sáb abr 20, 2024
sábado, abril 20, 2024

Chile| Uma necessidade estratégica: a unidade entre a classe operária e os setores populares

Uma das principais características do processo aberto em 18 de outubro de 2019 é ter sido uma explosão espontânea, por fora das direções de sindicatos, dos partidos políticos tradicionais incluindo o Partido Comunista e a Frente Ampla, de fato foi uma explosão contra eles também, nesse sentido foi progressivo.

Por: Camila Ruz

Os protestos nos territórios e nas praças centrais das cidades duraram meses. Entretanto, o fator espontâneo permanente tem seus limites que se voltam contra a classe trabalhadora mobilizada, já que só pode levar a facilitar o reordenamento dos de cima, para impor seus projetos diante da crise deste sistema capitalista.

Assim, hoje vemos que os mesmos de sempre se mostram como saídas alternativas para os males deste sistema. Uma novidade é que Jadue esteja se candidatando, muitos trabalhadores podem ter ilusões no candidato do Partido Comunista (PC) com um bombástico discurso “pró-povo” para um futuro governo. Entretanto, não podemos esquecer que o PC defendeu a reforma trabalhista de Bachelet que manteve os pilares centrais do código trabalhista da ditadura de Pinochet, como a negação do direito de organização ou de greve nos locais de trabalho. O PC tem sido o apoio pela esquerda deste sistema de exploração. Por outro lado, para a Constituinte, se candidatam em sua grande maioria os mesmos dos 30 anos, e sim, há novos independentes, um exemplo é o fenômeno da Lista do Povo, mas a grande maioria desses independentes que são candidatos acreditam que ao escrever nossos direitos em uma constituição, nossos problemas serão resolvidos, e não é bem assim.

Então, como é que depois desse 18 de Outubro voltamos a esta situação onde os de cima continuam a ter a faca e o queijo na mão? Acreditamos que para avaliar isso, devemos estudar os diferentes momentos deste processo revolucionário e analisar os fatos mais importantes e suas debilidades.

Do 18 de outubro e dos limites

Após a explosão de 18 de outubro Piñera declarou guerra e colocou os militares nas ruas, o povo trabalhador em repúdio e exigindo que os milicos voltassem aos seus quartéis empreendeu uma massiva mobilização em 25 de outubro, conseguimos que os milicos voltassem aos seus quartéis, porém a repressão não parou sob as mãos das forças especiais de carabineiros. A raiva e a luta continuavam se acumulando a partir de baixo e já havia muitos trabalhadores que questionavam: onde estão os operários da mineração agora? Por que não paralisam? Isto foi terreno fértil para acadêmicos e setores reformistas como a Frente Ampla que falam do fim da classe operária e que hoje só existe “o movimento”, “cidadania”, “setores sociais”. Entretanto, muitos operários da mineração e operários em geral participaram do protesto, porém dispersos na massa, nos bairros houve disparos com balas contra filhas pequenas, houve operários assassinados como foi o caso de Cristian Valdebenito.

Foi pela desconfiança aos sindicatos que a maioria dos trabalhadores não se organizaram, além disso as direções sindicais pró-empresariais negaram-se a preparar a luta a partir dos locais de trabalho. Uma das exceções importantes foram os portuários, que desde o início foram um exemplo a seguir para a classe operária.

Por outro lado, além da concentração em praças centrais das cidades (como a Plaza Dignidad em Santiago), a organização territorial se desenvolveu através de assembleias e brigadas, compostas por setores populares: trabalhadores em geral, vendedores ambulantes, profissionais precarizados, juventude, desempregados, e com alguma participação de operários industriais. Estas assembleias foram importantes para discutir como continuar a luta, as demandas e em alguns casos para organizar a autodefesa. Seu ponto culminante foi quando se centralizaram na CAT (Coordenação de Assembleias Territoriais), porém uma das debilidades centrais foi a falta de coordenação com o movimento operário organizado, se ali os operários participavam, estavam dispersos entre todos os ativistas.

Entretanto, essa negação de vínculo do mundo “popular” territorial com a classe operária não foi casual. Por um lado, foi uma política consciente das organizações reformistas que estavam nas assembleias territoriais (como a Frente Ampla, setores acadêmicos, etc), pois sufocam a potência revolucionária do movimento operário organizado; por outro lado, foi devido à inexperiência daqueles que lutavam na revolução.

