sáb jul 27, 2024
sábado, julho 27, 2024

México: Vitória histórica dos trabalhadores da GM Silao

Sim, é possível derrotar as empresas e seus pelegos.

O SINTTIA, Sindicato Independente Nacional dos Trabalhadores da Indústria Automotiva, obteve uma vitória esmagadora, com 76,5% dos votos na fábrica de Silao. Dessa forma, conquista a Representatividade para negociar um novo Acordo Coletivo de Trabalho com a empresa General Motors. Ficou demonstrado que um sindicato operário independente pode derrotar a burocracia sindical da velha, odiada e temida CTM[1]. No entanto, como um paradoxo irônico, esse triunfo histórico da independência operária foi alcançado, apenas dois dias depois de ter sido divulgado que Ricardo Aldana Prieto, acusado de corrupção e herdeiro de Carlos Romero Deschamps, foi proclamado “vencedor” nas eleições acordadas entre o governo de López Obrador e os velhos burocratas do PRI, no sindicato petroleiro STPRM, que continua detendo uma espúria representação de mais de 95 mil operários da Pemex.

Por: CST – México

Os dias 1 e 2 de fevereiro foram dias de intensa e massiva mobilização das bases operárias da fábrica da General Motors em Silao, Guanajuato. Todos e todos a votar, para mandar o CTM para o inferno…! Esse era o lema. E assim foi feito! Após 41 horas de votação, foram emitidos 5.478 votos, sendo 5.389 válidos e 89 anulados. A participação dos trabalhadores com direito a voto foi de 87,9%, de uma lista final de 6.232. Para o SINTTIA, foram 4.192 votos, o que representa 76,5% do total de votos. E todos esses dados foram reconhecidos oficialmente em comunicado do Centro Federal de Conciliação e Registro do Trabalho. Por sua vez, a empresa comunicou: “A General Motors atuará no cumprimento da lei para trabalhar com a representação escolhida pelos trabalhadores, SINTTIA, com o objetivo de iniciar a negociação do Acordo Coletivo de Trabalho do complexo fabril de Silao”.

Uma vitória histórica que nasceu de um grupo de operários em resistência

 Muitas vezes se disse que “a derrota é órfã e os triunfos sempre têm pais e padrastos”. Bem, não poderia ser diferente neste caso. Para isso, será essencial percorrer apenas alguns capítulos desde o início (porque são muitos e serão objeto de outros artigos) desta heroica luta de resistência, que conduz a este triunfo histórico. E esta revisão é muito necessária, porque uma série de falsas “explicações” sobre as mudanças que estão acontecendo na GM Silao e as causas dessas mudanças já aparecem há mais de um ano. E quase todas apontam para causas externas e méritos alheios. Há até jornalistas e analistas burgueses procurando “quem está por trás e controla o processo”. Não deve nos surpreender. Esses analistas consideram que os/as operários/as só podem ser marionetes.

A primeira falsa interpretação é que a chave de todo o processo de reorganização política sindical são “as vantagens da seção ou cláusula trabalhista nº 23 do T-MEC“, assinada pelo México, Estados Unidos e Canadá. Este acordo comercial é uma versão reforçada do NAFTA, que após quase 30 anos de vigência significou maior saque colonial e superexploração da força de trabalho. Essa cláusula trabalhista e seu mecanismo de monitoramento são apenas paliativos diante da enorme diferença salarial entre os países. O salário do operário automotivo nos EUA é entre oito e dez vezes maior do que no México. E isso traz enormes lucros para as empresas gringas instaladas no México. E é por isso que ainda vemos a administração da GM tão em conluio com os pelegos traidores. Houve até algumas notas delirantes, que deram crédito a Joe Biden “por ter apresentado uma queixa formal no âmbito do T-MEC“, expressando sua “preocupação com o respeito às liberdades sindicais no México“.

Uma segunda interpretação, ligada à primeira – que é a preferida pelos sindicatos pelegos – é que “tudo isso foi planejado por dirigentes e sindicatos estrangeiros”… “para fechar as fábricas no México e levar as fábricas para suas metrópoles para recuperar os empregos em seus países.” É realmente ridículo que os pelegos mexicanos denunciem o SINTTIA por ter o apoio de sindicatos estrangeiros, quando há décadas eles mantêm relações carnais com patrões estrangeiros, como neste caso a General Motors!

