seg jun 17, 2024
segunda-feira, junho 17, 2024

María Rivera apresenta norma pela Planificação Econômica e Socialização das grandes empresas

Nesta segunda-feira, nossa companheira María Rivera defendeu, na Comissão de Meio Ambiente e Modelo Econômico da Convenção Constitucional, uma proposta que apresenta a Planificação Econômica e a Socialização das Grandes Empresas e Bancos do país. Esta norma tem como objetivo reorganizar a economia chilena com base nas necessidades da maioria da população e não nas dos grandes empresários e transnacionais. Abaixo reproduzimos seu discurso de apresentação e a Norma completa.

Por: MIT Chile

Pela Socialização dos Meios de Produção e Planificação social da Economia

  1. Fundamentos

O modo de produção capitalista, dominante em todo o planeta, tem consequências nefastas para a humanidade e a natureza como um todo. Esse modo de produção não tem como objetivo gerar melhores condições de vida aos seres humanos nem manter uma relação harmônica entre a humanidade, os demais seres vivos e a natureza como um todo. O principal objetivo da produção capitalista é acumular riquezas nas mãos dos donos das grandes empresas e bancos através da exploração da maioria da classe trabalhadora.

O capitalismo leva, necessariamente, à destruição em massa da natureza e à miséria de milhões de pessoas. A concorrência entre os grandes grupos econômicos (e consequentemente entre seus Estados nacionais) não permite que o ritmo de produção e acumulação seja diminuído. Na lógica capitalista, as empresas que não realizam uma revolução tecnológica permanente e não estão em busca constante de aumentar a exploração das e dos trabalhadores não podem competir e tenderão a desaparecer e com isso deixar de enriquecer seus donos. Por isso, a cada dia são produzidas tecnologias mais avançadas com o objetivo de produzir mais mercadorias com menor custo. Essas tecnologias não significam melhores condições de vida para a humanidade, já que a maioria delas é traduzida em perdas de fontes de trabalho para a classe trabalhadora através da substituição dos trabalhadores por máquinas e inteligência artificial.

A acumulação de riqueza em um polo da sociedade (os donos das empresas) impossibilita que um setor expressivo da população mundial possa consumir a enorme quantidade de mercadorias produzidas em massa, o que leva o conjunto do sistema a crises periódicas de superprodução.

Para a natureza, essas novas tecnologias significam uma destruição cada vez maior dos ecossistemas e exploração irracional dos bens naturais, gerando enormes “monstros” de destruição em massa(manejados na lógica capitalista de produção), como a pesca industrial de arrasto, a grande mineração, as grandes empresas petroleiras, a monocultura e um longo etc.

Assim, hoje no mundo presenciamos uma situação totalmente contraditória. Nunca na história da humanidade foram produzidas tantas riquezas materiais. Entretando, nunca houve tanta desigualdade social, tantos pobres, tantos suicídios e pessoas que sofrem de doenças psicológicas e psiquiátricas, nunca houve tantos refugiados. Enquanto a maioria da população mundial vive entre a pobreza, a exploração e um enorme estresse diário devido a longas jornadas de trabalho e a precariedade da vida, uma ínfima minoria vive em condições muito superiores a das antigas nobrezas ou aristocracias. Há 4 anos, os 8 homens mais ricos do mundo possuíam mais riqueza que 3,5 bilhões
de habitantes, cerca 50% da população mundial.

Em 2021, durante a atual pandemia que já deixou mais de 5 milhões de mortos e mais de 160 milhões de novos pobres, os superricos ficaram mais ricos. Os 252 homens mais ricos do planeta possuem atualmente mais riqueza que todas as mulheres e meninas do continente africano e da América Latina e  Caribe.
No capitalismo, o que determina a organização da produção e distribuição de mercadorias é a lógica do lucro e da acumulação de capital. Assim, temos o paradoxo de ver como são desperdiçados mais de 900 milhões de toneladas anuais de alimentos (um quinto dos alimentos produzidos) enquanto mais de 800 milhões de pessoas no planeta passam fome.

Vemos como em todo o mundo sobram imóveis vazios, mas há enormes déficits habitacionais. A atual pandemia do coronavírus é o melhor exemplo dessa irracionalidade, onde a produção e distribuição de vacinas é totalmente desigual e a única planificação que existe é a do lucro. Segundo dados da ONU, em 15 de setembro de 2021, as taxas de vacinação em países de baixa renda eram de 3% da população, quando nos países de alta renda chegavam a mais de 60%. Na República Democrática do Congo, por exemplo, cerca de 0,09% da população havia sido vacinada, quando no Reino Unido já superava os 70%.

A extrema desigualdade e a falta de planificação em todos os âmbitos da economia e sociedade é a característica mais marcante do capitalismo, um sistema totalmente ineficiente para garantir a vida humana, mas totalmente eficiente para garantir os lucros das transnacionais.

Tal sistema econômico, que carrega em seu interior tão enormes contradições, não tem outra consequência que gerar um enorme descontentamento social, que se traduz permanentemente em rebeliões, revoltas e revoluções. É por isso que nos últimos 170 anos vimos inumeráveis revoluções contra o capitalismo. As mais importantes delas foram tão longe que chegaram a expropriar a grande burguesia, gerar novos tipos de Estado e uma transição para outro sistema econômico e social, o socialismo. As principais delas foram a Comuna de Paris de 1871 (que durou somente 70 dias, mas foi a primeira experiência onde a classe trabalhadora tomou o poder em suas mãos), a Revolução Russa (1917), a Revolução Chinesa (1949), a Revolução Cubana (1959) e outras revoluções na Ásia e Leste Europeu.

Além dessas revoluções, as mais profundas do século passado, houve várias outras que não chegaram tão longe, mas que também demonstram o fracasso do sistema capitalista mundial. Apenas nos últimos 20 anos, vimos inumeráveis revoluções na América Latina (Bolívia, Equador, Argentina), em países do Norte da África e do Oriente Médio (Egito, Tunísia, Líbia, Síria, Yêmen) e processos de rebeliões populares nos Estados Unidos, Europa e em todo o mundo.

Desde 2019, nosso próprio país vive um processo revolucionário devido a todos os problemas gerados pelo capitalismo.
As revoluções socialistas iniciaram um período de superação do modo de produção capitalista na história, mas retrocederam depois de algumas décadas devido principalmente ao papel de suas direções e governantes, que afirmaram que era possível construir o socialismo em suas nações de forma isolada, sem levar a fundo a luta contra o capitalismo em todo o planeta. A principal teoria e prática que levou o socialismo ao fracasso foi a do “Socialismo em um só país” de Josef Stalin, ex-ditador da União Soviética. Stalin iniciou uma verdadeira contrarrevolução na URSS para defender os interesses da burocracia soviética, que levou milhões de trabalhadores, camponeses e revolucionários à morte. Durante os anos 70 e 80 o capitalismo foi restaurado em todos os países onde havia começado a desaparecer: Cuba, URSS, China, Leste Europeu, Vietnã, etc.

Ao contrário do que dizem os teóricos do capitalismo, como Francis Fukuyama, os anos 90 não provaram o fracasso do socialismo e a vitória do capitalismo. O capitalismo demonstra dia após dia que a única coisa que pode garantir é a acumulação de riquezas e enormes desigualdades sociais. A queda da União Soviética e o fim do chamado “socialismo real” provou o fracasso da política stalinista de construção do socialismo em coexistência pacífica com o capitalismo. Posteriormente, as experiências do “socialismo do século XXI” com os governos de Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia ou Rafael Correa no Equador,  não foram mais que experiências nacionalistas que não conseguiram tirar o poder da burguesia nem construir um novo tipo de sociedade.

As experiências de economias planificadas (embora burocraticamente dirigidas pelos Partidos Comunistas) a partir da socialização dos meios de produção revelaram o enorme poder da planificação econômica. Citaremos alguns exemplos sobre os casos da URSS e Cuba.

 Algumas experiências históricas de Planificação Econômica

  1. As conquistas econômicas e sociais da planificação econômica na Rússia.

León Trotsky, um dos principais líderes da Revolução Russa (depois exilado, perseguido e assassinado por ordem de Stalin) assim descreve a situação da economia russa nos anos 30 (menos de duas décadas depois da Revolução), quando o mundo capitalista vivia a Grande Depressão:
“A amplitude da industrialização da URSS, em meio ao estancamento e da decadência de quase todo o universo capitalista, pode ser deduzida dos índices globais que apresento a seguir. A produção industrial da Alemanha só recupera seu nível graças à febre dos armamentos. No mesmo período, a produção da Grã Bretanha só aumentou, ajudada pelo protecionismo, de 3 a 4%.  A produção industrial dos Estados Unidos caiu cerca de 25%; a da França, mais de 30%.  O Japão, em seu frenesi de armamentos e bandidagem, se coloca, por seu êxito, no primeiro lugar dos países capitalistas: sua produção aumentou cerca de 40%. Mas este índice excepcional empalidece também ante a dinâmica do desenvolvimento da URSS cuja produção industrial aumentou, no mesmo período, 3,5 vezes, o que significa um aumento de 250%. Nos dez últimos anos (1925-1935), a indústria pesada soviética aumentou sua produção mais de dez. No primeiro ano do plano quinqüenal, os investimentos de capitais se elevaram a 5,4 bilhões de rublos; em 1936, devem ser de 32 bilhões.

Se, dada a instabilidade do rublo como unidade de medida, abandonarmos as estimativas financeiras, outras, mais indiscutíveis, se impõem a nós. Em dezembro de 1913, a bacia de Donetz produziu 2.275 toneladas de carvão fóssil; em dezembro de 1935, 7.125 toneladas.  Durante os três últimos anos, a produção metalúrgica aumentou duas vezes, a do aço e dos aços laminados, cerca de 2,5 vezes. Em comparação com a pré-guerra, a extração de naftas, de carvão fóssil e do minério de ferro aumentou 3 ou 3,5 vezes.

Em 1920, quando foi decretado o primeiro plano de eletrificação, o país tinha estações locais de uma potência total de 253.000 kilowatts. Em 1935, já havia 95 estações locais com uma potência total de 4.345.000 kilowatts.   Em 1925, a URSS tinha o décimo primeiro lugar no mundo do ponto de vista da produção de energia elétrica; em 1935, só era inferior à Alemanha e aos Estados Unidos. Na extração de carvão fóssil, a URSS passou do décimo lugar para o quarto. E quanto à produção de aço, passou do sexto para o terceiro. Na produção de tratores ocupa o primeiro lugar do mundo. O mesmo acontece com a produção de açúcar. Os imensos resultados obtidos pela indústria, o começo promissor de um florescimento da agricultura, o crescimento extraordinário das velhas cidades industriais, a criação de outras novas, o rápido aumento do número de operários, a elevação do nível cultural e das necessidades, são os resultados indiscutíveis da Revolução de Outubro em que os profetas do velho mundo acreditaram ver a tumba da civilização. Já não há necessidade de discutir com os senhores comunistas burgueses: o socialismo demonstrou seu direito à vitória, não nas páginas de O Capital, mas em uma arena econômica que constitui a sexta parte da superfície do globo; não na linguagem da dialética, mas na do ferro, do cimento e da eletricidade. Mesmo que a URSS, por culpa de seus dirigentes, sucumbisse aos golpes do exterior – algo que esperamos firmemente não ver – ficaria, como penhor do futuro, o fato indestrutível de que a revolução proletária foi a única coisa que permitiu a um país atrasado obter, em menos de vinte anos, resultados sem precedentes na história”.

Essas enormes conquistas econômicas de desenvolvimento industrial, devido aos Planos Quinquenais e à Planificação Econômica, se transformaram em um enorme avanço social durante as décadas seguintes. Evidentemente, hoje não estamos na mesma situação dos anos 20 e nossa preocupação com a natureza deve ser muito superior a daqueles anos, inclusive questionando o ritmo de crescimento e produção industrial. Entretanto, isto não será possível sem um controle democrático de toda a população sobre os meios de produção.
Aqui queremos centralmente destacar a enorme potencialidade da planificação econômica com os próprios dados valorizados pela economia capitalista, para derrubar a argumentação de que as economias planificadas não geram desenvolvimento devido a não haver concorrência entre as empresas.
No âmbito social, esse avanço industrial permitiu uma série de enormes conquistas e transformou a União Soviética na segunda potência mundial, com indicadores humanos e sociais muito superiores à maioria dos países capitalistas. Outro especialista na Rússia, o dirigente da Liga Internacional dos Trabalhadores, Martín Hernández (escritor do livro O Veredicto da História) assim retrata as conquistas sociais da Revolução Russa:

“Muito pouco tempo depois do triunfo da Revolução, alguns números começaram a surpreender. Antes do triunfo da revolução havia na Rússia 32.000 escolas e 10.000 bibliotecas. Um ano e meio depois havia 60.000 escolas e 100.000 bibliotecas. A Rússia, um país sumamente atrasado, com 80% de sua população camponesa e com 78% de analfabetos haveria de se converter, em algumas poucas décadas, em uma potência. Desta forma, o país dos analfabetos se transformaria em um dos poucos países do mundo sem analfabetos, e é necessário destacar que ali eram faladas 147 línguas diferentes, muitas das quais eram somente orais.

O país, que antes do triunfo da revolução tinha 80% de camponeses, chegou a ocupar o segundo lugar no que se refere à produção industrial, atrás apenas dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, se converteria no primeiro produtor de petróleo, aço, cimento e de tratores do mundo.

A Rússia, o país das grandes massas incultas, conseguiu no terreno da cultura proezas que nenhum país capitalista na época (nem agora) alcançou. Em Moscou chegaram a existir cerca de 300 teatros líricos, muitos dos quais funcionavam de manhã, à tarde e à noite.

Nas Universidades, os alunos recebiam um salário para estudar, enquanto que os operários que queriam estudar, tinham seus horários de trabalho subordinados aos seus horários de estudo nas faculdades, ao mesmo tempo em que tinham entre uma semana e um mês de licença pagos para prepararem-se para os exames.

É importante destacar que todas essas conquistas foram obtidas em um país que sofreu como nenhum outro, no período de 30 anos, as consequências de três guerras devastadoras: a Primeira Guerra Mundial, a Guerra Civil e a Segunda Guerra Mundial.”

Com a restauração do capitalismo nos anos 80 (Glasnost e Perestroika), a maioria desses indicadores retrocedeu. Voltaram à desigualdade social, o desemprego e a miséria, que tinham desaparecido por décadas nas Repúblicas Soviéticas.

O caso cubano
Talvez um dos exemplos históricos mais importantes das conquistas da economia planificada seja Cuba, um país muito pequeno e totalmente dependente das grandes economias.
Até 1958, antes da revolução, Cuba era um apêndice da economia norte-americana, que controlava seu principal setor produtivo, a indústria açucareira, e mantinha a maioria da população em uma situação de pobreza, analfabetismo, doenças crônicas e super exploração. Os ricos norte-americanos usavam a ilha como um de seus centros de férias.

Depois da Revolução de 1 de janeiro de 1959, se inicia um processo de mudança profunda na economia e sociedade cubanas. Cuba deixará de estar sob a influência dos Estados Unidos e passará a estar sob a influência da antiga URSS. A grande propriedade privada será nacionalizada a partir de 1960: os grandes latifúndios, bancos, grandes empresas produtivas e o comércio atacadista e varejista. A socialização dos meios de produção e a alta participação popular nas mudanças foram as bases para os avanços sociais que comentaremos a seguir.
As conquistas da Revolução  proporcionaram ao povo cubano conquistas muito superiores a quase todos os países latino-americanos e inclusive de países desenvolvidos. Em 1956-57, as taxas de analfabetismo em Cuba chegavam a 43% da população. A situação da saúde era dramática. A expectativa de vida era de 62 anos e a mortalidade infantil de 40 por 1000.  A mortalidade materna era de 118 para cada 10.000 nascidos vivos. Somente 5% do orçamento estatal era investido em saúde. Em relação à moradia, calcula-se que quase 50% da população vivia em casas em condições “de ruína” ou “más”. O maior problema da ilha, de população majoritariamente rural, era a concentração de terras. Estima-se que aproximadamente 2.500 pessoas possuíam mais de 45% da terra.

A revolução de 59 significou uma mudança total da realidade cubana nas décadas seguintes. Aqui não analisaremos as importantes contradições do desenvolvimento econômico e social cubano, somente queremos demonstrar, com alguns dados, os enormes avanços possibilitados pela socialização dos principais meios de produção (indústrias, bancos, grandes propriedades rurais, comércio atacadista, etc.) e a planificação econômica. A enorme participação popular durante todo o período
pós – revolução foi fundamental para solucionar os problemas do país.

Em relação ao desemprego, em 1958 havia mais de 700 mil desempregados permanentes. Em 1960, esse número caiu para 376 mil e em 1962 para 215 mil. Nos primeiros 4 anos da revolução o índice de emprego aumentou em 38% e a força de trabalho em 9%. Em 1970, o desemprego na ilha era de 1.3%, muito inferior a qualquer outro país capitalista do mundo. A participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu enormemente (uma média de 11% no período de 1960-65 e 7.1% entre 1965-1970), embora muitas mulheres se mantivessem em trabalhos no âmbito doméstico, uma contradição que refletia os limites políticos do PC cubano e as precariedades econômicas.

Na saúde, a situação mudou drasticamente. Se antes de 1958 eram investidos 3 pesos anuais por habitante, depois da revolução passaram a ser investidos 55 pesos/habitante e a saúde passou a ser gratuita para todos os habitantes do país. A taxa de mortalidade infantil caiu de 40 por 1.000 (1958) para 17 por 1.000 (1980). A mortalidade materna caiu de 118 por 10.000 (1958) para 52/10.000 (1980). A expectativa de vida aumentou de 61.8 anos para 72 anos no mesmo período.

Na educação, os avanços sociais são impressionantes. Antes da revolução, calculava-se que havia mais de 900 mil analfabetos. Em 2 anos esse número caiu para 270 mil. Os antigos quartéis militares foram transformados em escolas e surgiram milhares de novos professores para irem às regiões rurais mais isoladas. Toda a educação passou a ser responsabilidade do Estado e totalmente gratuita. Foi incrementada a quantidade de bibliotecas, museus, teatros, gráficas, galerias de arte e tudo relacionado à cultura.
Em todos os âmbitos sociais os avanços são impressionantes: esporte, cinema, medicina, ciência e um longo etc,

Sem dúvida, esse processo esteve cheio de contradições, idas e vindas, ataques do imperialismo norteamericano, dependência da URSS, etc. Nos anos 80 e 90, a qualidade de vida retrocedeu enormemente na ilha devido à restauração do capitalismo na URSS, ao bloqueio econômico dos Estados Unidos e ao isolamento de Cuba. Em Cuba o capitalismo também foi restaurado pelas mãos do Partido Comunista, o que vem gerando uma nova burguesia proprietária na ilha.

A experiência chilena
Nos anos 70, o governo da Unidade Popular, que tinha como sua estratégia chegar ao socialismo pela via pacífica, realizou uma série de reformas que apontavam o caminho da socialização dos meios de produção e a planificação econômica.
Allende tinha como um dos eixos de seu programa a estatização dos setores estratégicos da economia chilena, como o cobre, os bancos, as empresas metalúrgicas, siderúrgicas e outras mais. O processo revolucionário que existia por baixo fez com que o governo fosse obrigado a avançar muito mais do que se propunha a princípio. Um exemplo disso foi a estatização da maior empresa têxtil do país, a fábrica Yarur, ocupada pelos operários, que exigiram sua estatização em 1972. O mesmo ocorreu com muitas outras fábricas e no campo.

As estatizações do governo de Allende foram realizadas, em sua maioria, com importantes pagamentos de indenização ou compra das ações das empresas nacionalizadas. Um exemplo é a estatização dos bancos privados, que se deu através da compra de ações dos Bancos, o que levou o governo a desembolsar milhões de dólares dos fundos estatais e a emitir grandes quantidades de moeda.

Essa política de estatizações, embora realizada de forma legal e gerando importantes lucros para os setores empresariais, não foi aceita pelo imperialismo norteamericano, que promoveu um boicote ao crédito do governo chileno. Esse boicote fez com que o governo tivesse que importar uma série de bens de consumo e de capital à vista, o que fez com que as reservas internacionais do país diminuíssem drasticamente, gerando uma importante inflação. Além disso, o governo começou a realizar seu plano de governo, o que gerou grandes mudanças sociais imediatamente: reforma agrária, um grande plano de construção de moradias, aumento geral de salários, subsídios sociais, etc. Para sustentar essas medidas, o governo se apoiou na emissão de moeda nacional, o que piorou a situação financeira do país. O aumento da produtividade não foi suficiente para abastecer o mercado nacional e os preços do cobre, principal produto de exportação, tiveram uma importante baixa nesse período.

Essas políticas, somadas aos ataques imperialistas para desestabilizar a economia nacional (Paralisação de Caminhoneiros, monopolização de mercadorias, etc) geraram uma importante crise econômica. Essa desestabilização foi fundamental para a realização do golpe de 73, algo comprovado por diferentes documentos da CIA desclassificados nas últimas décadas.

