ter abr 16, 2024
terça-feira, abril 16, 2024

As cores do trabalho assalariado

 Título original: Do negro ao cinza[1]. As cores do trabalho assalariado

Estamos vivendo anos de extrema incerteza, os efeitos da pandemia de Covid-19 tem inevitavelmente tumultuado a vida da maioria absoluta dos habitantes do planeta. Ainda que, há dois anos, a situação não fosse cor de rosa, hoje a crise sanitária amplificou de maneira acentuada as dificuldades socioeconômicas que assolam as classes subalternas.

Por: Giacomo Biancofiore

Nesse quadro dramático se arrasta incansavelmente a questão do trabalho, tema intrincado e cheio de incerteza. Todavia, ao abordar o tema queremos partir de uma certeza que nos trouxe Marx há mais de 150 anos: nos encontramos frente a uma mercadoria, cujo possuidor, o assalariado, a vende ao capital. “Por que a vende? Para viver.”

Assim, para ir além das conversas fiadas de astutos espertalhões que, são tudo menos desinteressados, afirmamos que para o assalariado o trabalho não é parte da sua vida, mas como destaca Marx, é “sobretudo um sacrifício da sua vida”. Um sacrifício que é obrigado a fazer para viver.

Obviamente o interesse de quem vende a sua força de trabalho para viver é diametralmente oposta em relação a quem deve comprá-la para obter lucro. Para aprofundar a função da força de trabalho no processo produtivo capitalista recomendamos um ótimo artigo do companheiro Alberto Madoglio, publicado com o título “Disoccupazione: il punto di vista marxista” [em italiano][2]. Mas neste texto, faremos a análise de algumas modalidades com as quais a patronal, para aumentar a produção e o lucro[3], para enfrentar a concorrência entre os capitalistas e as crises cíclicas típicas da economia de mercado, se aproveita da necessidade de trabalhar para poder viver do proletariado e desenvolve novas formas de exploração que, através de empregos intermitentes, por tempo parcial [part-time] e da intensificação da precarização, cria um eficaz mecanismo de rebaixamento dos salários dos trabalhadores.

A legislação está a serviço dos patrões

Para tal objetivo, os governos que se sucederam nos últimos trinta anos colocaram a disposição da classe patronal – que representam – toda uma série de medidas e tipologias contratuais que agravaram sensivelmente a precarização do trabalho.

Do assim chamado “Pacote Treu” ao Jobs Act do governo Renzi, passando pela reforma Biagi de 2003[4] (ainda hoje um ponto de referência para os legisladores), pode-se afirmar, sem medo de ser desmentido, que se abateu uma real e verdadeira lâmina sobre a cabeça do proletariado.

Além da constante precarização do trabalho (definida assim até mesmo pela própria ministra Fornero em 2012), todas essas normativas fizeram aumentar a gestão privatista das relações entre formação e trabalho e concedeu cada vez mais espaço às Agências para o Trabalho, ou seja, para as empresas privadas que desenvolvem atividades de administração do trabalho, intermediação, procura e seleção, suporte à recolocação do pessoal.

Sempre que as leis do Estado burguês não são suficientes para desonerar o “peso” da força de trabalho para as empresas, elas encontram outras formas de suporte, como o trabalho irregular, chamado de trabalho “cinza” e em última instância a justiça burguesa.

O trabalho ilegal e o precarizado

Todas as relações de trabalho que se desenvolveram de modo contrário às leis entram no assim chamado “trabalho irregular” e entre eles destacam-se o “trabalho ilegal”, aquele sem qualquer forma contratual e o “trabalho precarizado”, ou seja, aquele no qual há um contrato, mas o conteúdo não corresponde a efetiva modalidade de desenvolvimento da atividade laborativa. O “trabalho ilegal” é, certamente, a forma de trabalho irregular mais percebida e difundida que permite ao patrão escapar de qualquer forma de controle, além de economizar grande quantidade de dinheiro. A ausência de contrato torna o trabalhador invisível, privado de qualquer tutela (horário, retribuição, pagamento das contribuições, higiene e segurança) e, por isso, submetido a graves formas de exploração. Se o “trabalho ilegal” é ainda muito difundido, isso se deve a uma presença cada vez maior de trabalhadores que se encontram em uma condição de grande vulnerabilidade: na maior parte dos casos são obrigados a aceitar condições de trabalho desumanas (pensa-se, em particular, nas formas extremas muito difundidas na agricultura, na qual, através da intermediação de um “recrutador”, se verificam práticas realmente criminosas).

No entanto, a forma de trabalho que cresce de maneira cada vez maior, é o “trabalho precarizado”. Uma forma de trabalho que, ainda que irregular, graças a uma aparência de legalidade, deixa o patrão protegido de surpresas desagradáveis. Essa forma de trabalho pode não respeitar todas as leis que o regulamentam, ou é usada em substituição de outras formas contratuais que ofereceriam maiores garantias aos trabalhadores.

Em todo caso, submete o trabalhador a múltiplas formas de exploração e, na maior parte dos casos, se manifesta através do registro das jornadas de trabalho em quantidades inferiores em relação àquelas efetivamente realizadas, com a diferença do salário pago, na melhor das hipóteses, paga “por fora do salário”. Na Itália, as categorias de trabalhadores mais expostos a esse tipo de relação trabalhista são os imigrantes que, sem um visto de permanência, são obrigados a aceitar um trabalho totalmente irregular; os jovens que, sem experiência profissional, encontram muita dificuldade de inserir-se no mundo do trabalho; e as mulheres que geralmente aceitam uma ocupação irregular para não ficarem sem trabalho.