Uma terceira interpretação – repetida por aqueles que apoiam o atual governo e da qual muitos companheiros honestos estão convencidos – é que agora “as regras do jogo mudaram” porque a nova LFT, Lei Federal do Trabalho, promovida por López Obrador de acordo com o T-MEC, que também estabelece um “Mecanismo Trabalhista de Resposta Rápida, que abre caminho para a liberdade sindical“. No entanto, o que aconteceu no Sindicato da Pemex questiona seriamente essa interpretação. Pois, os velhos e corruptos pelegos tinham TODAS “as regras do jogo” a seu favor e acordado com o governo AMLO (Andrés Manoel López Obrador). Além disso, cerca de 3.000 contratos foram revisados ​​desde a entrada em vigor da nova LFT, e destes, apenas 9 foram rejeitados em votação pelo NÃO e apenas em uma grande empresa, a GM em Silao.

Gerando Movimento – A semente que gerou o SINTTIA

Todas estas três interpretações unilaterais mencionadas têm algo em comum e não é por acaso: deixam oculta ou dissimulada a causa fundamental, ao principal protagonista da vitória operária na GM de Silao: a tenaz resistência de um grupo de trabalhadores, o grupo Gerando Movimento – GM. Esse grupo, ao iniciar sua luta em 2019, foi duramente reprimido. E seus integrantes e promotores demitidos arbitrariamente ainda não foram reintegrados. Nesses anos de governo da Quarta Transformação, muitos outros ativistas foram demitidos. Esses companheiros e companheiras demitidos e “boletinados“, marcados em listas patronais, são protagonistas e testemunhas de que “as regras do jogo”… Pouco ou nada mudaram!

Companheiros como Israel Cervantes também representam outros lutadores que não desistiram ou se venderam. A partir de Gerando Movimento tiveram a coragem de enfrentar esse monstro transnacional, a perseverança para superar as calúnias e a inteligência para “bater nas portas” e buscar e encontrar apoio e experiência útil. Eles sabiam distinguir entre aqueles que os apoiavam e aqueles que os queriam parasitar. Souberam trabalhar com cuidado para não expor os companheiros ativos da fábrica. Souberam construir a partir da base das plantas um grupo iniciador do novo sindicato SINTTIA, com companheiras e companheiros que estavam dispostos a se jogar e levar adiante. Souberam interpretar que o setor mais oprimido da classe deveria liderar o SINTTIA e por isso elegeram uma mulher como Secretária Geral. Souberam encontrar apoio jurídico e sindical eficiente no Centro de Pesquisa Trabalhista e Assessoria Sindical, para processar e levar à Secretaria do Trabalho. No entanto, esta longa e dura marcha teve um marco com a vitória do NÃO ao contrato da CTM.

O retumbante NÃO ao Contrato de Trabalho com a CTM marcou o caminho para a vitória do SIM ao SINTTIA

A corrupta burocracia sindical da CTM, acostumada há décadas –quase um século– de impunidade e vantajosos negócios com as empresas, em 21 de abril de 2021, cometeu uma fraude grosseira no GM Silao, com cédulas destruídas e intimidação durante o processo de legitimação do antigo Acordo Coletivo de Trabalho, de “proteção patronal”. Quando a fraude foi exposta, o escândalo estourou e rapidamente atingiu uma dimensão internacional e foi isso que obrigou a empresa GM e os governos que assinaram o T-MEC a declarar publicamente “sua imensa preocupação” por tais violações… Ninguém acreditou nessas palavras hipócritas. Essa falsidade foi desmascarada, quando passaram 4 meses até que o STPS marcasse uma nova data em 17 e 18 de agosto para restabelecer o processo de legitimação. Além disso, os executores diretos e instigadores da fraude criminosa não receberam nenhuma sanção e continuaram a atuar na fábrica impunemente.

E o governo ficou ainda mais exposto quando não permitiu observadores operários externos independentes na nova votação em agosto. As demissões de membros de Gerando Movimento foram o motor da campanha de agitação massiva para rejeitar o contrato de proteção “Vote NÃO ao CTM” com panfletos, cartazes e alto-falantes, percorrendo bairros e colônias de Silao e cidades vizinhas como Irapuato, Guanajuato, León… Os/as companheiros/as realizaram um trabalho intenso e exaustivo sob o sol escaldante do verão. O medo inicial das bases operárias foi dando lugar à decisão cada vez mais firme de quebrar o jugo da CTM. Ainda havia sérias dúvidas sobre se isso era possível. Mas outros ativistas responderam: Se é necessário, é possível!