A experiência da Unidade Popular demonstra os limites do projeto reformista de chegar ao socialismo através de reformas graduais e negociações com os grandes capitalistas. Os maiores erros da Unidade Popular não foram essencialmente econômicos, mas políticos e militares. A situação econômica do país poderia ter tomado outro rumo se o governo tivesse enfrentado decisivamente as ações da burguesia chilena e o imperialismo no interior do país e promovido a organização e mobilização dos trabalhadores de diferentes países em solidariedade ao processo chileno, o que poderia ter dificultado ou impedido o boicote internacional.

Hoje, os intelectuais da burguesia e seus meios de comunicação querem apresentar o período de 1970-73 como o mais caótico da história, um período com inflação, desabastecimento, etc. O que eles não dizem é que parte fundamental dessa situação foi gerada pelos próprios capitalistas e o imperialismo norteamericano.
Também é importante destacar que a maior crise econômica dos últimos 70 anos no Chile não foi a vivida entre 1970-73 e sim a que houve durante a ditadura, nos terríveis anos do POJH (Programa de Ocupação para Chefes de Domicílio) e do PEM (Programa de Emprego Mínimo). Essa crise econômica foi tão grande que levou a própria ditadura a intervir nos bancos privados e a estatizar grande parte do sistema financeiro, que foi à falência devido à anarquia capitalista. Milhões de trabalhadores ficaram desempregados e a pobreza aumentou enormemente.

Durante a ditadura, a quase totalidade das empresas e terras nacionalizadas foram devolvidas aos seus antigos donos e aos amigos da ditadura. Muitos ex-ministros de Pinochet ficaram milionários, como José Piñera, Julio Ponce-Lerou, José Yuraszeck, entre outros. Hoje o Chile é uma das economias mais privatizadas do planeta. A propriedade das grandes empresas e Bancos está concentrada nas mãos de algumas poucas famílias, o que gera todo tipo de abusos empresariais, corrupção das instituições estatais, conluios e um longo etc. O suposto “livre mercado” defendido pelos economistas liberais não existe. O que existe são grandes monopólios transnacionais e chilenos que ficam com a maior parte da riqueza produzida pelo povo trabalhador.

Além do roubo da propriedade pública, a ditadura usurpou os Fundos de Pensões dos trabalhadores e trabalhadoras para que os grandes empresários pudessem fazer seus negócios. Assim, o dinheiro acumulado por milhões de trabalhadores passou a ser usado indiscriminadamente para enriquecer os acionistas das AFPs e para que os capitalistas se tornassem donos das empresas privatizadas. Hoje, mais de 40% das nossas poupanças estão investidas fora do Chile, beneficiando o sistema financeiro internacional e gerando enormes lucros para os donos das AFPs. Além disso, dos investimentos que as AFPs realizam no Chile, mais de 75% são em empresas extrativistas e com alto impacto ambiental. Os verdadeiros donos desse capital, os trabalhadores, não têm nenhuma influência sobre os destinos desse dinheiro.
Recuperar a riqueza nacional para as mãos do povo trabalhador, que a produz, é um passo fundamental e necessário para reconstruir nosso país e acabar com os enormes problemas sociais e ambientais que existem.

O Chile é um país muito rico, entretanto, toda essa riqueza se encontra concentrada nas mãos de poucas famílias. Essa concentração da propriedade privada dos meios de produção deve acabar e todas as grandes empresas devem passar a ser controladas pela classe operária e o povo trabalhador, de maneira que o conjunto da sociedade tenha o controle democrático de toda a riqueza produzida.

Sabemos que hoje a maior parte das e dos constituintes não estão de acordo com esta proposta. Infelizmente, muitos respondem aos interesses do grande empresariado nacional e estrangeiro. Outra parte, mais ligada aos movimentos sociais e ao povo, não tem um projeto que permita ir mais além da sociedade capitalista e provavelmente se manterá nas margens estreitas das reformas permitidas pelo grande empresariado.
Esta proposta tem como seu principal objetivo ser um guia para o povo trabalhador em suas próximas lutas, para construir um caminho para um governo da classe trabalhadora e do povo pobre. A socialização dos meios de produção no Chile deve ser um passo para a superação do capitalismo a nível global, já que hoje é impossível que uma nação, por maior ou importante que seja, possa subsistir sem conexão com os demais países. Assim, nosso projeto tem em sua natureza o internacionalismo e a necessidade da união entre os trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo, independente de sua nacionalidade, idioma ou crenças.