A direção da CAT chegou ao máximo de propor como saída final à crise, a necessidade de “uma assembleia constituinte dos de baixo”, falando do “poder constituinte”, como se tudo se resolvesse se aquelas assembleias territoriais escrevessem uma nova constituição, e de alguma forma com um papel redigido mudasse a realidade. Isso significa desconhecer que o grande empresariado se negaria às mudanças, e para isso utilizaria uma brutal repressão novamente, frente a que precisaríamos de um povo trabalhador armado, apoiando-se em batalhões importantes da classe operária, com o fim de defender-se.

Isso se desenvolveu assim, até que a raiva se acumulou tanto que o Partido Comunista na direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Unidade Social se rearmou para tentar controlar o processo, foi assim que se viu pressionado a convocar uma Greve geral para 12 de novembro. O 12 de novembro foi o auge do processo revolucionário, El Mercurio o catalogou como “o dia mais violento” desde o 18 de outubro. A burguesia estremeceu, pois foi paralisada parte da produção de riquezas que enche seus bolsos, e foi assim que seus representantes políticos se reuniram para tentar dar uma saída pactuada à crise: desde a Frente Ampla até a UDI se reuniram em 15 de novembro e pactuaram o Acordo pela Paz e a nova Constituição.  O Partido Comunista não assinou o acordo principalmente porque se aborreceram ao não serem convidados desde o início para as negociações, do contrario talvez teria sido outra história, segundo as palavras de Tellier: “No momento em que nos convidaram, as decisões já estavam tomadas, e quando perguntamos se podíamos incidir em mudar isto ou aquilo que temos dúvidas, nos disseram não, está resolvido” ¹, a partir daí acrescentaram uma série de críticas ao conteúdo do Acordo.

Depois do 12 de novembro não houve por parte do PC no comando da CUT e seus sindicatos, uma iniciativa para aprofundar o processo revolucionário através da incorporação organizada da classe operária, pelo contrario: sua aposta foi desviar a mobilização com o Acordo pela Paz. O que teria acontecido se a luta travada em 12 de novembro tivesse se aprofundado, se houvesse mais dias de paralisação com protestos combativos nas ruas? Se nesse marco, a Unidade Social, ao invés de retirar a demanda, mantivesse como principal a luta por fazer Piñera cair do governo? Provavelmente não apenas os de cima teriam sido encurralados para ceder a um processo constituinte que não queriam, como talvez tivéssemos desenvolvido a força para fazer Piñera cair e realizar outras tarefas. Mas nem o PC, nem a FA e muito menos os outros partidos dos 30 anos quiseram esse caminho, pelo contrario: tentaram acalmar os ânimos como o fazem novamente apostando em uma Acusação Constitucional contra Piñera, que obviamente não foi e nem será aprovada no parlamento.

Assim, com a política do Acordo pela Paz promovida pelos de cima, o movimento se enfraqueceu, embora continuasse nas ruas houve muita confusão: em um primeiro momento, houve um amplo rechaço ao Acordo pela Paz, foi assinado de maneira criminosa um dia depois de Abel Acuña ser assassinado, era a paz silenciosa e criminosa da morte para nossa classe; porém depois não se sabia o que fazer frente ao processo constituinte, a vanguarda mais desconfiada se separou da massa que teve – e tem – ilusões neste processo trapaceiro.

Frente ao processo constituinte, alguns setores continuavam a promover uma Assembleia Constituinte (AC) dos de baixo (como a direção da CAT e outras assembleias), mas a realidade os atingiu de frente porque não foi efetuada, devido a burguesia e o reformismo se reorganizarem e imporem a Convenção Constitucional; outros apenas diziam que não tinha que participar porque era uma armadilha. Entretanto, uma importante maioria assumiu que não tem que ter confiança no Acordo, mas tem que ser disputado porque “a Constituição de Pinochet pode ser derrubada”.  E, por outro lado, há aqueles de nós que sabemos que nada profundo se pode obter deste Processo, enquanto a burguesia continuar no poder, mas que apostamos em participar dele para promover um programa revolucionário e socialista diante das massas trabalhadoras, tentar evitar que essa política burguesa de dividir a massa trabalhadora da vanguarda seja tão fácil, e para não deixar o caminho livre para a Frente Ampla, o PC e os mesmos de sempre.

