#25N| Violência discriminatória contra mulheres lésbicas, bissexuais, travestis ou trans
Hoje a situação de pandemia e crise econômica expõe a dura realidade em que vivem mulheres lésbicas, bissexuais, travestis e trans em nosso país e no mundo. E como, apesar dos discursos “progressistas” do governo e da implementação de algumas medidas mais do que insuficientes, a violência se intensifica a cada dia. Mas, infelizmente, a violação dos direitos humanos, as deficiências e a falta de políticas públicas no setor não são novidade para nós.
Por: Secretaria da Mulher-PSTU – Argentina
O que a pandemia deixou
Mulheres lésbicas ou bissexuais sofrem violências específicas dentro da sociedade, uma combinação de machismo e homofobia que se expressa de várias formas, desde a dificuldade de encontrar trabalho ou rejeição no ambiente familiar, até suas formas mais cruéis, nos índices de assassinatos motivados pelo ódio.
A violência institucional contra esse grupo continua sendo lugar-comum. Lembremos que em 2017 uma jovem lésbica foi presa pela Polícia da Cidade Autônoma de Buenos Aires por beijar sua companheira na rua. A justiça machista e burguesa condenou-a em 2019 a um ano de prisão em suspenso[1].
Apesar disso, poderíamos dizer que o setor mais afetado e vulnerável diante da pandemia são as mulheres trans, pois infelizmente mais de 60% ainda têm que praticar a prostituição como forma de trabalho. Uma razão importante é que metade não consegue terminar a escola, em grande parte por causa da discriminação a que são submetidas. Isso mostra a importância de aplicar e ampliar a Lei de Educação Sexual Integral (ESI), não só porque a educação sexual faz parte de uma educação de qualidade que é um direito de todos/as, mas porque para mulheres trans, travas, lésbicas ou bissexuais é vital para evitar passar a infância e a adolescência excluídas.
Além disso, de acordo com relatório realizado em 2014, apenas 18% tiveram acesso a emprego formal e menos de 10% têm serviço social. Situação que se agravou em 2020. As companheiras que recebem renda por trabalho diário não a mantêm mais e não têm o que comer. Milhares estão em situação de emergência habitacional: de acordo com a Pesquisa Nacional de Aluguéis do mês de maio, 85% não podiam pagar o aluguel e 57% não tinham renda. Por isso, muitas tiveram que voltar às ruas ou foram forçadas a ocupar terras, sofrendo repressão governamental e todo tipo de violência.
De acordo com o INDEC, 83% das pessoas trans foram vítimas de atos de violência grave e discriminação policial. O presidente da Associação Argentina de Travestis Transexuais Transgêneros (ATTTA) disse: “Há lugares onde a pandemia também intensificou a violência. A polícia saiu para nos caçar. Cada vez que veem uma mulher trans, pedem um documento, violentam, insultam. Sempre há muita ameaça de que vão fazer tua ficha”.
De acordo com dados divulgados pelo Observatório “Mulheres, Dissidências, Direitos” (MuMaLa), até o momento, em 2020, foram registrados pelo menos cem atos de violência contra a diversidade sexual no país, dos quais quatro terminaram em morte das pessoas atacadas. Entre esses atos de violência, contaram que cinquenta e seis foram ataques de ódio, houve quatro crimes de ódio (homicídios) e quarenta se qualificam como travesticidas sociais, ou seja, mortes prematuras e evitáveis em decorrência de uma cadeia de exclusões sistemáticas (expulsão de seus domicílios, a dificuldade de acesso ao sistema de saúde, educação, trabalho, entre outros) que resultam em uma expectativa de vida de apenas 35 anos para as pessoas trans na Argentina.
Em relação às vítimas das agressões, foram em sua maioria travestis e mulheres trans (48%), seguidas de gays (31%), lésbicas (12%), homens trans (5%) e não binários (2%). A maioria das mortes de pessoas trans, não apenas transvesticídios ou transfemicídios, são crimes de ódio porque são o resultado de uma negligência estrutural do Estado. Não é atual ou conjuntural, mas tem a ver com décadas de exploração, exclusão, marginalização, violência e discriminação.
Em termos de saúde, as mulheres trans estão mais expostas aos contágios, muitas até têm HIV, então são um grupo de risco e a maioria não tem casa nem salário, muito menos assistência social para ficarem isoladas, sem falar em outras doenças que possuem devido à sua condição de vulnerabilidade.
O papel que as direções estão cumprindo
Infelizmente, muitas das direções das organizações do coletivo, hoje, priorizam seu apoio ao Governo. Também integraram secretarias de Governo em algumas partes do país e se propõem a realizar debates e demandas de dentro, deixando as ruas vazias, pedindo confiança de que a solução virá do ponto de vista democrático, das instituições. Até a Marcha do Orgulho foi realizada virtualmente com mais de 10.000 pessoas.
Dizemos que todos os direitos conquistados no setor foram graças à luta nas ruas e temos a convicção de que este é o lugar que devemos ocupar, principalmente hoje em que as mulheres vivem uma situação tão crítica.
As medidas governamentais são insuficientes
Uma medida do Governo na pandemia foi um programa que concedeu às travestis e mulheres trans um valor de R $ 8.500 (50% do salário vital e móvel), valor inferior ao IFE, bem abaixo da linha da pobreza e que também deixou muitas fora, em muitos casos sem nenhuma renda.
No que diz respeito à crise habitacional, como dissemos anteriormente, houve muitos despejos em tempos de pandemia. O decreto nacional que suspende os despejos de inquilinos por falta de pagamento inclui hotéis e pensões. A maioria das travestis e trans que residem nesses locais, paga diariamente e sem contrato, o que as deixa expostas a extorsões e ameaças dos proprietários que violam o decreto. De acordo com o relatório, foram registrados centenas de casos em que foram jogadas na rua por não poderem continuar pagando. Um dos casos mais difundidos foi no bairro de Balvanera, em Buenos Aires: o dono do Hotel Saavedra ameaçou despejar oito travestis que moravam lá. Mas não temos conhecimento de uma única multa ou sanção para os proprietários de hotéis e residências por não respeitarem o decreto que prevê o não pagamento dos aluguéis em razão da crise e, em muitos casos, aumentam os mesmos.
No que se refere à Cota de Trabalho Trans, o Decreto estabelece que “os cargos [no setor público] devem ser preenchidos na proporção não inferior a 1% por travestis, transexuais e transgêneros que reúnam as condições de habilitação para o cargo”. Além disso, acrescenta que, se os candidatos a esses empregos não tiverem concluído a escola, poderão estudar até a conclusão.
No entanto, nada diz sobre como eles terão garantia de permanência no trabalho ou como garantirão a continuidade educacional ou como terão acesso a saúde ou moradia. Também não contempla a possibilidade de bolsas, treinamentos nem fazem exigências ao setor privado, como fazem alguns projetos que tramitam no Congresso.
Como no caso dos decretos contra as demissões, o principal problema é como fazer com que isso seja cumprido. Com que mecanismos o Governo o controla? Nenhum. Isso significa que, embora haja avanços nas leis, as pessoas trans continuam sendo vítimas de discriminação e de todas as violências já mencionadas.
Por isso, não basta uma lei, muito menos uma que regule apenas um aspecto da vida. O problema é muito mais profundo.
Precisamos de soluções básicas
Dizemos que as medidas são insuficientes porque são medidas momentâneas e não de fundo, não há como resolver o problema da desigualdade, exclusão, marginalização, discriminação e violência para a comunidade LGBT se um plano de ação integral não for desenvolvido e implementado, além de aplicar as leis existentes.
Sabemos que não se constrói só com boas ideias, é preciso ter um orçamento. Para isso, o Governo deve deixar de pagar a dívida externa, implementar o imposto sobre as grandes fortunas e megaempresas de uma vez por todas, e destinar esse dinheiro para o que os trabalhadores e o povo precisam.
Temos que levar essa luta entre todas/os nós, principalmente as centrais operárias, os sindicatos e as entidades estudantis. Devemos unir as lutas das mulheres lésbicas, bissexuais, travestis, trans e de todos os oprimidos por seus direitos com as demais demandas da classe trabalhadora, para lutarmos juntas por um mundo diferente, sem exploração ou opressão.
[1] Deve se apresentar quando exigido pelo tribunal, submeter-se ao controle do órgão responsável pelo controle das penalidades. Se tudo isso for cumprido, e o tempo estabelecido passar, a pena é considerada cumprida (ndt.)
Tradução: Lena Souza