sáb jul 27, 2024
sábado, julho 27, 2024

Por que 2000 pessoas marcham em um dia chuvoso?

“Temos muito o que fazer. Não perdemos a esperança em nós mesmos e em nossa classe, não desistimos. Porque o único poder que pode salvar e construir o futuro é a classe operária e seu partido”.


Por: Aslı Sevim

Chegamos quase ao final do outono, enquanto os dias e meses estão fluindo um após o outro com um espírito sufocante. Na segunda quinzena de outubro, o tempo não está muito ruim, mas em uma manhã de domingo há uma tempestade, com muita chuva, e pelo menos 5 graus mais frio do que no dia anterior. Muitos trabalhadores que acordam naquela manhã têm em mente como vão passar este inverno com contas de energia que aumentaram muito, e poder descansar um pouco.

Entretanto, aproximadamente 2000 pessoas vieram ao distrito de Kartal, em Istambul, na mesma manhã, algumas do outro lado desta grande cidade, outras de outras cidades, para participar da Manifestação dos Operários e Trabalhadores na Praça Kartal, em 24 de outubro de 2021. Como o título deste artigo sugere, eu gostaria de lhes dizer o que levou as pessoas até lá, e como isso é importante. Mas, antes de passarmos a esta parte, vamos falar sobre o que aconteceu na Praça Kartal naquele dia.

Um mês atrás, os trabalhadores municipais de Bakırköy, Bayrampaşa e Şişli, e operários da construção civil (e do varejo, alimentos, manufatura e setores públicos) da Sinbo, SML, Tur Assist, Alba Plastik, Bel Karper, AdkoTurk, Xiaomi Salcomp, Kentpar, CarrefourSa, Baldur, Uzel, Rönesans Holding, Tanzim Market, A101, e Kayı, haviam convocado uma manifestação dos operários e trabalhadores, para levantar a bandeira da resistência e da luta. Ouvindo esta voz, cerca de 40 organizações trabalhistas, sindicatos independentes e partidos políticos usaram sua imprensa e mídia social durante um mês para convidar os trabalhadores das cidades e do campo com um entusiasmo e esforço que se igualaram à convocação para o Dia do Trabalhador.

Apesar da chuva e da tempestade, trabalhadores e operários reunidos em frente ao Parque Anıt em Kartal coloriram suas marchas com os slogans “Trabalhadores unidos, tomem o poder”, “Viva a solidariedade de classe”, “Você nunca estará só”, “Trabalho, pão e liberdade” e entraram no parque. Após a declaração à imprensa lida em nome dos organizadores da manifestação, o palco foi inteiramente dos trabalhadores.

É hora de mostrar a força de nossa classe contra a destruição capitalista

As seguintes palavras foram destacadas no comunicado à imprensa:

“…Nossa manifestação é um passo importante nesta luta. Agora é o momento de transformar a determinação, a centelha da luta aqui, em fogo contra a opressão e a exploração em fábricas, regiões industriais e onde quer que haja vida. É hora de ampliar este passo que demos para sairmos mais fortes como uma classe organizada contra o capital que rouba nosso trabalho e usurpa nossos direitos e contra aqueles que o representam. Está na hora de nos reunirmos em nossas fábricas e locais de trabalho e de construir nossas organizações de base. É hora de mostrar a força de nossa classe contra as destruições que os capitalistas, o poder e todas as suas instituições, que se aproveitam de nossa desorganização, impõem à humanidade por seus interesses miseráveis”.

Ao final da declaração, foi feito um chamado para fortalecer este passo dado contra a destruição capitalista, e as reivindicações foram listadas como se segue:

* Revogar o Artigo 25/2 (Código 29)!

* Proporcionar segurança de emprego e renda para todos!

* O trabalho subcontratado deve ser proibido!

* Acabar com o abuso, a pressão, a violência nos locais de trabalho!

* Os decretos-lei de demissões devem ser cancelados!

* Eliminar barreiras à organização sindical!

Os trabalhadores expressaram em seus discursos os problemas que existem em quase todos os locais de trabalho, estejam eles na luta ou não, da opressão e violência às demissões devido à atividade sindical, do Código 29 à usurpação de direitos através de decretos legais, à marginalização e traições dos sindicatos.

O primeiro após 60 anos

Não sei se alguém ficaria surpreso ao saber que a última manifestação de operários e trabalhadores na Turquia, como a de 24 de outubro de 2021, ocorreu em Saraçhane há 60 anos, em 1961. Em outras palavras, uma manifestação que leva o nome diretamente da própria classe e onde trabalhadores e operários podem se expressar foi estabelecida pela última vez há 60 anos.

Embora seja uma honra fazer parte, também é doloroso, especialmente considerando os últimos 60 anos. Tanto para os interesses e a consciência de classe, como, é claro, para a luta pelo socialismo.