A importância da classe operária e a necessidade de reivindicar sua existência

Apesar da confusão, a revolução não terminou, e continua sendo necessário localizar o papel da classe operária neste processo. Depois da pandemia, vimos protestos contra a fome, faltavam alimentos. O que teria acontecido se os operários da indústria alimentícia, como os que trabalham na Ariztía, Agrosuper, operários agrícolas, operários da Carozzi e outras marcas, tivessem deixado parte do que eles produzem para as famílias que passavam fome? O que aconteceria se eles controlassem democraticamente o que produzem sem patrões? Obviamente não teríamos que mendigar de tempos em tempos por bônus ou cestas de alimentação.

Mencionamos o 12 de novembro, mas também podemos falar apenas da ameaça de paralisação de setores operários diante da discussão da terceira retirada de 10% das AFPs: Piñera teve que ceder e promulgar o projeto inicial da terceira retirada frente à recusa do Tribunal Constitucional. Esse é um exemplo a mais da importância da classe operária.

Sem a classe operária que produz riquezas, o país simplesmente não se move, a burguesia não tem sentido de existência. O Chile ao ser um país que baseia sua economia na exportação de matérias primas –protegendo essa dependência nos Tratados de Livre Comércio – , tem setores chave como a mineração e os portuários. Então os setores que negam a existência da classe operária tem um só objetivo: sufocar seu potencial revolucionário que começamos a ver no 12 de novembro, mas que também vimos anos atrás com os cordões industriais durante a Unidade Popular (UP).

Ao contrário daqueles que enterram a classe operária, vemos que na realidade a nível internacional ela inclusive aumentou numericamente, o que ocorreu foi uma mudança de sua localização no mundo após a “globalização”.

  • Países onde a classe operária diminuiu
País 1970 2010
EUA 18.2 milhões 12.7 milhões
Alemanha 8.2 milhões 6.2 milhões
França 5.2 milhões 2.9 milhões
Japão 10.9 milhões 7.3 milhões
  • Países onde a classe operária aumentou
País 1970 2010
China 14.2 milhões 68.8 milhões
Índia 4.7 milhões 11.8 milhões
Bangladesh 0.2 milhões 5.1 milhões
Vietnã 0.04 milhões 4.4 milhões

Se com isso não fica evidente, podemos dizer que o número de operários industriais no mundo aumentou de 140 milhões em 1970 para 470 milhões em 2009 (16% dos trabalhadores de todo o mundo), chegando a mais de 500 milhões em 2013, e a mais de 700 milhões em 2016².

Além disso, apesar da redução do proletariado industrial em alguns países, este continua tendo um peso social superior ao do proletariado russo que dirigiu a revolução que colocou a classe operária no poder em 1917: naquela época, os operários industriais russos eram três milhões em uma população total de 150 milhões (2%). O mesmo cálculo para os países imperialistas em 2010 dá 4% nos Estados Unidos; 7% na Alemanha; 4,4% na França, 5,7% no Japão³.

No Chile, a classe operária industrial tem seu maior peso na mineração, já que grande parte das exportações são de cobre. Para dados de 2020, no Chile encontramos os seguintes dados da classe operária segundo a Pesquisa Nacional de Emprego do INE, o trimestre de fevereiro-abril 2020:

Setor 2020
Mineração e pedreiras 224 mil
Construção 680 mil
Manufatura 800 mil
Florestais 130 mil
Salmoneiras 130 mil
Atividades de silvicultura, agropecuárias e pesca 600 mil

Ou seja, para 2020 temos 2.564.000 operários vinculados aos trabalhos anteriores.

