Minha leitura de “Minha Vida”, de Leon Trotsky
Terminei de ler “Minha Vida”, a autobiografia de Leon Trotsky, publicada pela Editora Sundermann. É um livro indispensável para conhecermos mais a vida e o legado de um dos maiores revolucionários da história.
Por: Wagner Damasceno
Como o próprio Trotsky já anuncia nas primeiras páginas, sua vida, por mais extraordinária que tenha sido, foi determinada em última instância por “fatores históricos extraordinários, como guerras, revoluções e contrarrevoluções”.
Mas ai daquele que ouse ver nisso uma negação da potência do indivíduo na história, pois a vida de Trotsky é um belo testemunho do que é capaz de fazer e suportar um ser humano que se apodera da teoria marxista e que se engaja na luta revolucionária pelo socialismo.
Nascido Liev Davidovich Bronstein, em 1879, tornou-se, ainda jovem, um revolucionário. E, como muitos na Rússia Czarista, conheceu cedo a prisão. Em uma delas, na Sibéria, realizou uma fuga espetacular rumo ao estrangeiro, registrando em um passaporte para a fuga o nome que lhe marcou a partir dali: Trotsky.
Leon Trotsky dedicou-se integralmente à causa socialista. Estudava, escrevia, polemizava, organizava… Encarava os diferentes exílios e prisões como oportunidades para seguir estudando e militando.
Ele interveio na Revolução de 1905, foi preso e extraiu conclusões fundamentais para a teoria da “revolução permanente”.
Foi exilado. E seguiu colaborando e polemizando com Lênin, dirigente da fração bolchevique.
Aliás, diferente do que os falsificadores stalinistas tentaram imprimir na história, Lênin e Trotsky tiveram uma relação de profunda colaboração e de afeição. Sim, uma afeição que jamais implicou na renúncia de suas iniciativas e posições.
Grosseiramente, poderíamos dizer que Trotsky esteve certo teoricamente sobre o caráter da revolução na Rússia, enquanto Lenin, não. E que Lenin esteve certo organizativamente e politicamente, enquanto Trotsky, não.
Mas, em 1917, ambos já haviam chegado às conclusões corretas sobre a revolução e sobre o partido.
Dirigente da Revolução Russa, Trotsky organizou um exército de operários e camponeses, o Exército Vermelho. E enfrentou a fúria de 14 exércitos contrarrevolucionários que invadiram a Rússia – organizados pela burguesia russa e do restante do mundo – derrotando-os um a um.
Mas algo estranho se desenvolvia na Rússia. Dentro do partido comunista, e ao redor do Estado Operário, formava-se uma reação que ia corroendo as conquistas da revolução.
Esta contrarrevolução, fruto de grandes circunstâncias sociais e econômicas, ia se corporificando em Stálin.
Citando Helvetius, ao dizer que “toda época tem seus grandes homens e, quando não os tem, inventa-os”, Trotsky definia Stálin como uma invenção: “o stalinismo é o trabalho automático de um grande aparato administrativo sem personalidade no declínio da revolução”.
Stálin, que jamais desempenhou qualquer papel relevante na preparação da Revolução Russa, dedicava-se com uma aplicação silenciosa a reunir os descontentes e “ofendidos” pelo partido; acolhendo aquelas pessoas “que só possam viver politicamente da misericórdia do aparato” para formar uma base social que tivesse mais interesses em conservar seus postos do que dar espaços aos operários e/ou arriscá-los construindo uma revolução internacional.
Este fenômeno da burocratização foi percebido primeiro por Lênin que, mesmo adoecido, notara que “teciam-se os fios imperceptíveis de um complô, pelas suas costas e de Trotsky”.
Stálin encabeçara uma “troika” formada por Zinoviev e Kamenev que, nas palavras de Trotsky “não seria capaz, de forma alguma de opor-se a mim. Ela só poderia opor Lenin a mim. Mas para isso, era preciso que Lenin perdesse qualquer capacidade de se opor à ‘troika’. Em outros termos, para o sucesso da campanha da ‘troika’, era preciso que Lenin adoecesse sem esperança de recuperação ou que seu cadáver embalsamado repousasse num mausoléu”.
Talvez o ato mais simbólico do que significou o stalinismo tenha sido a ordem de embalsamar o corpo de Lênin, logo após a sua morte, em 1924. Algo que o próprio Lênin jamais aprovaria.
A burocracia russa embalsamou aquele que construiu um partido vivo para a libertação da humanidade, transformando a memória coletiva sobre Lênin: “que deixou de ser visto como um dirigente revolucionário e passou a ser o chefe de uma hierarquia eclesiástica”, conforme observara Trotsky.
Mas, como relatara a dirigente bolchevique e companheira de Lenin, Nadejda Krupskaia, em 1927: “se Lênin ainda estivesse vivo, provavelmente já estaria numa das prisões de Stalin”.
A vitória de Stálin e sua burocracia no Partido Comunista e na Internacional Comunista, cobrou um alto preço para o avanço da revolução russa e no mundo.
E Trotsky, banido e caluniado, tornou-se o inimigo número um do stalinismo e de todo o imperialismo.
Trotsky combateu ambos, até o último dia de sua vida. E ofereceu aos trabalhadores do mundo algo inestimável: uma bandeira e um programa político capazes de libertar nossa classe da exploração e da opressão. Nos legou a Quarta Internacional e o Programa de Transição.
Sem dúvida, também valem para Trotsky as palavras que ele próprio empregou para Marx e Engels: “as largas vias revolucionárias nas quais estavam metidos lhes permitiam sempre erguer-se acima das vicissitudes do acaso, acima das obras dos homens. Nada de mesquinho era compatível com eles”.
O stalinismo está, hoje, onde merece estar: na lata de lixo da história.
Hoje, os stalinistas dissimulam suas intenções, escondem seu passado repleto de assassinatos, traições, e maquinações, e sequer ousam pronunciar o nome de Stálin em público, seja numa assembleia de trabalhadores ou numa conferência política.
Nós trotskistas, ao contrário, nos orgulhamos de quem somos e não escondemos o que defendemos: uma revolução socialista internacional dirigida pelos trabalhadores e pelo povo pobre.
Falamos de Trotsky para os trabalhadores, dedicamos inúmeras horas de estudo a sua obra e nos orgulhamos de sermos continuadores de seu legado revolucionário.