz que as grandes mineradoras entre 2005 e 2014 arrecadaram mais de 120 bilhões de dólares nesse período (sem contar os lucros). É justo que agora tenhamos que pagá-los novamente? Não é suficiente o que eles saquearam de nós, a contaminação que deixaram nas comunidades, as doenças dos trabalhadores mineiros, os rejeitos que continuam contaminando os lençóis freáticos por décadas? Em nossa opinião, o que eles roubaram é suficiente e não devemos pagar-lhes um único centavo.

LVT: Uma das medidas que levaram ao golpe de 1973 foi a nacionalização do cobre pelo governo de Salvador Allende. Isso não poderia acontecer novamente?

O golpe de 1973 estava sendo preparado há anos, mesmo durante o governo de Eduardo Frei [presidente da Republica de 1964-1970, ndt.]. Nitidamente o imperialismo e a burguesia chilena não queriam fazer nenhuma mudança profunda, nem a Reforma Agrária, nem a nacionalização do cobre, nem queriam que suas grandes propriedades e privilégios fossem tocados. Não temos dúvidas de que a burguesia chilena e estrangeira poderia reagir novamente da mesma forma contra a soberania popular. A burguesia chilena foi golpista ao longo da história e nunca aceitou perder seus privilégios.

É por isso que acreditamos que o povo deve se organizar para estar preparado e enfrentar a burguesia e o imperialismo, caso não aceitem a democracia e a soberania popular. Devemos também apelar às tropas das Forças Armadas para que não aceitem nenhuma tentativa de golpe dos oficiais, como aconteceu em 1973. As tropas são os filhos e filhas do povo, os oficiais fazem parte da elite deste país.

LVT: Muitos setores das comunidades afetadas pela mineração e ambientalistas criticam a Big Mining [grande mineradoras, ndt] e alguns até defendem o fechamento das mineradoras. O que você pensa sobre isso?

Acredito que as comunidades e muitos ambientalistas estão absolutamente certos nessa crítica. Há anos também denunciamos a contaminação das mineradoras e as conseqüências dessa contaminação para os próprios mineiros e suas famílias. Na mina “El Teniente”, junto com os líderes sindicais da empresa Mas Errázuriz S.A., realizamos uma campanha de vários meses contra a contaminação. O sindicato chegou a fazer exames nos trabalhadores e foram detectados altíssimos índices de doenças pulmonares. Soma-se a isso o uso intensivo de água, a destruição de geleiras e assim por diante.

Nós não defendemos o modelo atual de exploração mineira. É por isso que propomos que as empresas nacionalizadas sejam controladas pelos trabalhadores da mineração com a participação das comunidades. As comunidades devem ser envolvidas na revisão dos projetos e mesmo na deliberação desses projetos, que muitas vezes afetam diretamente suas vidas. O povo em geral deveria ter muito mais controle sobre as mineradoras. Por exemplo, no caso dos glaciares, será que queremos que a atividade de mineração coloque em risco os ecossistemas e o abastecimento de água à população humana? É claro que não.

Não somos a favor do fim da mineração porque reconhecemos que ela é necessária para a humanidade. O cobre é utilizado em inúmeros produtos, tudo o que hoje tem cabos elétricos tem cobre. No entanto, não podemos continuar com a lógica irracional da produção capitalista, que é a de minerar e minerar para vender e lucrar. Devemos extrair o cobre e outros minerais de forma racional, tomando muito mais medidas para amortecer os impactos na natureza, a contaminação, etc. E se necessário, devemos fechar algumas minas e reduzir a produção. Mas só é possível discutir tudo isso se os trabalhadores e o povo controlarem a grande mineração. É por isso que, nós do MIT, propusemos em nossa proposta inicial (que não passou na norma) a criação de um Conselho Operário e Popular da Mineração, com a participação dos trabalhadores, comunidades e também organizações da classe trabalhadora, tais como sindicatos, assembléias territoriais, etc. Dessa forma, a mineração poderia ser controlada de uma forma muito mais democrática.

LVT: Mas será possível tal forma de administração sob o capitalismo?

A nacionalização com o controle operário e popular é uma medida de transição em direção a outro sistema econômico. Acreditamos que seria uma medida muito importante, mas essa medida só faria sentido se avançarmos para um governo da classe trabalhadora e dos povos. É por isso que na Convenção Constitucional também fizemos mais duas propostas: a criação de uma Assembleia Plurinacional dos/as Trabalhadores e dos Povos; e a proposta de Nacionalização de todas as grandes empresas estratégicas e de Planejamento econômico. Com estas duas propostas (uma das quais já foi rejeitada) seria possível avançar para uma sociedade diferente, para um governo dos/as trabalhadores e para um sistema econômico socialista, cuja prioridade seria resolver os problemas sociais e da natureza.

Tradução: Rosangela Botelho

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