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Crise climática e ambiental

Fracasso da COP26: Lutar pelo socialismo para enfrentar a emergência climática

novembro 25, 2021

A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, terminou como a ativista climática Greta Thunberg havia previsto: em muito “blá blá blá”, na “celebração de negócios” e em belos discursos que não puderam esconder o seu retumbante fracasso.

Por: Jeferson Choma

Foi mais um “fracasso anunciado” do capitalismo em relação a como deter o aquecimento global. Mais uma prova de que esse sistema não pode deter a crise que ele próprio provocou; o que coloca a necessidade de superá-lo e da construção de uma sociedade socialista para enfrentar a emergência climática.

Entendendo o fracasso

Para entendermos isso é preciso lembrar que o objetivo da Conferência era aprovar medidas que possam garantir os objetivos do “Acordo de Paris”, assinado por 195 países, como resultado da COP21, em 2015: limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius, neste século, fazendo esforços para chegar, ao máximo, a um aumento de 1,5°.

Cientistas já avisaram que, caso a média da temperatura da Terra aumente acima de 2° Celsius, os impactos serão catastróficos, causando a elevação do nível do mar e desastres naturais mais intensos e frequentes. Neste cenário, é bem provável que enfrentemos um colapso ambiental em cascata, à medida que os sistemas terrestres ultrapassem seus limites críticos.

Só para ficar em um exemplo, o aumento da temperatura acima de 2 graus pode causar o degelo do “permafrost”, um solo permanentemente congelado existente na Rússia, Alasca e Canadá, liberando uma quantidade imensa de carbono na atmosfera. Estima-se que o “permafrost” contenha o dobro do dióxido de carbono (CO2) presente na atmosfera!

Para impedir essa catástrofe (ou seja, que a temperatura suba além dos 2°), seria preciso impor rápidas e profundas reduções na emissão de carbono: de 45% até 2030 (em relação aos níveis de 2010) e emissão-zero, em 2050.

Isso exigiria uma total revolução da matriz energética, a começar pelo fechamento das minas de carvão, pela não abertura de novas plataformas de petróleo e gás (até 2030) e pelo interrompimento do uso de petróleo e gás, como combustíveis, até 2050. Tudo isto combinado com o desenvolvimento de fontes limpas de energia, tal como a energia solar, eólica (captada com os ventos) e o hidrogênio verde (ou seja, produzido sem o uso de combustível fóssil).

Mas, o capitalismo é absolutamente incapaz de fazer essa transformação e a COP26 foi mais um capítulo desse fracasso.

A conferência sequer renovou as metas para 2030 (sim, essas que definiam limitar o aquecimento para 1,5 grau). A declaração final também foi modificada. No lugar de “eliminar gradualmente” o carvão, a redação final do documento fala em “reduzir gradualmente” uso deste combustível. A modificação do texto foi realizada por pressão da Índia, o terceiro maior emissor mundial de gases de efeito estufa (que provocam uma retenção “excessiva” de calor na atmosfera), depois da China e dos Estados Unidos. O país depende fortemente do carvão e seu uso vai aumentar nessa década.

Tecnologias a serviço das petroleiras

O enviado climático dos EUA, John Kerry, tentou salvar as aparências e argumentou que a tecnologia de captura e armazenamento de carbono poderia ser desenvolvida para reter as emissões na fonte e armazená-las no subsolo.

No entanto, a captura e armazenamento de carbono é uma proposta extremamente controversa para a ação climática. No momento, a maior parte dos projetos de sequestro de carbono tem como objetivo armazená-lo em formações geológicas sedimentares em profundidade. O governo da Noruega até criou a Gassnova, uma companhia estatal para armazenar carbono nas profundezas do Mar do Norte. O curioso é que quase todos esses projetos têm apoio e financiamento de petroleiras, como Chevron, BHP e Shell. Mas qual é o interesse das petroleiras no desenvolvimento dessas tecnologias?

Além do óbvio interesse em continuar emitindo CO2, há outro. Atualmente, 88% do sequestro de CO2 é usado pela indústria do petróleo para extrair mais petróleo. O CO2 capturado, uma vez que é injetado em rochas sedimentares, pode ser usado para extrair os últimos depósitos de petróleo, em poços que já ultrapassaram o período de alta produtividade. Essa técnica é utilizada há décadas pela indústria de petróleo e gás dos EUA e estima-se que seu uso pode resultar numa extração extra de 30% de petróleo. Ou seja, o desenvolvimento dessa tecnologia visa prolongar a era do combustível fóssil.

Economia verde

Lucrando com a catástrofe climática

Mas esses são apenas os fracassos mais visíveis da COP26, que também reiterou as velhas e surradas soluções da “economia verde”. Entre elas está o apoio ao mercado de “créditos de carbono”, que são ativos financeiros negociados nas bolsas de valores, que permitem aos poluidores emitir gases de efeito estufa a um custo menor, em relação às multas e sanções.

Outra “solução” aventada por dezenas de “cartilhas” que projetam a diminuição das emissões de CO2 é o incentivo aos biocombustíveis (produzidos através de matéria orgânica, a partir de produtos como cana-de-açúcar, milho, soja, semente de girassol, madeira e celulose). Mas, pensar que a produção de  biocombustíveis é “sustentável” é um absurdo completo.

Basta olhar para as regiões do Brasil tomadas por enormes plantações de cana-de-açúcar usadas na produção do etanol que suprimiram (e continuam a suprir) florestas e biomas (regiões cujas características do meio ambiente são semelhantes) inteiros. O interior do estado de São Paulo é uma dessas regiões. A destruição da mata nativa e sua substituição por plantações de cana-de-açúcar foi um dos principais ingredientes para as tempestades de poeira que atingiram várias cidades nos últimos meses.

Atiçando conflitos agrários

Além disso, o incentivo aos biocombustíveis aprofunda os métodos e a lógica da acumulação, aumentando a especulação de terras, a concentração fundiária, a expulsão e a violência contra camponeses, quilombolas e indígenas.

Essa é uma das razões que explicam porque nenhum governo deu atenção às reivindicações do povo guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Seu território ancestral está tomado por “biocombustíveis” (cana-de-açúcar e soja até onde a vista alcança), enquanto eles continuam sendo exterminados por milícias de fazendeiros e suas pequenas aldeias (confinadas em verdadeiros “bantustões”, como eram chamados os territórios negros segregados, durante o regime do apartheid, na África do Sul) são atacadas e incendiadas todos os meses. De 2003 a 2014, foram assassinados 335 indígenas somente nessa região do Brasil.

O apoio ao uso dos biocombustíveis dado pelos governos capitalistas é o prenúncio de mais e maiores conflitos agrários. Daí pode-se compreender a dimensão da luta contra o “marco temporal” travada pelos povos indígenas do Brasil.

A tal da “economia verde” não vai deter o colapso ambiental em curso. É apenas uma nova frente de expansão do capital para que a burguesia siga acumulando na base do roubo, do saque e da morte.

Promessas vazias

Quase US$ 6 trilhões de subsídio para a indústria de combustíveis fósseis

Na COP26, as principais instituições financeiras do mundo se comprometeram a investir US$ 130 trilhões na transição para uma economia livre de carbono. Joe Biden alardeou que vai destinar US$ 555 bilhões, ainda nesta década, para garantir a transição.

No entanto, todas essas promessas soam tão falsas quanto as de Bolsonaro, que se comprometeu em diminuir o desmatamento no Brasil, particularmente na Amazônia. Sob Bolsonaro, a Amazônia vem atingindo os maiores índices de desmatamento desde 2006. Todos sabem que a floresta vai continuar sendo destruída em seu governo e não há motivo algum pra acreditar em suas promessas.

Mas, haveria algum motivo para acreditarmos nas declarações de Biden e no “compromisso” assumido pelas instituições financeiras? De nenhuma forma. Primeiro, enquanto prometem mundos e fundos, continuam gastando trilhões de dólares em subsídios para os combustíveis fósseis. De acordo com um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado no jornal britânico “The Guardian”, em 06/10/2021, estima-se que a indústria de combustíveis fósseis se beneficia com subsídios de US$ 11 milhões a cada minuto. No total, as produções e queimas de carvão, petróleo e gás foram subsidiadas em US$ 5,9 trilhões em 2020.

Subsídios à matriz fóssil segundo o FMI (Lasp, ver abaixo, com tradução)

Esses subsídios trilionários formam o maior problema para o desenvolvimento de tecnologias para a produção e distribuição de energia limpa. Um relatório da Agência Internacional de Energia Renovável, publicado em 2020, rastreou cerca de US$ 634 bilhões em subsídios ao setor de energia, somente naquele ano, e descobriu que cerca de 70% dos valores foram relativos a combustíveis fósseis. Apenas 20% foram para geração de energia renovável.

A velha matriz energética fóssil ainda é mais barata e lucrativa para o capital, que vai explorá-la de maneira predatória até seu esgotamento. Em médio prazo, os investimentos em energia limpa apenas vão promover um “mix” energético; ou seja, uma diversidade de fontes e não a transição necessária para evitar o colapso ambiental. Seu desenvolvimento também servirá para que alguns países centrais do sistema possam obter alguma renda tecnológica, com a sua venda, tal como a indústria farmacêutica está fazendo, hoje, com as vacinas.

A urgência do Socialismo

Além de ser um desfile de promessas falsas, a COP26 foi uma vitrine para o chamado “greenwashing” (ao pé da letra, “lavagem verde”, ou “maquiagem verde”, significando a prática usar falsas medidas de proteção do meio ambiente para tentar melhorar a imagem de um país ou de uma empresa), ou o “marketing verde”, realizado por muitas empresas que tentam nos convencer (e também nos corromper) de que o capitalismo é sustentável.

Querem nos enganar e dizer que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Apenas a construção de uma sociedade socialista, pautada no planejamento democrático da economia, pode reestabelecer o equlíbrio metabólico (ou seja, nas relações e “troca de energia”) entre seres humanos e a natureza, desenvolver novas matrizes energéticas e promover uma revolução das forças produtivas. Ou a humanidade acaba com o capitalismo ou o capitalismo irá acabar com a humanidade.

GRÁFICO TRADUÇÃO

Título: Combustíveis fósseis beneficiados com subsídios de US$ 5,9 trilhões, em 2020.

Subsídios explícitos (nos preços) e implícitos (através da concessão de benefícios ambientais, políticas de saúde e impostos). Em bilhões de dólares.

Petróleo

Carvão

Gás

Eletricidade

Fonte: FMI

 

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