A maioria dos setores econômicos interessados é: a agricultura, os serviços (hotelaria, comércio ou transporte de mercadorias e pessoas, limpeza ou faxina, cuidadora ou babá) e construção civil (os canteiros de obras estão entre os mais atingidos por acidentes pela falta de respeito às normas de segurança).

Exploração legitimada

A legislação das últimas décadas representou uma verdadeira e real lâmina sobre a cabeça de quem é obrigado a trabalhar para poder sobreviver: toda uma série de contratos de trabalho chamados “atípicos” são a prova disso. Contratos por tempo determinado, aprendizagem [exemplo: jovem aprendiz], contratos de inserção no mercado de trabalho, estágio, contratos por projetos, são alguns dos exemplos da progressiva degeneração do “mercado de trabalho” italiano.

A aparência de legalidade favorece o extrapolamento das horas de trabalho definidas no contrato, o enquadramento de tarefas não correspondentes àquelas realmente prestadas e as relativas ao trabalho mal remunerado. Isso para dar alguns exemplos de como o trabalho precarizado representa uma forma de exploração do trabalho tanto quanto o trabalho ilegal, ou até mais elevada porque está protegida com uma aparência de legalidade fornecida pela presença de um contrato.

Para completar o quadro de exploração da força de trabalho, os tribunais burgueses pensam que, se aparentemente consideram o direito do trabalho como funcional ao bom funcionamento do mercado e se colocam a garantir a defesa das condições de trabalho, terminam por neutralizar os direitos conquistados pelos trabalhadores por meio de suas lutas, através do álibi de equilibrar os direitos sociais com as liberdades econômicas. E pontualmente, a balança pende para a parte errada.

Os dados dos últimos meses de 2021 confirmam absolutamente a tese que defendemos: das estatísticas do ISTAT (Instituto Nacional de Estatística) emerge uma recuperação de 625 mil dos 877 mil postos de trabalho perdidos em 2020, mas a maior parte (dois terços) são contratos temporários, um terço deles inclusive abaixo de 30 dias! Apenas 0,6% com contratos superiores a um ano. Na realidade, a exaltada retomada dos primeiros dez meses de 2021 viu os trabalhadores com ocupações estáveis avançarem um insignificante 1,6% a frente dos ocupados temporariamente, que passam de 15%.

Retomemos o futuro em nossas mãos

As perspectivas para os próximos anos reservam sinais ainda mais sombrios: devemos esperar que essa situação dos contratos por tempo determinado e da precarização do trabalho e sua extensão ao setor industrial e da construção civil, se torne crônica. Tudo isso terá um efeito cascata sobre as aposentadorias que estarão cada vez mais distantes no tempo e com valores de fome.

Ainda uma vez mais, os mais atingidos serão os jovens e as mulheres, em particular aqueles do sul da Itália. E no blefe onde essa realidade se esconde (mas nem tanto), com as promessas dos fundos do PNRR (Plano Nacional de Recuperação e Resiliência), o futuro será mais do que nunca caracterizado por uma profunda crise econômico-financeira global que se traduzirá na redução futura dos direitos sociais, primeiramente aqueles da previdência social e do trabalho.

Neste quadro, aquilo que o “mercado de trabalho”, nas feições das agências para o trabalho e com a colaboração das burocracias sindicais, tentará induzir entre os e as jovens do proletariado será a auto-redução dos próprios direitos a fim de conseguir um posto de trabalho.

Cedendo à chantagem patronal se poderá apenas assistir a uma barbarização da sociedade, a um alargamento ilimitado da privatização dos direitos mais básicos. E é aqui que se coloca a nossa proposta, a necessidade improrrogável de construir aquele partido indispensável ao proletariado para unir a luta econômica à sindical: e estas duas à luta política.

Como? Partindo de qualquer luta cotidiana, até aquela luta mais singela, que possa constituir um fermento indispensável para o desenvolvimento de uma luta cada vez maior que possa, por sua vez, conduzir ao socialismo através do instrumento fundamental do programa de transição. Estamos conscientes da dificuldade do percurso, mas não existem outros caminhos para a saída.

[1] “Lavoro nero” e “lavoro grigio”(Trabalho negro e trabalho cinza) são expressões usadas na Itália para designar o trabalho ilegal, irregular ou parcialmente irregular (informais, precarizados, sem direitos garantidos), principalmente de trabalhadores imigrantes e de mulheres. No Brasil, podemos fazer um paralelo com a exploração dos trabalhadores bolivianos nas confecções de São Paulo. Ou com parte dos trabalhadores rurais, chamados de boias-frias, “contratados” para trabalhos sazonais geralmente em época de colheita de alguns produtos agrícolas. Vamos usar “trabalho ilegal” e “trabalho precarizado” para os termos acima explicados. No Brasil, de acordo com ampla discussão feita pelos movimentos negros no país, é correto não utilizar termos que definem as cores mais escuras com um sentido negativo e as mais claras como mais positivas (ou menos piores) como parte do combate ao racismo. Nota do tradutor

[2] www.alternativacomunista.it/politica/nazionale/disoccupazione-il-punto-di-vista-marxista

[3] Definido no dicionário Treccani como “o ganho ou rendimento proveniente de uma atividade empresarial, entendido como um excedente da receita total sobre o total dos custos”.

[4] Série de reformas trabalhistas que “flexibilizaram”, retiraram e precarizaram os direitos trabalhistas ao longo de 20 anos, de 1997 com o Pacote Treu (Tiziano Treu, ministro do Trabalho e da Previdência Social), a 2017 com o Jobs Act.  Nota do tradutor

Tradução: Nívia Leão

 

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares