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sexta-feira, abril 19, 2024

Nas Olimpíadas, a indústria da morte israelense e o sportwashing

Dezenas de empresas de cibersegurança israelenses estão atuando nas Olímpiadas de Tóquio, que se iniciaram em 23 de julho. A informação foi dada pelo jornal sionista The Jerusalem Post no último dia 26.

Por: Soraya Misleh

Empresas de tecnologias militares, de inteligência, controle e vigilância sionistas enxergam nos megaeventos internacionais grandes oportunidades a sua indústria da morte, desenvolvida sobre os corpos palestinos.

Foi assim em competições anteriores, como no Rio de Janeiro, em 2016, em que a fornecedora oficial era a israelense International Security and Defenses Systems (ISDS), trocando “tecnologia de controle por publicidade para limpar sua imagem”, como informou a campanha “Olímpiadas sem apartheid”, chamada à época pelo movimento BDS (boicote, desinvestimento e sanções).

Além de agente dos crimes contra a humanidade na Palestina ocupada, como todas as suas congêneres, a ISDS, como denunciado à época, coopera há muitos anos com o Bope e treina as forças policiais que cometem o genocídio do povo pobre e negro no Brasil. Atuação que teve também junto a esquadrões da morte na América Latina, além da conexão com golpes de Estado na região.

Agora em Tóquio, uma das empresas que anunciou ter fechado acordo com o governo japonês, durante a conferência Cybertech 2020 em Tel-Aviv, em fevereiro de 2020, é a Israel Electric Corporation (IEC). Essa empresa pública sionista é responsável pelo fornecimento de energia e também apresenta soluções em cibersegurança. Segundo publicação intitulada “Anexando energia”, da organização palestina de direitos humanos Al-Haq, a IEC controla o fornecimento de energia na Palestina ocupada, cujas fontes de recursos naturais têm sido usurpadas por Israel, além de infraestruturas e plantas destruídas na faixa de Gaza, em que os palestinos têm apenas cerca de quatro horas de energia por dia. O apartheid se converte em permanente apagão.

Vitrine para a normalização

As Olimpíadas servem, assim, como vitrine tanto para os negócios que sustentam a ocupação quanto para encobrir a contínua Nakba – catástrofe palestina há mais de 73 anos, consolidada com a criação do Estado racista de Israel mediante limpeza étnica planejada em 15 de maio de 1948. O sportwashing – algo como limpar sua imagem com o uso de esportes – foi alertado pela comentarista da TV3, emissora estatal da Catalunha, a nadadora olímpica Clara Basiana e medalha de bronze, ao narrar as seletivas para o megaevento em Barcelona.

Segundo publicado em junho último no Middle East Monitor, “enquanto os atletas israelenses Edan Blecher e Shelly Bobritsky conquistavam o quarto lugar”, Basiana denunciou: “Além dos aspectos técnicos, gostaria de salientar que a presença internacional de Israel no campo do esporte e da cultura é outra estratégia para encobrir o genocídio e a violação dos direitos humanos que estão cometendo contra o povo palestino”. E chamou a atenção dos telespectadores às tentativas de o Estado sionista normalizar a ocupação dessa forma. “Vimos isso aqui, nos Jogos Pré-Olímpicos de Barcelona, ​​vimos várias vezes no Eurovision [competição ao estilo do The Voice, do qual participam artistas da Europa e de países convidados]”, observou a comentarista, que concluiu: “Parece que durante esses eventos os crimes de guerra do Estado israelense desaparecem.”

Não obstante, essas denúncias seguem a encontrar ouvidos moucos. Enquanto o Comitê Olímpico Internacional se recusa a banir Israel e países participantes se mantêm comodamente reféns de sua chantagem de que boicote seria “antissemitismo” – principal falsa propaganda sionista para silenciar a crítica a seus crimes contra a humanidade –, o que se tem visto são ações individuais nas Olimpíadas contra a normalização. A solidariedade, contudo, tem sido punida. O apartheid israelense, não.

Pódio da solidariedade

Na edição em Tóquio, dois judocas abandonaram a competição para não se enfrentarem com quem representava o Estado de apartheid. O argelino Fethi Nourine, primeiro a assumir a iniciativa, declarou: “Trabalhamos muito para nos classificarmos para os jogos, mas a causa palestina é maior do que tudo isso.” Não foi a primeira vez que fez esse gesto. Em 2019, também desistiu de competir no Mundial de Judô pelo mesmo motivo. Na sequência, foi a vez de o judoca sudanês Mohamed Abdalrasool ausentar-se de luta marcada contra seu oponente israelense, sem, contudo, tecer comentários. Atitudes afins já haviam ocorrido em Olimpíadas anteriores.

Em 2016, por exemplo, o judoca egípcio Islam El Shehaby recusou-se a apertar a mão de seu adversário israelense Or Sasson ao final da luta e, por isso, foi excluído da delegação de seu país pelo Comitê Olímpico local. Todas as vezes os atletas são condenados como se lhes faltasse “espírito olímpico”. Mas não é disso que se trata.

El Shehaby não deixou de cumprimentar Sasson porque perdeu a luta ou não gostava dele. Também Nourine não abandonou a competição por razões pessoais – ou Abdalrasool. O que pesou foi a compreensão de que o atleta nas Olimpíadas não atua como indivíduo. À exceção de alguns que competem sob a bandeira olímpica – caso dos 29 refugiados nesta edição –, representa um Estado. No caso de Israel, um regime colonial e racista.

A afirmação de El Shehaby em reportagem publicada no portal de notícias UOL à época não deixa dúvidas quanto a essa consciência: “Não tenho nenhum problema com judeus ou com pessoas de qualquer outra religião. Mas, por razões pessoais, você não pode exigir que eu aperte a mão de alguém por esse Estado. (…)”

Se as Olimpíadas fossem um espaço sem apartheid, esses judocas não seriam punidos. Não precisariam sequer abdicar de seu sonho enquanto atletas. Israel seria banido. Foi o que ocorreu com a África do Sul, por mais de 30 anos, a qual somente teve permissão para voltar à disputa após o fim do regime de apartheid em 1994. Lamentavelmente, Israel, que não respeita sequer o mínimo direito internacional, não só está presente, como garante acordos para fornecimento de suas tecnologias da morte.

Não seria preciso que o Comitê Olímpico Internacional se esforçasse muito para reconhecer o apartheid e agir: bastaria ouvir os relatos da pequena delegação palestina, que participa pela sétima vez do megaevento, a partir de 1996, e é formada tanto por aqueles da diáspora quanto pelos que vivem na Palestina ocupada – refletindo a realidade de uma sociedade fraturada pela Nakba. Como parte do racismo cotidiano, os últimos enfrentam inúmeras restrições e condições precárias para que possam se dedicar ao esporte.

Mohammad Hamada, atleta que compete em levantamento de peso, por exemplo, é de Gaza. Ele saiu da estreita faixa um mês antes do início das Olímpiadas e permaneceu treinando no Catar, por receio de ser impedido de viajar ou chegar a tempo ante o bloqueio desumano imposto por Israel há 14 anos, com auxílio do Egito. Foi o que ocorreu em 2016, quando a delegação palestina chegou ao Rio de Janeiro desfalcada, sem três integrantes de Gaza, barrados no checkpoint.

Levantar a bandeira palestina à abertura e representar uma terra e povo que Israel há mais de 73 anos tenta apagar do mapa é, portanto, mais um gesto de resistência. Essa é sua vitória. Assim como na luta contra o apartheid, o pódio é dos judocas que se recusam a servir à normalização.

Fonte: monitordooriente.com

 

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