Quando chegou a hora da votação, “a companheirada” foi massivamente para votar NÃO. Mas a recontagem ficou apenas nas mãos de funcionários do Ministério do Trabalho e Previdência Social – STPS, com observadores do Instituto Nacional Eleitoral e da OIT. Ao longo desse processo, os pelegos se comportaram como donos de casa. Apesar dessas condições pouco confiáveis ​​da contagem dos votos, os números oficiais reconheceram o triunfo do NÃO. Os dados oficiais “melhorados” pelo STPS foram 3.214 votos NÃO, 2.623 votos SIM e 39 votos nulos. Ou seja, o NÃO teve 54% do total de 5.876 votos. Os trabalhadores com direito a voto eram 6.494.

Enorme foi a alegria e ainda maior a ressonância do fato: “Os operários da GM Silao rejeitaram o CTM!”. No entanto, alguns meios de comunicação como “El Financiero”, que expressam os interesses do grande capital, trazia como manchete no dia 19 de agosto: “A votação em Silao será o fim do CTM?”… E na matéria eles encorajaram que “Esta organização poderia ter muitas vidas”… “O fim do CTM na fábrica da GM em Silao ainda está longe”… Por que esse órgão dos donos de muito dinheiro, fez essas afirmações? Porque eles conhecem bem as enormes limitações e ambiguidades das “novas regras do jogo” e o verdadeiro caráter do governo da Quarta Transformação.

E os fatos confirmaram isso. O STPS e o Centro Federal de Conciliação e Registro do Trabalho deram uma chance aos velhos pelegos, com novos prazos para que pudessem recompor suas fileiras. E, apesar de suas disputas internas, continuaram a recolher a contribuição sindical até novembro. E depois disso, continuaram percorrendo as fábricas com total liberdade por parte da empresa, trocando os rostos mais odiados por outros não menos corruptos e montando suas novas “Coalizões” cetemistas. Por isso, apesar do total repúdio sofrido por seu sindicato, Tereso Medina, o mafiosos deputado do PRI e empresário do transporte do pessoal da GM Silao, ainda ousou declarar que “a guerra está apenas começando“.

Do NÃO à CTM ao Sim ao SINTTIA

A luta pelo NÃO foi combinada com a árdua tarefa do Gerando Movimento de organizar um novo sindicato independente e cumprir os requisitos legais para solicitar o Registro. Finalmente, após muitos atrasos, em 6 de agosto, a STPS concedeu o registro ao SINTTIA. A partir desse dia, começou a campanha de filiação massiva na base da fábrica e nos bairros como na campanha do NÃO. E desde o primeiro dia a empresa e todos os seus quadros de supervisão começaram a pressionar e assediar os membros da Comissão, agora “descobertos”. Crueldade particular com a Secretária Geral, Alejandra Morales Reynoso. O assédio laboral a ela, como trabalhadora, é duplamente grave devido ao seu conteúdo machista, numa fábrica onde mais de 40% são operárias.

No entanto, a intimidação patronal não conseguiu sufocar o SINTTIA. Porque um grande e corajoso grupo de ativistas vestiu suas camisas e saiu para defender o Sindicato Novo e seu Comitê novinho em folha e para disputar com os pelegos e seus capangas dentro da fábrica. No início havia desigualdade nos ritmos da batalha. Os pelegos jogavam muito contra eles em seus redutos. Mas com o passar do tempo, a vontade das bases começou a se expressar com novos guerreiros e guerreiras que começaram a ajudar.

A lei diz que para disputar a representação do CCT, o sindicato deve ter pelo menos 30% de representação credenciada. Milhares de afiliações suficientes foram alcançadas em muito pouco tempo. Mas o governo, aí sim, impôs “novas regras do jogo”, mas contra os trabalhadores e seus SINTTIA e a favor dos pelegos. Agora ele pedia a todos os sindicatos aspirantes que coletassem milhares de assinaturas de endossos em formulários!… Apesar disso, o SINTTIA foi o primeiro a apresentar, em 9 de dezembro de 2021, o número de assinaturas necessárias para solicitar a representação.

Durante todo o mês de dezembro e início do novo ano não houve informação sobre as assinaturas recolhidas pelos outros requerentes do CTM. Destaca-se o silêncio cúmplice do Centro Federal e do STPS, enquanto janeiro passava. Até que finalmente, em 14 de janeiro, apareceu a convocação oficial para a votação. E… Oh, surpresa! Mais três sindicatos rivais apareceram! Dois da CTM e um sindicato fantasma da Cidade do México. Como e quando esses três conseguiram as assinaturas? Os únicos que devem explicar isso são a empresa e o governo. Agora se entende porque “as regras do jogo mudaram“. Para que possam falsificar assinaturas e endossos, o que é mais fácil do que afiliar! Além disso, agora com os resultados à vista, os outros três sindicatos juntos mal arrecadaram mil e duzentos votos. Mais uma fraude foi revelada!… Como cada um deles conseguiu quase 2.000 assinaturas obrigatórias, que são 30% do total de operários da fábrica?

Chega de ratos cetemistas ou sindicatos fantasmas! Sim, sim… SINTTIA!

E chegou a hora de colocar todo o esforço para recuperar a representatividade para os e as operárias. E cada vez mais os companheiros do GM Silao, se firmaram numa conclusão: Não há quatro opções! Só existe um: SINTTIA. No ápice da campanha do SINTTIA, os pelegos do CTM chegaram à casa da Secretária Geral para deixar um recado estilo mafioso para sua família, para ameaçá-la e por meio dela, todo o Comitê do SINTTIA. . Além disso, houve vários casos de intimidação de outros ativistas nas casas de seus familiares.

E por outro lado, iniciaram uma atividade desesperada, tentando comprar trabalhadores dentro da fábrica. Com o aval da empresa, distribuíram pizzas, hambúrgueres, refeições especiais do refeitório, além de tamales e refrigerantes…

Um colega da comissão do SINTTIA confidenciou-me que ao ver isso ficou preocupado: “Achei que nos últimos dias as pessoas estavam se deixando comprar. Mas a grande surpresa foi que assim os trabalhadores zombavam dos pelegos, que por muito tempo traíram os trabalhadores. Não recusaram essa comida. Mas no final eles te deram uma surra retumbante”. E sua conclusão foi: “tem que confiar na base, mesmo que às vezes pareça passiva”. Porque “Embora os pelegos tenham apelado a votos duplos e triplos e outros comprados, não foi suficiente”…E ao ver a concretização da vitória pensei, que valeu a pena a luta de chegar em cada trabalhador, conscientizando do mau trato da empresa. Todo esse esforço serviu e valeu a pena”…

Diante do naufrágio do “barco pelego”, se espalha a desolação de seus lambe-botas -muitos deles mercenários-, que naufragaram e lentamente começam a se demitir da empresa. Mas cuidado, eles certamente irão como uma praga para outras empresas das levados pelos pelegos patronais.

É verdade, a base operária está muito feliz e já convencida da mudança. Agora todo mundo diz “Nós ganhamos!”. E estão ansiosos para ver essa mudança refletida em sua situação salarial e condições de trabalho. Assim, o SINTTIA está agora ante novos e grandes desafios. Uma dos maiores no futuro imediato será a discussão do Novo Contrato Coletivo. Isso exigirá um intenso trabalho em equipe e uma escuta profunda das necessidades das pessoas.

Estamos diante de uma vitória histórica que marca um caminho e encorajará os trabalhadores de muitas outras empresas no México a expulsar os “pelegos”, esse tumor maligno dentro do movimento sindical. E o mais importante, impulsionará a construção de verdadeiros sindicatos independentes dos patrões e do Estado, baseados na mais ampla democracia de base, decidindo em assembleias. E a CST e a Rede Sindical Internacional de Solidariedade e Lutas – RSISL nos comprometemos –como já fez a CSP Conlutas do Brasil– com nosso apoio incondicional. Viva a luta operária internacional!

[1] A CTM é uma central sindical, historicamente integrada ao PRI – Partido Revolucionário Institucional. Nasceu em 1936, sob a presidência do general Lázaro Cárdenas. E com o stalinista Vicente Lombardo Toledano como primeiro secretário-geral, serviu como um aparato de férreo controle sobre os trabalhadores a serviço dos interesses dos patrões.

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