Não é uma coincidência que tal comício tenha sido realizado 60 anos depois. Com a derrota da Greve dos Mineiros Britânicos de 1984-85, que feriu os trabalhadores de todo o mundo, e a declaração da “vitória absoluta” do neoliberalismo encarnado na própria Thatcher, a linha de greve e resistência que foi cada vez mais suprimida foi quebrada com a crise global de 2008. As manifestações contra a crise econômica que começaram na Grécia se estenderam a muitos países, dos EUA à Espanha, da Tunísia ao Egito, quando os calendários mostraram 2011. Quando chegamos a 2021, o número de países onde grandes manifestações antigovernamentais não foram realizadas nos últimos 3 anos cabe nos dedos da mão. Enquanto 110 países testemunharam ações em larga escala desde 2017, a raiva entre os trabalhadores e os oprimidos em todo o mundo se deslocou para um nível mais alto com a pandemia. Os movimentos espontâneos e antipartidários baseados na ocupação do espaço público, que chegaram à vanguarda do ativismo pós-2008, foram substituídos por protestos mais duros. O fato de não haver solução para sufocar a raiva das massas ao redor do mundo nos dá pistas sobre o próximo período.

Como a Turquia não é um pedaço de terra pendurado no vácuo do espaço, ela é afetada tanto pela crise capitalista global quanto pela situação da classe trabalhadora mundial. Assim como na Resistência de Gezi em 2013. Gezi, uma resistência social que irrompeu espontaneamente, abalou o regime ao mesmo tempo em que deu o exemplo ao mundo com sua solidariedade, coragem e criatividade, mas estava condenada à derrota porque não conseguiu estabelecer uma demanda e programa comuns. De fato, o regime e o bloco do capital, que perceberam o perigo por si mesmos, começaram a tomar as medidas necessárias para garantir que tal coisa não voltasse a acontecer. Mas existiu apenas a “classe média” em Gezi, ou Tahrir, ou na Praça Puerta del Sol? Ou os jovens, as mulheres, os grupos de fãs de clubes de futebol estavam lá como identidades isoladas? Exceto para aqueles que se recusam a saber, todos admitem que há trabalhadores e operários em todas essas manifestações. Mas os trabalhadores não estavam lá como uma classe para si. O fato de a classe trabalhadora não ter participado destas revoltas com suas próprias demandas determinou a natureza e a fraqueza destes movimentos. Se a classe operária, juntamente com seu corpo, levasse suas demandas de classe para as ruas, estaríamos falando de algo completamente diferente agora.

O ‘fantasma’ está de volta?

Voltando à manifestação, não vou voltar a listar todos os problemas que levaram os trabalhadores ao Kartal em um dia em que a chuva e o vento não pararam, e os problemas expressos em seus discursos. Penso que todos em quase todas as partes do mundo, incluindo a Turquia, veem muito bem qual é o problema. Bem, não era assim antes? Talvez fosse, talvez não, mas parece que hoje as pessoas começaram a falar sobre os grandes problemas que os incomodam. Ninguém acredita nas mentiras e promessas do regime do Palácio (uma analogia para o sistema presidencial sui generis da Turquia). Mas, infelizmente, isto não significa que os trabalhadores se tornarão automaticamente uma classe para si. Para garantir isso, é necessário revelar o “porquê” do que aconteceu, explicar pacientemente sem perder a esperança, organizar, unir e perpetuar as lutas e levá-los a um terreno político com a reivindicação do poder. Especialmente na era da transformação em que vivemos. Em outras palavras, 60 anos depois, quando o neoliberalismo literalmente levou o mundo inteiro à beira da extinção; numa época em que os capitalistas e ideólogos burgueses tentam nos enganar novamente com a história de “construir o futuro”.

Não podemos permitir que os donos do capital e dos meios de produção, ou seja, a burguesia, escondam seus conflitos econômicos e, naturalmente, políticos, por trás de adjetivos/identidades como islamistas, modernos, ocidentais, locais, etc. Devemos absolutamente rejeitar a oposição burguesa, cujo objetivo final é salvar uma parte da grande burguesia daqueles que são favorecidos pelo regime, a parte que apresenta o período entre 1999 e 2007 maquiando-o por trás do sistema parlamentar e de contos de mérito. Como se não fosse este o período em que o salário foi derretido, o salário mínimo foi imposto por trás dos contos de riqueza, abundância e mérito, em que se asfixiou as atividades sindicais, acelerou a privatização, tornou o desemprego permanente e nos endividou a todos… Como se o caminho que nos trouxe até hoje não estivesse pavimentado lá… E o mais importante, como se fôssemos ignorantes demais para saber o que significa o futuro!

Assim como agora, enquanto os ideólogos burgueses tremiam ante a possibilidade da conscientização da classe trabalhadora, enquanto a oposição burguesa afogava a raiva acumulada com uma eleição de destino desconhecido, esta manifestação com uma pequena representação numérica de 2000 trabalhadores em relação à população, mas com um efeito que não pode ser subestimado, é uma ruptura com a realidade capitalista que só os tolos e os mal-intencionados podem desprezar. Deixe-os recuar de qualquer forma, temos muito a fazer. Não perdemos a esperança em nós mesmos e em nossa classe. Porque o único poder que pode salvar e construir o futuro é a classe operária e seu partido.

Tradução: Marcos Margarido

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