Porém, se tomarmos como referência um estudo publicado pelo Centro de Estudos Miguel Enríquez, que se baseou em dados da Direção Geral de Estatística e Indústria, poderíamos chegar à conclusão de que em termos absolutos, o proletariado industrial vem aumentado numericamente: em 1949 havia 389.700 operários; em 1960, 406.000 operários; e, em 1965, 509.000 operários. Em meados da década de 1960, o proletariado da mineração era composto por 15.974 em cobre, 12.778 em carvão, 10.072 em salitre, 2.974 em ferro, 1.413 em petróleo, ou seja um total de 43.211 trabalhadores⁴.  Ou seja, no ano de 1965 tínhamos 509.000 operários e em 2020 temos em torno de 2 milhões! E os trabalhadores da mineração aumentaram de 43 mil para 200 mil. Pode ser que a nível percentual representem mais ou menos em relação ao conjunto da classe trabalhadora se a compararmos com os anos 60, mas o que fica evidente é que a classe operária está longe de estar morta ou desaparecida. O que ocorre é que por um lado, houve uma mudança pois alguns ramos da produção como os têxteis quase desapareceram, mas começaram a surgir novos, como a mineração do cobre. Porém mais importante do que isso, ocorre que a classe está menos organizada e com vínculos mais frágeis por toda a destruição que a ditadura deixou, pela política sindical antidemocrática e pró-patronal que partidos como o Comunista e da ex Concertación -além da direita –tiveram, e porque, além disso, estes partidos e acadêmicos pequeno burgueses ou de classes médias, fazem discursos que hoje só existe cidadania como dissemos anteriormente. É uma política totalmente consciente, do empresariado e dos partidos reformistas colocar a classe operária como morta!  Mas a realidade grita para esses acadêmicos, pequeno burgueses, acomodados e à grande burguesia que a classe operária continua mais viva do que nunca! Falta uma organização política revolucionária construída na classe operária que coloque esta mensagem em alta voz, que grite esta realidade e organize o proletariado industrial sob um programa revolucionário .

Porém, além de deixar evidente que a classe operária industrial no Chile continua mais do que viva ,há setores importantes que cresceram quantitativamente, como os trabalhadores do comércio com 1.5 milhão de pessoas, e há outro milhão e meio com trabalhadores informais fora do setor assalariado (“independentes”) ⁵. Este último setor cresceu depois das crises econômicas de 2008 e pandemia, são parte do “exército industrial de reserva” ou dito de outra forma, trabalhadores desempregados forçados a trabalhar de maneira independente seja por demissão ou por negarem-se às más condições de assalariado.

Então, se a classe operária tem um papel importante e continua viva, por que parece estar ausente? Já mencionamos o papel do reformismo como a Frente Ampla ou o PC que o dissolve em discursos de “cidadania” ou mundo “popular”, e o papel da ditadura. Porém vejamos alguns elementos de como foi conscientemente preparado pelo grande empresariado.

O Código Trabalhista de José Piñera, vigente até nossos dias, garantiu a fragmentação do movimento operário e a repressão de sua organização, em suas próprias palavras José Piñera indicava “a nova legislação trabalhista obstrui as pretensões do esquema marxista da luta de classes…a divisão que sugere é a divisão vertical, que separa uma empresa da outra, incentivando-as a competir entre si….”⁶;inclusive o sistema de AFP foi criado com a lógica de debilitar o movimento operário ideologicamente: “a caderneta individual (de poupança na AFP) pulverizou o gatilho da luta de classes como arma política”…O sistema de aposentadorias “faz de cada trabalhador um proprietário”, e nesse cenário “como os trabalhadores poderiam ser levados para paralisações ilegais ou outras ações que prejudiquem as empresas quando suas aposentadorias dependem da saúde dessas mesmas empresas e da economia em geral?”⁷.

O modelo anterior pode ser imposto graças aos milhares de assassinatos, detenções e torturas contra a vanguarda operária dos anos 70.

Toda esta fragmentação e destruição do movimento operário, foi aprofundada pela ex Concertación e inclusive ultimamente pelo Partido Comunista que, sendo parte do governo de Bachelet, impuseram uma nova reforma trabalhista que enfraquece o direito à greve com os serviços mínimos. Mas o papel do Partido Comunista não se limitou a isso, foi mais além: nos sindicatos importantes impôs a ideia do pacto e colaboração com os patrões, a democracia operária a fez inexistente (sem assembleias ou decisões democráticas), os dirigentes sindicais do PC como os demais, eram só burocratas afastados das bases, Bárbara Figueroa é um bom exemplo.

