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quarta-feira, julho 24, 2024

Trotsky e a luta pelos direitos das mulheres

Se alguma coisa ficou nítida nos últimos cem anos é que, apesar das tentativas do imperialismo e do estalinismo, León Trotsky não pode ser ocultado. Muito se escreve e se diz a favor e contra, mas ignorá-lo é impossível. Ele marcou a história mundial e mais especificamente o movimento revolucionário.

Por: Ruth Díaz
Uma das últimas tentativas desesperadas de caluniá-lo foi com a série que a Netflix levou ao ar no ano passado. Seguindo os desejos de Putin, nela está interpretado um personagem que nada tem a ver com suas verdadeiras características, sob uma história que falsifica os fatos e as posições do próprio Trotsky. Num momento em que a luta pelos direitos das mulheres mostra um ascenso maravilhoso, a figura misógina e sanguinária que a série tenta instaurar não é gratuita.
Trotsky lutou muito pelos direitos dos mais oprimidos. A preocupação por liberar a mulher das tarefas asfixiantes do “lar” foi exposta em vários de seus escritos e é importante resgatar essa parte do legado deste grande revolucionário.
A luta no Estado Operário
Sua primeira esposa foi quem o ganhou para o marxismo e sua irmã mais nova também era militante bolchevique. Para ele, longe das injúrias e calúnias estalinistas, as mulheres faziam parte da vida política e o preocupava a inclusão das operárias na luta pela revolução.
Em Julho de 1921, era celebrada de maneira conjunta o 3º.Congresso da Internacional Comunista (III) e a 2ª.Conferência Internacional de Mulheres Comunistas. Trotsky era um dos principais dirigentes desse congresso e foi designado pelo Comitê Executivo da Internacional para discursar na conferência de mulheres,
Nesses eventos se mostrava a preocupação e política ativa dos bolcheviques por incorporar a mulher à luta revolucionária, à construção do Estado Operário, à militância política.
Não era tarefa simples, as mulheres viviam distantes da vida pública. As condições de escravidão doméstica, assim como a superexploração nas fábricas ou a brutalidade do trabalho no campo, as condenavam ao maior dos atrasos. A guerra civil ainda estava sendo travada, o país perdia milhares de vidas defendendo o Estado Operário da contrarrevolução, o avanço econômico da Rússia se fazia esperar e as penúrias domésticas nestas circunstâncias pesavam muito.
Mas este cenário desfavorável não devia ser motivo de isolamento, pelo contrario, era fundamental que elas se somassem à luta revolucionária. Trotsky, que expressava a política bolchevique, lhes disse ao encerrar seu discurso na conferência: “No progresso do movimento operário mundial, as mulheres proletárias desempenham um papel extraordinário. Não digo por que estou me dirigindo a uma conferência feminina, mas porque bastam os números para demonstrar que papel importante as operárias exercem no mecanismo do mundo capitalista (…) De agora em diante, a mulher deve começar a deixar de ser uma “irmã de caridade”, no sentido político do termo. Participará de forma direta na principal frente revolucionária da batalha. E é por isso que, desde o fundo do meu coração, ainda que seja com algum atraso, saúdo esta Conferência Mundial de Mulheres e grito com vocês Viva o Proletariado Mundial! Viva as Mulheres Proletárias do Mundo!” [1]
Essa calorosa saudação não foi formal, e o 3º.Congresso da Internacional Comunista expressou essa orientação política em uma das melhores elaborações que o movimento revolucionário deu à luta pelos direitos femininos: “As Teses para a propaganda entre as mulheres”. Nelas se orientava a que todos os partidos fizessem trabalho entre as mulheres, que deviam lutar no interior do partido para aniquilar os velhos preconceitos (hoje o chamaríamos de machismo) e dar igualdade de participação e direitos a elas. Esse congresso as estimula a participar da defesa militar e da organização do Estado Operário. E, sobretudo defende o conceito de independência de classe, explicando que a saída total para a emancipação da mulher é a aniquilação do capitalismo.
