qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Suazilândia (eSwatini): Saques, incêndios e a luta contra a Monarquia

Suazilândia, um pequeno país africano, sem saída ao mar e encravado dentro da África do Sul, está vivendo desde maio uma insurreição  que se aprofundou no mês de junho, e o colocou na mesma rota das violentas mobilizações do Zimbábue, Nigéria e Senegal. As razões têm a ver com a queda dos preços das commodities por conta da crise capitalista e agravada pelo impacto da pandemia de covid 19 que aprofundou a miséria das massas. O país é controlado pelo Rei Mswati III, uma das últimas monarquias absolutistas do mundo, e é contra essa ditadura que as massas saíram as ruas, protestaram e colocaram fogo em comércios e plantações. Foram duramente reprimidas e ao final, há pelo menos 40 mortes neste minúsculo país de 1 milhão e 350 mil habitantes.

Por: Cesar Neto

Produção agrícola e mineral para exportação e pobreza infame

Como toda a economia africana, Suazilândia tem sua economia voltada para exportação. Produção de açúcar e cítricos com alto nível de composição orgânica de capital[1]como resultado da irrigação, mecanização, alta produtividade e trabalhadores semiescravos. No país, 90% dos alimentos e bens de consumo vem da África do Sul e por esse motivo sua moeda o lilangeni , está atrelada ao rand sul-africano , subordinando a política monetária de eSwatini/Suazilândia  à África do Sul. Portanto, a África do Sul atua como uma sub-metrópole  à serviço do imperialismo.

A população, em uma economia monoexportadora e importadora de alimentos, com alta taxa de desemprego e serviços de saúde bastante precários, vive uma impressionante pobreza que contrasta com a vida de alto consumo da família do Rei   Mswati III . Calcula-se que 30% da população seja portadora de HIV/AIDS e há um alto índice de mortalidade por tuberculose. O país tem a 12ª menor expectativa de vida no mundo, com a média de 58 anos.

O regime de governo

Suazilândia é governada por uma monarquia absolutista. Inclusive, em 2018, por decisão do Rei Mswati III, o país Suazilândia mudou o nome para eSwatini. O chefe de Estado é o rei Mswati III e que, por sua vez, compartilha o poder com sua própria mãe, uma espécie de rainha espiritual. E ainda cabe ao rei nomear o primeiro Ministro e organizar as eleições para o parlamento realizada a cada cinco anos.

O Parlamento é composto pelo Senado com 30 membros, sendo 10 nomeados pela Câmara dos Deputados e 20 nomeados pelo rei. A Câmara dos Deputados tem 65 membros, 10 nomeados pelo rei e 55 eleitos pelo voto popular com mandato de cinco anos. Porém, não existe o reconhecimento dos partidos políticos e os candidatos se apresentam de forma avulsa.  Dos 65 deputados da atual legislatura, apenas 3 são considerados de oposição.

Uma monarquia absoluta integrada ao capitalismo mundial

Em abril de 1986, aos dezoito anos de idade o príncipe, Makhosetive, deixou os estudos na Sherborne School, na Inglaterra, para ser condecorado como o Rei Mswati III. Na posse representando os EUA estava a filha do, então, presidente Reagan, Maureen, o presidente de Moçambique, Samora Machel e o ditador sul africano, Pietr Botha.[2]

Nesses trinta e cinco anos de governo, nas aparições públicas, Mswati III gosta de apresentar-se com peito nu, indumentárias confeccionadas com pele de leopardo e adereços de origem animal. Anualmente participa de um evento onde as mulheres desfilam com os seios nus, saias e faixas tribais. No evento, o Rei pode escolher dentre as mulheres uma para ser sua esposa. Nessa condição, tem quinze esposas e vinte e cinco filhos. Mswati III é o sexagésimo sétimo filho do rei Sobhuza II, o qual dentro de tradição local, dizem que teve duzentos e setenta filhos.

Seu extremo controle sobre os limitados recursos econômicos do país garante um estilo de vida de muita ostentação, com carrões, aviões particulares e palácios luxuosos, e seus filhos exibem suas opulentas festas de aniversário nas redes sociais[3].

Se por um lado a monarquia absoluta apresenta vários traços extremamente reacionários por outro lado há uma notável integração ao sistema capitalista mundial. Isso fica evidente no fato de Mswati III deter 53.1% da Royal Swazi Sugar Corporation e controlar 21.000 hectares de terras desse pequeno país,  na qual tanto a produção do açúcar e a venda é exclusivamente destina a empresa Coca Cola. A maioria das grandes empresas que operam no país são de capital sul africano e em todas tem participação acionária do Rei.

O assassinato de um estudante foi o começo

A polícia e o Exército da Suazilândia são extremamente violentos contra os trabalhadores e o povo pobre, além disso gozam de total impunidade dos órgãos do Estado dirigido pela monarquia absolutista. Porém, na segunda quinzena de maio, a violência policial sofreu um duro revés devido à morte de um estudante universitário, de família de classe média alta, na qual ficou evidente a participação dos órgãos policiais em seu assassinato. Imediatamente começaram as mobilizações juvenis que foram se radicalizando e incorporando outros setores sociais.

A mobilização se estendeu, aprofundou e se politizou

A mobilização em decorrência da morte do estudante Thabani Nkomonye, inicialmente se deu na capital e logo se estendeu para as zonas rurais onde vive 75% da população. Nos últimos dias de maio e primeiros dias de junho o país viveu, segundo o jornal New York Times, a “mais explosiva agitação civil em seus 53 anos de independência”[4]

De repente a ira explodiu e milhares de manifestantes tomaram as ruas de Mbabane, a capital do país e logo se estendeu para as zonas rurais, com inúmeros comércios e bancos incendiados e saqueados, em especial aqueles nos quais é sabido que o rei tem participação acionária. Também foram saqueados e incendiados supermercados (Pick n Pay, Shoprite, Spar) e bancos (Standard Bank e Nedbank) de capital sul africanos.

O ataque aos negócios e propriedades rurais do rei foi um recado claro de que as massas já não o suportam mais o regime. Mas também, ao incendiar e saquear os negócios sul africanos, significou um recado claro a Nação do Arco Iris na seguinte direção em dizer a África do Sul que: vocês também têm responsabilidades na sustentação dessa monarquia absolutista e ditatorial.

48 anos de ditadura: o atraso na organização da classe trabalhadora

Instalada em 1973, cinco anos após a independência, a ditadura imposta pela monarquia absolutista, impediu a ferro e fogo a organização dos trabalhadores. Na cidade e no campo as poucas organizações têm muitas limitações, sem grandes tradições de organização por local de trabalho ou moradia, e quase não é exercida a salutar prática da democracia operária.

É muito importante constatar essa debilidade para entender os limites do atual ciclo de lutas e, ainda mais, a necessidade imperiosa de organizar sindicatos que atuem nas empresas e organizações no campo. Organizar os que vivem da terra ganha especial importância na medida em que 75% da população vive no campo.

As organizações política de oposição

As duas principais organizações que se ligaram às mobilizações foram o PUDEMO – Movimento Democrático Unido do Povo (People’s United Democratic Movement) e o CPS – Partido Comunista da Suazilândia (Communist Party of Swaziland).

O Movimento Democrático Unido do Povo (PUDEMO), segundo sua página[5], “é um movimento político comprometido com a criação, proteção e promoção de uma democracia multipartidária constitucional, um governo transparente e responsável, um ambiente propício ao crescimento econômico e ao empoderamento e ao desenvolvimento de uma democracia culturalmente vibrante e uma sociedade tolerante, baseada na máxima participação e no respeito à vontade das pessoas”.

O  CPS – Partido Comunista da Suazilândia, em sua página[6] define como tarefas prioritárias:1.Participação Democrática Multipartidária; 2. Liberdade incondicional dos presos políticos; 3. Retorno seguro de todos os exilados; 4. Legalização de todos os partidos políticos; 5. Constituição para uma nova democracia; e 6. Realização de eleições livres e justas.

Tanto o programa apresentado pelo PUDEMO como o apresentado pelo CPS se restringem as liberdades formais do Estado burguês. As tarefas transicionais como reforma agrária, não pagamento da dívida externa, expropriação das empresas da monarquia não constam do programa. Justamente quando os trabalhadores estão convulsionados, dispostos a ouvir alternativas e lutar por elas, tanto o PUDEMO como o Partido Comunista se omitem dessa tarefa.

Seguir com as mobilizações nas ruas até a queda da monarquia.

As mobilizações que tomaram conta do país colocaram a monarquia absolutista e o Rei Mswati III na defensiva. Mesmo com toda a repressão, com mais de 40 mortos e 500 pessoas presas, a luta não foi derrotada.

A burguesia conseguiu importantes declarações pelo “fim da violência”. Bispos católicos de nove países assinaram um manifesto pela paz. A SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral/Southern African Development Community), a ONU, e outras organizações apelaram pelo fim da violência. Mas essas mesmas organizações nunca falaram nada contra o fato de 70% população viver na pobreza, com altos índices de violência contra a mulher e 30% da população com HIV por causa da contaminação hospitalar.

Só foi possível colocar a ditadura de Mswati III na defensiva devido às mobilizações. E por isso, as mobilizações devem continuar até a queda de Mswati III e da monarquia.

Nós da Liga Internacional dos Trabalhadores apoiamos integralmente a luta do povo swazi contra a ditadura e a burguesia que a sustenta.

Abaixo a ditadura de Swatini III e sua monarquia absolutista.

Liberdade imediata de todos os presos políticos.

Fora todos! Eleições livres e gerais.

Por uma Assembleia Constituinte que reconstrua o país, distribua terras e garanta direitos aos trabalhadores.

Monarquia nunca mais.

Solidariedade internacional à luta do povo da Suazilândia.

[1] A composição orgânica de capital se dá pelo capital constante (isto é máquinas, equipamentos e insumos agrícolas) e o capital variável (isto é pagamento de salários). O estudo da composição orgânica do capital vai determinar a taxa de lucro. No caso específico das plantações de cana de açúcar naquele país, observamos um alto investimento de capital constante e baixos valores de capital variável.

[2] https://archive.fo/roR1R#selection-1529.25-1529.60

[3] https://www.nytimes.com/2021/07/02/us/africa-monarchy-eswatini-protests-swaziland.html

[4] idem

[5] https://www.pudemo.org/index.phpoption=com_frontpage&Itemid=1

[6] https://www.facebook.com/CPSwaziland/

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