Porém não é só a burguesia e o reformismo do PC e FA que querem sufocar a classe operária na obscuridade , há setores que se reivindicam revolucionários, inclusive com métodos ultra esquerdistas, que não necessariamente estão organizados em partidos, porém são ativistas e lutadores, que entretanto depreciam a classe operária, se incomodam quando não lutam, e caem em um discurso moralista de “somos os únicos que lutamos, o resto não”, “não podemos esperar o pacifismo do movimento operário”, etc. Esta é uma atitude afastada da classe, pode ser pequeno burguesa ou simplesmente acomodada que se cansa rapidamente de fazer esse trabalho sistemático e estratégico dentro da classe operária, Lenin se referia a alguns deles como a pequena burguesia radicalizada. Estes setores por mais que montem milhares de barricadas e por mais enfrentamentos permanentes que façam com a polícia sem estratégia clara, não conseguirão por si só dirigir a fundo um processo revolucionário de massas que consiga derrotar o capitalismo e instaurar a tomada do poder por parte da classe trabalhadora de forma democrática.

Entretanto, apesar da política da burguesia, do reformismo e outros setores, a classe operária tem demonstrado ser uma ameaça para o empresariado: as greves ilegais aumentaram desde 2006-2007; no 12 de novembro mostraram seu potencial e recentemente após o fato de que Piñera levou ao Tribunal Constitucional a terceira retirada das AFP, o movimento operário começando com protestos e ameaças, fizeram o governo retroceder, demonstrando àqueles que a dão por morta, que a classe operária continua totalmente viva, por mais que a queiram enterrar.

Os partidos, a ideologia e os sindicatos: fatores que não se separam

Algumas das consequências da ditadura e das direções sindicais pró-patronais para a organização sindical são: enfraquecimento dos sindicatos onde vemos números como o de 2019 a taxa de sindicalização foi de 20.9% [no setor privado], pois muitas empresas proíbem a sindicalização; a maioria das empresas (93.7%) não tem sindicatos; e portanto a cobertura da negociação coletiva é de 8.1% dos trabalhadores do setor privado⁸. Por isso hoje, quando falamos do mundo sindical, devemos saber que estamos falando da minoria da classe operária, embora esses números nem sempre foram tão baixos.

Os sindicatos surgiram após mutuais e mancomunais como formas de organização e defesa coletiva da classe operária frente à patronal. Entretanto, o papel em geral dos sindicatos se limita a regularizar os salários (pedir aumentos) e resistir contra o capital, não é acabar com a sociedade de classes, com a sociedade capitalista.

Diariamente nos permeamos com a ideologia do empresariado através de sua imprensa, suas instituições, e também no movimento operário há agentes da burguesia, organizações reformistas ou diretamente de direita que discursam sobre “apoliticismo” deixando a consciência do movimento operário nas mãos dessa permanente ideologia empresarial que se recebe todos os dias, que promove discursos individualistas, de que a realidade sempre teve ricos e pobres e que a vida é assim e não pode ser mudada, etc. O apoloticismo ou neutralidade nos sindicatos não é algo novo nem é apenas no Chile, é uma ideia que o empresariado e o reformismo a nível internacional difundem desde há muitos anos. Por exemplo, em inícios do século 20, os dirigentes da Associação Sindical de Amsterdam reivindicavam o apoliticismo como sua política de pacto com o empresariado, evidente, se a Associação estava dirigida pelas organizações políticas das Internacionais 2 e 2½, que durante a primeira guerra mundial apoiaram seus governos empresariais nacionais ao invés de promover a solidariedade e internacionalismo proletário contra a guerra e a matança dos governos empresariais , então de qual neutralidade falam? , da neutralidade que favorece o patrão.

E a serviço dessa colaboração de classes, anulam a democracia operária. A CUT dirigida pelo Partido Comunista, durante a Unidade Popular (UP) ficou à margem do desenvolvimento dos cordões industriais, inclusive agindo como freio para o movimento operário que queria passar para a ofensiva e questionava a postura de Allende e da UP que era de pacto com o empresariado e futuros golpistas. Depois da ditadura, a CUT passou a ser dirigida pela Democracia Cristã, que levou a cabo perfeitamente o plano destrutivo para o movimento operário. Há pouco o PC a recuperou, com Bárbara Figueroa, e embora se mostre como defensora dos trabalhadores, continuamos vendo como negocia salários miseráveis com os governos nas costas dos trabalhadores e como sendo parte do governo de Bachelet fez parte de todos seus ataques à classe trabalhadora.

Portanto, embora os trabalhadores sindicalizados sejam minoria, são o setor mais organizado e não importa quem dirige o movimento sindical, a disputa revolucionária nos sindicatos é importante, temos que lutar para recuperá-los dessa burocracia pró-empresarial. Os trabalhadores que levantaram a cabeça em 12N e os portuários recentemente, puderam fazê-lo mais facilmente porque estavam organizados em sindicatos, então não é algo secundário. Porém devemos também buscar novas formas de organização para essa grande maioria do movimento operário que ainda não pode se sindicalizar por causa dos fatores mencionados anteriormente e pela terceirização do trabalho, e que essas novas formas sejam complementares ou em perspectiva de uma organização mais fixa dos trabalhadores.

Essas novas formas complementares devem ser pensadas com a realidade atual. A classe operária sabe que nas fábricas não existe democracia, é onde fica mais evidente a ditadura do capital. Muitos operários/as tem medo de se organizarem nos trabalhos porque isso pode implicar diretamente em demissões ou perseguição. Se chegam a realizar assembléias, às vezes não intervém pelo medo dos “dedo-duros”. Nesse sentido seria uma opção avançar a partir de grupos clandestinos de operários organizadoscomitês de luta, que distribuam anonimamente – se for necessário – panfletos ou material político, os clubes de futebol, grupos de cultura, etc, podem também ajudar como organizações para discutir com os companheiros de trabalho, mas talvez não necessariamente dentro do próprio local de trabalho. A tarefa é começar a gerar condições e ir ganhando confiança para que os operários de uma mesma empresa não apenas falem de política de vez em quando às escondidas ou no almoço, mas que se organizem e compreendam que seu papel paralisando a produção é chave na luta social.

Por que a classe operária deve dirigir a revolução em aliança com os territórios e não se contentar com os 10%?

Hoje muitos operários podem se perguntar: por que eu devo lutar e estar na liderança de uma revolução?, não basta apenas lutar nas negociações coletivas ou pelas retiradas das AFPs? A verdade é que, após o 18 de outubro, ao invés da qualidade de vida da classe trabalhadora ir melhorando em geral, esta foi piorando. A pandemia como fenômeno mundial deixou em evidência que a nossa vida não importa aos grandes empresários, apenas seus negócios, deixaram milhões de mortos para… salvar seus negócios que mantém à custa do suor e contágio de milhares e milhares de operários e trabalhadores em geral! É correto naturalizar viver em uma sociedade assim? É isso o que queremos para nossos filhos? As conquistas com bônus e retiradas (das AFPs, ndt.), asseguram uma vida e saúde para o futuro de nossos filhos e famílias, ou inclusive um futuro para nós mesmos? Evidentemente que não, e se concordamos com isto, agora temos que ver porque a classe operária deve não apenas participar, mas deve estar na liderança da revolução.

Já vimos que a luta e a organização territorial através de assembléias foram chave para manter a revolução viva. As assembléias territoriais puderam servir para discutir nossas exigências e em alguns casos, mecanismos de autodefesa contra a repressão. Houve um momento em que uma consigna começou a aparecer: todo o poder às assembleias territoriais, entretanto, não puderam desenvolver mais como organismos de poder alternativo frente às instituições como o parlamento, por um lado, pela inexperiência dos lutadores e pelo outro, por todas as travas mencionadas anteriormente que o reformismo colocou, incluindo o Acordo pela Paz.

Vincular o movimento operário organizado (e não disperso) às assembleias territoriais, foi um dos aspectos importantes para tê-las desenvolvido como instâncias de auto-organização da classe trabalhadora. Por exemplo, para garantir a autodefesa não teria sido melhor ter batalhões do movimento operário com suas gruas para armar barricadas? Ou que os mesmos trabalhadores bloqueassem a entrada de armamento repressivo que viesse do exterior como uma vez os portuários ameaçaram?, ou ao invés de bloqueá-lo, facilitá-lo, não para o governo mas para a defesa do campo da revolução? Não teria sido superior que os trabalhadores da mineração que produzem “o salário do Chile” (ou melhor dizendo, produzem para que o grande empresariado nos roube) paralisassem completamente a produção por vários dias para encurralar a burguesia?

Então é fundamental que avancemos na perspectiva de unificar a luta territorial com a do movimento operário organizado, um bom exemplo no Chile é a coordenação que houve entre as Juntas de Abastecimentos e Preços e os cordões industriais durante a Unidade Popular, as primeiras distribuíam a alimentação e produtos para a população, quando a burguesia impôs o mercado negro, e os operários produziam esses alimentos para a produção. Foi uma coordenação sem patrões, o movimento operário, a classe trabalhadora e os moradores em geral demonstraram que com sua auto-organização bastava.

Entretanto, esse exemplo dos cordões industriais e as JAP não pode se desenvolver mais, assim como a experiência de 12 de novembro de 2019 não pode se desenvolver mais também. Isto tem a ver com o fato de que encontraram um freio nos partidos de sempre: do PC (agora se junta a FA) até os mais experientes no regime.

Por isso não é secundário, não é prescindível, construir uma organização ou direção revolucionária no Chile – e no mundo- que enfatize a importância e se construa no seio da classe operária para promover a unidade desta com os setores territoriais, e assim ser capaz de levar a experiência do 12N mais além, no sentido de acabar com o poder empresarial que nos explora e oprime e impor o poder da maioria trabalhadora através de uma revolução socialista.

Somente o surgimento de uma organização revolucionária poderá aprofundar essa tarefa de unidade, mas não simplesmente pela “unidade”, mas uma unidade que promova a luta para acabar não só com Piñera como com todos os governos empresariais do Chile e do mundo. Uma organização que seja honesta e não defenda ditaduras capitalistas como a da China e Venezuela, que enchem a boca falando de socialismo e comunismo, mas só significaram mais exploração e fome para a classe trabalhadora, uma organização revolucionária que à diferença do PC ou da Frente Ampla, combata esses governos capitalistas desses países e não cale as atrocidades só porque recebem dinheiro deles. Uma organização revolucionária que retome as bandeiras do socialismo e comunismo que têm sido sujadas por esses governos populistas que se dizem de esquerda.

Diante da destruição que todos os grandes partidos impuseram ao movimento operário e popular, é totalmente de primeira ordem a tarefa de reconstruir um partido ou organização que de forma disciplinada tente reconstruir essa organização operário popular com um programa revolucionário, que seja nítido em colocar no centro do debate a questão do poder: enquanto a classe trabalhadora não tomar o poder, ou seja, enquanto não construir sua própria autodefesa em armas e dirigir um aparato estatal da classe operária, será muito difícil emancipar a maioria da humanidade, já que o punhado de parasitas dos empresários continuariam no poder. Um poder da classe operária que esteja a serviço de recuperar o que por mais de 30 anos nos roubaram os Luksic, Piñera, Matte, etc. e as transnacionais, mediante a expropriação de todas suas empresas sob controle operário e popular. Um poder operário e popular que esteja a serviço de devolver as terras ao povo mapuche, expropriando as empresas florestais, e que garanta uma reforma agrária. Um poder que ponha sobre a mesa o fim das opressões de gênero, raça, ou o que for. Um poder que tenha como objetivo eliminar a divisão da sociedade em classes, onde todos trabalhem e ninguém viva parasitariamente à custa de outros seres humanos. Um poder que, se alcançar seu objetivo, terá que ir desaparecendo com o tempo, pois a sociedade poderia ir se desenvolvendo harmonicamente.

Conseguir isso é muito difícil, porém mais angustiante é pensar que teremos que viver para sempre sob este sistema capitalista de miséria e fome. Por isso urge a construção dessa organização, que tome as lições das revoluções anteriores – como a russa de 1917 e as do século XX em geral – e as atuais, para descobrir o caminho que nos leve ao triunfo, uma organização que, para tal objetivo tão grande, precisa ser disciplinada, audaz e combativa, que retome as experiências da 1a, 2a, 3a e 4a internacionais do movimento operário.

Internacionalismo proletário, para organizar a revolução socialista

Ora, um processo de luta não tem limites nacionais, qualquer revolução que avance pode ser freada por países imperialistas como os EUA, no Chile também temos a burguesia chinesa como inimiga direta, já que, se as minas de cobre pararem, o empresariado chinês frearia sua importação, assim que poderíamos receber ataques do empresariado ianque ou chinês.

É por isso que o internacionalismo proletário é muito importante para resistir, e fazer avançar para que a revolução seja mundial. Há dois exemplos chilenos muito importantes: 1) Em julho de 1977 os trabalhadores da extinta Bazán, hoje Navantia (sociedade pública espanhola dedicada à construção naval civil e militar), negaram-se a reparar um barco da Armada chilena, o barco escola da ditadura de Augusto Pinochet tinha colidido no porto israelense de Haifa e os trabalhadores se opuseram ao seu desembarque e se negaram a repará-lo, embora não fossem momentos fáceis, a inflação naqueles anos superava os 40% ao ano e a taxa de desemprego começava a aumentar. Entretanto, a solidariedade internacional prevaleceu e os operários chamaram um boicote contra o barco escola Esmeralda, um barco, disseram, que “foi uma câmara de tortura usada pelo ditador Pinochet”.; 2) outro exemplo é muito mais recente, diante da política de Piñera de levar a terceira retirada das AFP ao TC, o Conselho Internacional de Estivadores anunciaram fazer um bloqueio mundial das cargas que viessem do Chile, em solidariedade à classe trabalhadora chilena e aos presos políticos.

O que aconteceria se estas ações se multiplicassem? O que aconteceria se avançássemos em construir uma organização revolucionária da classe operária e setores populares a nível internacional que incentivasse estas medidas, não apenas para resistir frente aos ataques, mas para avançar em organizar a revolução socialista internacional? Nos colocamos à disposição dessa tarefa como MIT e LIT-QI, que estamos por reconstruir a 4ª.Internacional fundada por Trotsky – um dos dirigentes da revolução russa de 1917 – , e acreditamos que todos os lutadores devem construir esse projeto conosco, todos temos muito a contribuir para esta tarefa. É hora de varrer todos os projetos dos partidos reformistas e burgueses que sufocam e dão o movimento operário como morto, e que, com sua aposta utópica de humanizar o capitalismo, continuam sendo por décadas cúmplices da miséria e barbárie deste sistema capitalista.

Referências

  1. “Após histórica ausência de acordo pela nova constituição, o presidente do PC explica a posição do partido”, La Tercera. <https://www.latercera.com/politica/noticia/guillermo-teillier-presidente-del-pc-acuerdo-nueva-constitucion-habria-re-facil-ir-aparecer-la-foto/902342/>
  2. Dados de Industrial Development Report 2013, UNIDO, ONU, publicado na revista MARXISMO VIVO N°9–NUEVA ÉPOCA, no dossiê Marxismo e Proletariado, por Eduardo Almeida Neto ‐ Brasil
  3. MARXISMO VIVO N°9–NUEVA ÉPOCA, no dossiê Marxismo e Proletariado, por Eduardo Almeida Neto ‐ Brasil
  4. Dados de um estudo de CEME, Centro de Estudios Miguel Enriquez, pág 43-44 <https://www.archivochile.com/Historia_de_Chile/trab_gen/HCHtrabgen0009.pdf>
  5. Dados de Pesquisa Nacional de Emprego INE, 2020
  6. José Piñera, la revolución laboral en Chile, 1990, citado no livro “la rebelión en el oasis”, de ideas socialistas y la izquierda diario.
  7. José Piñera, el cascabel del gato: la batalla por la reforma previsional, citado no livro Poderoso Caballero de Daniel Matamala.
  8. Pesquisa trabalhista Encla

*Com contribuições de Benjamín Pailahueque e Carlos “Warelo” Reyes, além do grupo de edição

Tradução: Lilian Enck

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