sáb jun 15, 2024
sábado, junho 15, 2024

María Rivera e a proposta de Assembleia Plurinacional: o que propomos?

Ontem (09/02) nossa companheira constituinte María Rivera defendeu, em uma das Comissões da Convenção Constitucional, a proposta de dissolver os atuais poderes do Estado e substituí-los por uma Assembleia Plurinacional das e dos Trabalhadores e os Povos. Que concentre todos os poderes e seja composta por representantes eleitos por área territorial, locais de trabalho e na tropa das Forças Armadas, sem representantes do grande capital, igreja e oficialidade das Forças Armadas.

Por: MIT-Chile

Hoje nossa iniciativa foi rejeitada por unanimidade pela Comissão do Sistema Político, com 25 votos contra. Em parte, esta votação não nos surpreende, por parte dos que defendem este modelo de Estado, onde o poder econômico é o que dita as regras, como a direita, a antiga Concertação e até a “Nova Concertação” do PS-FA-PC (Partido Socialista, Frente Ampla e Partido Comunista). Outros constituintes, oriundos de movimentos populares ou independentes, também rejeitaram a norma, pois não conseguem enxergar para além de fazer reformas parciais no atual Estado.

Pois bem, para além da votação, queremos discutir nesse artigo uma série de argumentos que foram usados ​​contra nossa proposta.

Nossa companheira e nossa proposta receberam enormes ataques da direita, de constituintes da Frente Ampla, do Partido Comunista e até de Gabriel Boric. A reportagem exibida na TVN ontem à noite tinha como título: “Convenção: crítica a iniciativas ‘disparatadas’”. Em outras palavras, nossa proposta foi descrita como um “disparate”. Esses tipos de epítetos não são novos. Nos últimos dias, a grande mídia, empresários e muitos constituintes tentaram usar palavras semelhantes para desqualificar várias das Iniciativas aprovadas nas Comissões da Convenção, como a devolução das terras ao povo Mapuche, a Revogação do Código de Águas, a nacionalização da mineração em grande escala e a revisão dos Acordos de Livre Comércio. Essas propostas foram descritas como “absurdas”, “loucas” e “péssimas notícias”. Um eleitor de direita chegou a dizer que a Convenção havia entrado na Fantasilândia. Esses ataques não são apenas contra nós, mas contra todos os deputados/as constituintes que defendem medidas para realmente mudar o país, a maioria delas refletindo demandas populares.

Em relação à nossa proposta de Estado, o futuro presidente Gabriel Boric compartilhou um twitter da deputada constituinte da Frente Ampla, Constanza Schonhaut, dizendo que nossa norma “está fora de todo o arcabouço democrático que foi sustentado para o desenho da nova constituição”.

Pois bem. Queremos discutir exatamente isso. Será que nossa proposta está fora do quadro democrático da Nova Constituição? Quais são esses marcos democráticos e quem os estabeleceu? A nossa proposta é mais ou menos democrática do que as atuais propostas de reformas das atuais instituições do Estado?

Em primeiro lugar, queremos responder à deputada constituinte Constanza Schonhaut e a Gabriel Boric: nossa proposta está totalmente dentro do marco democrático da Nova Constituição. A Constituição é a Lei mais importante de um país e tem o poder de alterar toda a legislação, as instituições estatais e privadas e regular o conjunto de direitos e deveres sociais. Então, por que nossa norma estaria “fora dos marcos democráticos”? Nossa proposta não vai contra nenhum direito humano, não propõe atacar nenhum grupo de pessoas, não propõe nenhuma medida violenta, nada disso. O que propomos é acabar com as atuais instituições do Poder de Estado e construir novas que não sejam podres e corruptas até a medula. E por que isso não estaria dentro de estruturas democráticas? Ou poderíamos dizer que nossa proposta não se enquadra no que Boric, a União Democrática Independente (UDI0, a Renovação Nacional (RN) e a antiga Concertação estabeleceram como “democráticos” no Acordo de Paz?

Em segundo lugar, acreditamos que nossa proposta é infinitamente mais democrática que o Estado atual e é a única que realiza integralmente as reformas necessárias para que o Estado seja o representante da maioria da população. Isso por uma razão muito simples: hoje, todos os poderes do Estado estão subordinados ao poder econômico, a quem tem dinheiro. A grande burguesia chilena e as transnacionais controlam os principais partidos, o poder legislativo, os Tribunais, as Forças Armadas e outras instituições estatais. Isso não é novidade. Todos esses mecanismos de controle e corrupção são descritos detalhadamente em livros de importantes jornalistas como Daniel Matamala, Mónica González e são amplamente conhecidos pela população: compra de políticos, privilégios para amigos e parentes, corrupção com dinheiro público, impunidade judicial e um longo etc..

A maioria da população, nós que trabalhamos e produzimos a riqueza deste país, não temos uma participação maior nas definições políticas. Nosso papel é ir votar a cada 2 anos em candidatos de partidos totalmente questionados. Essa falta de credibilidade da “democracia” se reflete claramente nos altos índices de abstenção eleitoral. A maioria da classe trabalhadora não tem condições de se candidatar, pois não temos dinheiro, aparato político ou mídia. Também não temos o direito de destituir aos políticos se eles não cumprirem suas promessas. Temos que esperar 4 anos (ou 8, no caso do Senado) para retirá-los de seus cargos. E a coisa é ainda pior. Embora tenhamos a possibilidade de votar nos Poderes Executivo e Legislativo, não temos o direito de eleger os juízes, nem os oficiais das Forças Armadas, nem o presidente do Banco Central, nem os ministros, nada. Assim, as classes dominantes, além de controlarem a maioria dos partidos e seus parlamentares, também mantêm o controle de setores privilegiados do aparato estatal, como os juízes e os oficiais das Forças Armadas. Por que o senhor Gabriel Boric ou a constituinte Constanza Schonhaut não se escandalizam com o fato de que oficiais das Forças Armadas vão estudar nos Estados Unidos com bolsas financiadas pelo maior empresário do país, Andrónico Luksic? Isso não lhe causa desconforto? E por que nossa proposta os incomoda tanto? Responderemos a esta pergunta em seguida.

Luksic (à direita) e outros 15 empresários participaram de um programa inédito do Exército para treinar novos oficiais da reserva

Nossa proposta vai na contramão do atual funcionamento das instituições estatais. O que propomos é acabar com todas as instituições que estão a serviço dos donos do país e construir novas. Propomos centralizar todos os poderes em uma única Assembleia Plurinacional, composta por representantes eleitos em assembleias de base nos territórios, locais de trabalho e entre as tropas das Forças Armadas. Além disso, propomos que todos os cargos sejam revogáveis ​​por suas assembleias de base e que nenhum representante ganhe mais do que um trabalhador qualificado. Finalmente, propomos que os representantes sejam todos da classe trabalhadora, camponeses, estudantes e trabalhadores intelectuais. São eles que produzem a riqueza do país, são eles que têm que governar. Isso também impediria que o poder econômico se tornasse o dono da representação política. Por isso, não propomos o direito de voto para setores parasitas da sociedade, como os grandes empresários, especuladores, cúpula da Igreja e das Forças Armadas. Esse novo poder, plenamente eleito, com controle popular e sem influência do grande capital, poderia ter condições de evitar a corrupção e tomar decisões a serviço da maioria da população. Ministros, juízes, presidente do Banco Central, etc., seriam eleitos por esse poder, com alta representatividade popular.

Se nossa proposta é mais democrática, por que gera tanto barulho entre os representantes do grande empresariado e seus aliados, como a Frente Ampla e o Partido Comunista? Simples, porque todos estão comprometidos com a manutenção dessa democracia, que serve para manter o domínio das famílias mais ricas do Chile e das transnacionais sobre o país como um todo. Boric já revelou qual será seu futuro governo, um governo de pactos e negociações nos termos propostos pelo grande empresariado. O mesmo foi expresso no Acordo de Paz que deu origem à Convenção Constitucional, que estabelece as coisas tão “absurdas” e “desvairadas” como ⅔ de quórum, onde a minoria dos constituintes (53) tem mais poder que a maioria!

Queremos perguntar ao Sr. Boric: o que o senhor pode nos ensinar sobre democracia? Em 15 de novembro, quando milhares de pessoas estavam nas ruas e Abel Acuña foi assassinado pela polícia na Praça Dignidade, o senhor estava assinando um acordo com a direita mais antiga deste país sem consultar o povo ou seu próprio partido.

Abel Acuña, um jovem trabalhador de Maipú, morreu de parada cardíaca na Plaza Dignidade no mesmo dia em que Boric assinou o Acordo de Paz. Sua morte ocorreu no contexto de uma forte repressão dos Carabineiros, que impediu que Abel fosse atendido a tempo.

Da direita podemos esperar ataques como os que estão fazendo contra nós. Da Frente Ampla e do Partido Comunista esperaríamos o mínimo de bom senso e um debate sério sobre as propostas que estão em discussão e não argumentos tão baixos como “esta proposta está fora do arcabouço democrático da nova constituição”.

Finalmente, queremos responder rapidamente às acusações feitas contra nós pela direita. Nas redes sociais, muitos nos acusaram de ser ditatoriais, chavistas e até de defender os massacres que Stalin fez na União Soviética. Essas acusações são totalmente falsas. Como já mostramos, nossa posição sobre o Estado propõe reformas para ampliar a democracia para o povo, não para limitá-la. Em segundo lugar, reivindicamos a experiência da organização dos trabalhadores nos Conselhos Operários e Populares da União Soviética. Não reivindicamos a figura de Stalin e também afirmamos desde décadas atrás que Stalin foi uma das figuras mais nefastas do século XX e o carrasco da Revolução Russa. Também reivindicamos a experiência chilena de organização operária e popular dos cordões industriais, das assembleias territoriais, das apropriações de terras, etc. Também não reivindicamos as figuras de Hugo Chávez ou Evo Morales. Em nossa opinião, nem Chávez nem Evo Morales defenderam um projeto socialista, nem contribuíram para a democracia da classe trabalhadora, mas o contrário. Todo este conteúdo está expresso em inúmeros artigos que publicamos em outros momentos e podem ser facilmente encontrados em nosso site ou no site de nossa organização internacional.

Do nosso ponto de vista, reafirmamos nossa proposta de total reorganização do aparelho de Estado e acreditamos que a única solução para o problema da grande maioria da população é que a classe trabalhadora tome o rumo das coisas em suas mãos: o poder político e o poder econômico.

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