sex abr 19, 2024
sexta-feira, abril 19, 2024

“Entendimento bicentenário” EUA-México: mudam os nomes, continua a dominação

Com frases bombásticas e referências históricas maquiladas foi anunciado um novo pacto entre os dois estados, o “Entendimento Bicentenário”, em substituição à “Iniciativa Mérida” assinada em 2007 pelos presidentes Bush e Calderón. “Pretende-se apresentar o atual convênio como um “acordo entre iguais”, e que “se passou da subordinação para uma aliança”. Entretanto, a essência neocolonial do atual “Entendimento” é a mesma de Mérida.

Por: Corrente Socialista dos Trabalhadores

Em 8 de outubro passado, chegaram ao México o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken e o Secretário de Segurança Nacional, Alejandro Mayorkas, o Procurador Geral Merrick Garland, junto aos outros funcionários do governo de Biden, para estabelecer o que denominaram com solene pompa de “Diálogo de Alto Nível em Segurança”, DANS.

O governo de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), na pessoa de seu chanceler, Marcelo Ebrard veio se esforçando há meses em mostrar a validade do Tratado de Mérida como uma demanda do México, que em 2007 foi batizado como “Iniciativa” para dissimular seu estreito parentesco com o “Plano Colômbia”. Na realidade, foram os governos dos EUA, tanto Obama como Trump, os que pressionaram para fazer mudanças e impor mais condições à “Iniciativa Mérida”.

Nesses 14 anos a Iniciativa Mérida foi um instrumento de subordinação do México aos EUA no terreno militar, aduaneiro e de segurança. Os objetivos declarados foram o combate ao tráfico de drogas e armas, ao tráfico de pessoas e o freio à migração irregular. A DEA (Agência americana Antidrogas) foi definida como um componente policial fundamental nesse pacto. Sua ingerência e atribuições de espionagem foram descaradas e crescentes. O governo de Felipe Calderón declarou a “guerra contra o narco” como sua missão prioritária, com um fragoroso fracasso, graves violações aos direitos humanos e um incalculável saldo de desaparecimentos e mortes. Paradoxalmente, quem comandava essa “guerra”, o íntimo amigo de Calderón e ex Secretário de Segurança Genaro García Luna, está atualmente condenado e preso nos EUA por seu vínculo com o narcotráfico e lavagem de dinheiro. A captura de “Chapo” Guzmán em 2016, sob o mandato de Peña Nieto, foi um aparente “ponto alto” da DEA. Ainda assim, os cartéis e o tráfico continuam proliferando e a violência criminosa se apodera de muitas comunidades, expulsando centenas de milhares de seus humildes moradores, muitos dos quais lutam para emigrar aos EUA.

A prisão e o julgamento do General Cienfuegos detonaram um escândalo e mais crise  

Mas o ponto culminante do papel da policia internacional onipresente da DEA foi a detenção do ex Secretário de Defesa Nacional mexicano, o general Salvador Cienfuegos, no Aeroporto de Los Angeles em outubro de 2020. Esse operativo fez parte de uma longa investigação de 11 anos sobre este general, pelos seus laços com o narcotráfico. Inclusive, constatou-se que entre o crime organizado o chamavam de “o padrinho”. A comoção e a crise se apoderaram do governo de AMLO e da cúpula das Forças Armadas. Ficou evidente que a putrefação do regime continuava, apesar do presidente não se cansar de repetir que “o velho regime já mudou”. Ficava exposta a continuidade da corrupção nos altos comandos militares, que AMLO está empoderando cada vez mais. Mas foi a ingerência colonial da DEA, dos fiscais e dos tribunais dos EUA no México, o que mais ficou em evidência. Este escândalo jogava por terra todo o discurso do presidente sobre a “soberania do Estado Mexicano”.

Agora, a política de “abraços, não balaços” foi adotada por Biden?

Ante o fiasco e lamentável saldo da “guerra ao narcotráfico” de Calderón, AMLO levantou a bandeira de “abraços, não balaços”. Supostamente, para evitar mortes inocentes. E com essa consideração, em outubro de 2019 ordenou a libertação de Ovidio Guzmán, filho de Chapo Guzmán, no momento que foi detido pelas forças especiais em Culiacán, Sinaloa. Por outro lado, surgem cada vez mais evidências da conspiração do crime organizado e a violência mafiosa com diversas instituições e poderes do estado.