“O que o comunismo dará à mulher, em nenhum caso o movimento feminino burguês poderá dar. Enquanto existir a dominação do capital e da propriedade privada, a liberação da mulher é impossível.
O direito eleitoral não suprime a causa primordial da servidão da mulher na família e na sociedade e não soluciona o problema das relações entre ambos os sexos. A igualdade não formal e sim real da mulher só é possível sob um regime no qual a mulher da classe operária seja a possuidora de seus instrumentos de produção e distribuição, participe em sua administração e tenha a obrigação de trabalhar nas mesmas condições que todos os membros da sociedade trabalhadora. Em outros termos, esta igualdade só é realizável depois da derrota do sistema capitalista e sua substituição pelas formas econômicas comunistas”.[2]
Em 1923 a URSS já não enfrentava os problemas da guerra civil, mas era um momento em que o Estado começava a se burocratizar e Lenin muito doente não podia participar nas definições do partido. Nesse ano Trotsky escreve um texto no qual mostra como a revolução apesar de ter outorgado todos os direitos formais da democracia às mulheres (mais que qualquer um dos estados capitalistas que se reivindicam democráticos) não conseguia ainda dar as bases materiais para a liberação da mulher.
Em “Questões do Modo de Vidaescrevia: “Estabelecer a igualdade política da mulher e do homem no estado soviético é um dos problemas mais simples. Estabelecer a igualdade econômica do trabalhador e da trabalhadora na fábrica, na oficina, no sindicato, é já muito difícil. Mas estabelecer a igualdade efetiva do homem e da mulher na família é um problema infinitamente mais árduo e exige imensos esforços para revolucionar todo o seu modo de vida. E, no entanto, é evidente que enquanto a igualdade do homem e da mulher não for atingida na família não se poderá seriamente falar da sua igualdade na produção nem mesmo de sua igualdade na política, pois se a mulher continua escravizada à família, à cozinha, ao sabão e à costura, sua possibilidade de agir na vida social e na vida do estado continua reduzidas ao extremo.” [3]
Faz uma análise brilhante, vê as contradições do Estado Operário e a dificuldade de semelhante tarefa, mas não se dá por vencido, nem diz que é necessário esperar o triunfo internacional da revolução para ocupar-se de liberar a mulher do jugo doméstico. Afirma que apesar das dificuldades econômicas e de recursos do Estado, devem ser feitos os esforços para garantir restaurantes, lavanderias e escolas públicas. Mas que isso, pelo situação econômica inicial do Estado e que é uma mudança de algo tão profundamente arraigado na sociedade e nos costumes, deve ser acompanhado por outras medidas. Os comunistas mais conscientes devem fazer um esforço e tentar modificar seu modo de vida.  Ele propõe que façam lares comuns e que dividam equitativamente as tarefas, para ir dando exemplo e mostras de como formar novos laços familiares no novo Estado, que estejam livres do compromisso e da servidão obrigada. Propõe também como fator de mudança, o crescimento cultural da classe operária. A educação, a luta contra o alcoolismo, a redução das horas de trabalho, assim como também dar importância às atividades recreativas é fundamental para modificar esses costumes arcaicos que submetem a mulher no seio da família.
Contra o estalinismo
Apesar de ser um dos principais dirigentes da única revolução operária socialista do mundo, Trotsky é lembrado pela sua batalha incansável contra a burocracia estalinista, que conseguiu assassiná-lo, mas não calar seu legado.
Essa batalha pela recuperação da democracia operária na URSS e a democracia interna no partido, assim como a luta contra a política de conciliação de classes do estalinismo não esteve alheia aos problemas das mulheres.
Depois de expulso da URSS por Stalin, e com vários dos dirigentes mais importantes da oposição sendo assassinados nos julgamentos de Moscou, Trotsky escreve em 1936 uma obra mestra de denúncia ao estalinismo: A Revolução Traída. Nela dedica um capítulo em mostrar como a contrarrevolução estalinista, gira ao contrario a roda da liberação da mulher, mostrando neste aspecto o mais atrasado do Estado Operário agora burocratizado.
Em sua preocupação, muito bem desenvolvida no capítulo “O Termidor no lar”  [4], a situação das proletárias e camponesas na URSS. O que havia levado muito tempo para começar a construir, estava sendo derrubado muito velozmente. O aborto foi penalizado novamente, a prostituição começou a corroer as mais jovens que não conseguiam sobreviver com seu salário. As lavanderias e restaurantes estavam desprovidos de fundos e só ofereciam problemas às trabalhadoras. Em nome do “socialismo” chamava-se as mulheres a viver “as alegrias da maternidade”, mas a desigualdade social atingia fortemente as mulheres nesse momento.
Neste texto em que Trotsky exaustivamente apresenta dados estatísticos, se evidencia o retrocesso brutal dos setores mais oprimidos, mostrando o contrario do que afirmava o Kremlin: “a vitória completa e sem retrocesso do socialismo na URSS”. A penosa situação da infância abandonada é um tema de preocupação e revelado nessas estatísticas. Os suicídios de adolescentes evidenciavam as desesperadoras condições de vida de um setor majoritário do país.
Porque a hipocrisia burguesa em relação aos direitos femininos também era expressa pela burocracia. As mulheres dos funcionários e membros do partido tinham empregada doméstica, carro e acesso a boas escolas para os filhos. Enquanto as operárias e mulheres pobres sofriam fome e as penúrias das tarefas domésticas. As pobres que abortavam eram perseguidas, mas as burocratas podiam acessar esses serviços sem problemas diante de uma justiça “benevolente” com elas.
A luta de Trotsky pela revolução política na URSS para que a classe operária voltasse a governar o Estado incluía para ele, a imperiosa necessidade de dar saída às mulheres e voltar a desenvolver as condições que pudessem liberá-la totalmente de tanta humilhação e violência.
E Trotsky é tão consequente neste aspecto, que em seus últimos anos e na construção do “Programa de Transição” [5], que a nova Quarta Internacional defenderia e levaria à prática, as mulheres proletárias tem seu espaço.
Não há liberação total da mulher sem derrubar o capitalismo com uma revolução socialista, e não há revolução socialista sem que as mulheres sejam parte ativa da mesma. Por isso, nestes momentos em que a crise mundial e a pandemia nos atinge fortemente, que os governos e capitalistas nos jogam para a morte para que seus lucros sejam garantidos, que as mulheres trabalhadoras estão mais sobrecarregadas com as tarefas domésticas pela ausência de todos os estados e sofrendo um aumento brutal da violência doméstica, agora é mais necessário do que nunca lembrar as consignas que Trotsky escreveu em 1938:
(…)  Isto posto, a época do declínio do capitalismo desfere à mulher seus mais duros golpes tanto em sua condição de trabalhadora como de dona de casa. As seções da IV Internacional devem buscar apoio nos setores mais oprimidos da classe trabalhadora, e portanto, entre as mulheres que trabalham. Nelas encontrarão fontes inesgotáveis de devoção, abnegação e espírito de sacrifício.
Abaixo o burocratismo e o carreirismo!
Avante a juventude!
Avante a mulher trabalhadora!
Tais são as consignas inscritas na bandeira da Quarta Internacional.
[1] Discurso pronunciado ante la Segunda Conferencia Mundial de Mujeres Comunistas[78] 1921.
[2] Tesis para la propaganda entre las mujeres. Tercer Congreso – Tercera Internacional – junio 1921 – https://archivoleontrotsky.org/view?mfn=19917
[3] https://archivoleontrotsky.org/view?mfn=28685
[4] https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1936/rt/07.htm#seg%201
[5] https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1938/prog-trans.htm 
Tradução: Lilian Enck

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