Proposta de Articulado:
Artigo 1: Socialização dos meios de produção. São propriedade social da nação e dos povos, todas as empresas estratégicas do país. São consideradas empresas nacionalizadas estratégicas as grandes empresas e seus bens, da grande mineração, grandes empresas da indústria siderúrgica, metalúrgica, elétrica, sanitária, hidrocarbonetos, o conjunto dos Bancos e do mercado financeiro, as Administradoras de Fundos de Pensões do decreto lei 3.500, grandes propriedades rurais e seus edifícios, portos de exportação e importação, empresas florestais, salmoneiras, telecomunicações e todas as empresas de comércio atacadista e varejista superiores a 250 trabalhadores. As empresas nacionais estratégicas devem ter o controle dos trabalhadores e dos povos em suas diretorias.

Pelo caráter da propriedade social e dos povos das empresas estratégicas individualizadas se declara a nulidade de qualquer ato ou contrato do Estado, prévio a esta Constituição ou posterior, que seja contrário à propriedade social dos povos de suas áreas estratégicas da economia. Contra esta normativa soberana não caberá recurso ou indenização alguma.

Artigo 2: Comitê de Planificação Econômica(CPE). Para efeito de uma adequada planificação social da economia existiria um Comitê de Planificação Econômica (CPE). O Comitê de Planificação Econômica tem como tarefa fundamental estabelecer na sociedade uma política econômica, de saúde, social e cultural a fim de aproveitar as aptidões físicas, intelectuais e criativas de todos os povos para desenvolver de forma sustentável, com caráter socialista, o conjunto da produção, em pleno emprego, a elevação do nível de vida, a progressiva redução da jornada de trabalho, especialmente nos trabalhos pesados ou de risco, a superação das diferenças entre o trabalho manual e intelectual e o da cidade e do campo.

Para tais efeitos, deverá se garantir a função social de direito de Propriedade dos meios de produção e o direito ao trabalho digno. Deverá ser assegurada de forma quinquenal um plano Nacional de construção de moradias populares e de qualidade que
permita superar o déficit habitacional no país; Plano Nacional de construção de infraestrutura hospitalar e de saúde básica para garantir o acesso à saúde pública e gratuita a toda a população; Plano Nacional de Construção de infraestrutura de
estabelecimentos educacionais, culturais e esportivos para garantir o acesso à educação pública, gratuita e de qualidade a todos os meninos, meninas e jovens; Plano Nacional de reajuste periódico de remunerações e pensões de acordo com as variações
experimentadas pelo custo de vida; Reconversão da matriz produtiva do país para uma independência sustentável da exportação de matérias primas e produtos de baixo valor agregado como concentrado de cobre, salmouras de lítio, celulose, frutas e pescados, no marco de um plano nacional de emergência pela crise ambiental global; No mesmo sentido, elaborar um plano de desenvolvimento industrial, tecnológico e científico buscando garantir o menor impacto ambiental nos ecossistemas, menos contaminação e menor dependência de países estrangeiros; Reduzir imediatamente a produção agrícola, florestal, pecuária ou mineira que seja responsável pela falta de água para populações e destruição das bacias hidrográficas em distintas regiões do país.

O Comitê de Planificação Econômica será integrado por representantes dos trabalhadores e trabalhadoras dos principais ramos da economia, comunidades e dos povos originários (trabalhadores e camponeses). As comunidades e povos originários poderão exercer seu legítimo direito de escolha para participar do Comitê de Planificação Econômica ou exercer seu direito à autodeterminação do Estado do Chile.

Artigo 3:  O conjunto da Banca Nacionalizada será unificado em um Banco Único Estatal submetido ao Comitê de Planificação Econômica que garanta o crédito à pequena e média empresa; Todos os bens e funcionários do Banco Central deverão passar a fazer parte do Banco Único Estatal.

Artigo 4: O Estado terá o monopólio do comércio exterior.

Artigo 5: O Estado do Chile, através de seus órgãos, fará um chamado à solidariedade dos povos de todo o mundo para evitar o boicote internacional dos Estados imperialistas e suas respectivas empresas e bancos. O Estado do Chile deverá caminhar para a fraternidade e comércio justo entre os povos na ordem socialista internacional.

Disposição Transitória.
Artigo 6: As disposições da presente Constituição relativas à Socialização dos Meios de Produção e Planificação Social da Economia terão precedência sobre toda a legislação e esta deverá se adequar em um prazo não superior a seis meses a contar da promulgação da presente Constituição.

Tradução: Lilian Enck

 

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