Agora, que Ebrard e Blinken referendaram o “Entendimento”, vemos López Obrador e o próprio Ebrard se gabar de terem conseguido formalizar a “Cooperação para a paz, não para a guerra”. Além de ter “sepultado a  Iniciativa Mérida”. Muitas frases e mais frases…que lembram a outra famosa frase, atribuída ao personagem “Don Juan Tenorio” (1844), de José Zorrilla (1817-1893):”os mortos que vocês mataram gozam de boa saúde”…E não é difícil constatar. Pois, segundo os EUA, continuará dando ao “Entendimento”, o mesmo financiamento que dava à “Iniciativa”. E não acreditamos que o governo de Biden esteja só pagando os “gastos do enterro” da “Iniciativa”. Não. Biden está pagando e pressionando para continuar com a prioridade política anterior do império ianque neste terreno: o narcotráfico.

Nossa opinião não é baseada em suposições, mas em informações do próprio Ken Salazar, embaixador dos Estados Unidos no México, que declarou: “O México se comprometeu a combater os cartéis das drogas, sob o Entendimento Bicentenário, para o qual haverá recursos econômicos”. E o jornal El financiero, associado à agência Bloomberg 11/10/21, agrega: “Muito bem, é uma mudança importante. Mas falta a prova dos fatos. A primeira é que o governo mexicano permita a entrada de novos agentes da DEA, sem as restrições que foram impostas recentemente. Não será um sapo fácil de engolir. E a segunda prova é que as autoridades do México decidam agir contra os grande cartéis, ainda que lamentem os sinistros aliados eleitorais de seu partido”…”Poucos dias antes de Antony Blinken viajar ao México, o departamento sob sua responsabilidade anunciou que triplicava a recompensa pela detenção do chefe do Cartel do Pacífico, Ismael Zambada, “El Mayo”…

Em resumo: De que se trata o “Entendimento”?

Para responder cabalmente a esta questão falta ver sua aplicação prática. Antes disso poderemos estudar com profundidade “o plano conjunto que ambos os governos se comprometeram a apresentar no próximo 1º de dezembro, no qual serão especificadas as ações concretas para os próximos três anos”. (El Financiero, 08/10/21). Assim, será pouco provável confundir-se com a retórica de Ebrard e AMLO, que visa apagar da memória coletiva o embaraçoso episódio da prisão do “Padrinho” Cienfuegos nos EUA, o estranho pacto com Trump para libertá-lo e posteriormente absolvê-lo no México, pela Procuradoria Geral da República.

Hoje só temos declarações de intenções e frases vazias. O mais concreto e tangível é a histórica e presente dominação do México pelo imperialismo dos EUA. E que essa dominação não será modificada apenas mudando os nomes dos pactos que nos atam. Foi assim também com a substituição da anterior erroneamente chamada de “Reforma Educativa” de Peña Nieto por uma “Nova reforma educativa”, que fez mudanças cosméticas, deixando a essência privatizante da anterior. Como ocorreu com a mudança de nome das Zonas Econômicas Especiais para Zona Livres, que continuam sendo o botim para o saque da mineração e a espoliação territorial dos povos originários. E o mesmo no terreno da saúde pública, com a mudança do anterior Seguro Popular de Vicente Fox para “Novo Instituto do Bem Estar”.

Outro fato a levar em conta, e que já se converteu em um selo distintivo do governo de AMLO, é a permanente disparidade de suas declarações e os fatos. Foi assim com a suposta “separação do poder político do poder econômico” quando ele era presidente, que de fato continua a ser um governo a serviço de um punhado dos maiores oligarcas. E a mais grave violação de sua promessa de “Não reprimir as manifestações sociais”, com a brutal repressão e militarização que sofrem os operários que constroem a refinaria de Dos Bocas, em Tabasco, que por entrarem em greve exigindo o pagamento das horas extras e equipamentos de proteção foram atacados. Um operário assassinado e muitos outros feridos e presos pela Marinha, Guarda Nacional e pela polícia.

Concluindo, o que é evidente sobre o “Entendimento Bicentenário” é que, qualquer que sejam as mudanças de nomes ou variações retóricas de AMLO e dos pretendentes a serem seus sucessores, a chamada “Quarta Transformação” está a serviço de sustentar a dominação imperialista sobre o México, o saque de nossas riquezas naturais e a exploração de nosso povo trabalhador.

Tradução: Lilian Enck

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares