Trotsky e a construção da IV internacional
A luta pela reforma da internacional e do partido
A luta contra a degeneração estalinista levou um setor da militância bolchevique a agrupar-se em torno da Oposição de Esquerda. Assim o período que transcorre entre a doença irreversível de Lenin (1923) e o triunfo do fascismo na Alemanha (1933) é uma década repleta de acontecimentos. Concentra o surgimento, organização e desenvolvimento dos bolcheviques-leninistas (Oposição de Esquerda) encabeçada por León Trotsky cuja luta, então, estava centralizada na reforma do Partido e da IIIª Internacional.
Por: Angel Luis Parras
“Desde o dia de sua fundação, a Oposição de Esquerda se colocou a tarefa de reformar e regenerar o Comintern mediante a crítica marxista e o trabalho fracional interno” lembrava Trotsky em julho de 1933. Essa orientação, dizia “para a ‘reforma’(…) representou uma etapa necessária para o desenvolvimento da ala marxista do Comintern; foi uma oportunidade para educar os quadros bolcheviques leninistas e não passou sem deixar sua marca sobre o conjunto do movimento operário. (…)a Oposição de Esquerda não ocultou, a si mesma nem aos demais, que uma nova derrota do proletariado, provocada pela política do centrismo, adquiriria inexoravelmente um caráter decisivo e exigiria uma drástica revisão de nossa posição a respeito da disjuntiva: fração ou partido”.
O triunfo de Hitler e a mudança de orientação
A chegada de Hitler à chancelaria da Alemanha em 1933 sem oposição, marcou segundo Trotsky, a maior derrota histórica da classe operária, enquanto os dirigentes estalinistas alemães, com o beneplácito de Moscou, continuavam minimizando o fato e falando do caráter efêmero do fascismo.
A traição na Alemanha que abriu as portas para Hitler coroava de forma qualitativa os desastres da política estalinista. Trotsky então encabeça a mudança de orientação na Oposição: “Não há nada mais perigoso na política que ficar preso pelas próprias fórmulas que ontem foram apropriadas, mas hoje carecem de conteúdo por completo. A partir do ponto de vista teórico, a derrubada do PC Alemão abriu dois caminhos à burocracia estalinista: revisão total da política e do regime ou, pelo contrario, estrangulação total de todo sinal de vida nas seções do Comintern. A Oposição de Esquerda guiou-se por essa possibilidade teórica quando, ao levantar a consigna de partido novo na Alemanha, deixou colocado a questão da sorte do Comintern. Entretanto, esclareceu que bastariam um par de semanas para ter a resposta e que eram mínimas as esperanças de que a mesma fosse favorável”.
E efetivamente em apenas duas ou três semanas, em 5 de março, o Presidium da IIIª Internacional respaldava a política do Partido Comunista alemão que garantiu a vitória de Hitler, definiu-a como corretíssima e proibiu toda discussão do ocorrido sem que ninguém se levantasse contra tão vergonhosa proibição. “Nada de congressos internacionais, nada de congressos nacionais, nada de discussões nas reuniões partidárias, nada de polêmicas na imprensa. Uma organização que não despertou diante do retumbar do fascismo e que se submete docilmente às infâmias práticas burocráticas demonstra que morreu e que nada poderá revivê-la. É nosso dever para com o proletariado e seu futuro dizer aberta e publicamente.. Todo nosso trabalho anterior deve tomar como ponto de partida a derrocada histórica da Internacional Comunista Oficial” (León Trotsky, 15 de julho 1933).
A luta por novos partidos e uma nova internacional
“Nosso ponto de partida não é a ‘insatisfação’ e ‘desilusão’ subjetivas e sim a marcha objetiva da luta de classes. Todas as circunstancias do desenvolvimento da luta de classes exigem imperiosamente a criação de uma nova organização de vanguarda, e estabelecem as premissas necessárias para fazê-lo” (León Trotsky).
É a partir desse ano, 1933, que começa um processo que culminaria em setembro de 1938 com a fundação da IVª Internacional. Mas se a nova orientação estava clara e a situação objetiva fervilhava nas próprias fileiras comunistas (e não só nelas) após os acontecimentos na Alemanha, por que a Oposição de Esquerda demorou 5 anos para realizar a Conferência fundacional da IVª Internacional?
O próprio Trotsky explicava assim: “Evidentemente, nosso giro não consiste em ‘proclamar a nós mesmos como o novo partido. Nem muito menos. Dizemos: o partido alemão oficial está politicamente liquidado, não poderá ressuscitar; não queremos herdar seus crimes. A vanguarda dos operários alemães deve construir um novo partido. Nós, bolcheviques-leninistas, propomos nossa colaboração”.
Durante esses anos, fugindo de atitudes autoproclamativas a Oposição de Esquerda colocou todo seu empenho em agrupar setores que rompiam com o estalinismo e a social democracia.
O centrismo e a construção da IV Internacional
Os Escritos de León Trotsky de 1933 a 1938 testemunham as inumeráveis iniciativas, debates, participação em encontros, etc. A convulsão desencadeada pelo auge do fascismo, o colapso da IIª Internacional social democrata e a deriva da burocracia estalinista que arrastou a IIIª Internacional gerou um intenso e predominante movimento de ativistas, partidos, grupos que na busca de referências políticas oscilavam entre o reformismo e a revolução. Esse fenômeno predominante no movimento operário foi caracterizado como centrismo. “Pela própria essência do termo (…) significa oscilar entre dois polos – o marxismo e o reformismo -, isto é, atravessar as diferentes etapas do centrismo” (L.Trotsky).
Compreender os traços mais característicos do centrismo não era tarefa fácil, insistia Trotsky, “Não é fácil; primeiro, porque devido à sua ambiguidade orgânica, o centrismo se adequa com dificuldade a uma definição positiva; se caracteriza mais pelo que lhe falta do que pelo que tem”.
Trotsky destacou várias dessas características e peculiaridades do centrismo, entre elas:
“No terreno da teoria, o centrismo é amorfo e eclético; na medida do possível evita as obrigações teóricas e tende (no discurso) a privilegiar a ‘prática revolucionária’ em relação à teoria, sem compreender que só a teoria marxista pode conferir uma orientação revolucionária à prática.
No plano da ideologia, o centrismo arrasta uma existência parasitária. Utiliza contra os marxistas revolucionários os velhos argumentos mencheviques (Martov, Axelrod, Plejanov), geralmente sem sequer suspeitar (…)
O centrismo está muito disposto a proclamar sua hostilidade em relação ao reformismo, mas nunca menciona ao centrismo. Além disso, considera que a própria definição de centrismo é “pouco clara”, “arbitrária”, etc.; em outras palavras, o centrismo não gosta que o chamem pelo seu nome.
O centrista, sempre inseguro de sua posição e seus métodos, odeia o principio revolucionário que propõe dizer as coisas tal como são. Tende a substituir a política principista pelas manobras pessoais e a diplomacia miúda entre as organizações.
A posição do centrista entre o oportunista e o marxista é análoga, em certo sentido, à do pequeno burguês entre o capitalista e o proletário: se humilha perante o primeiro e deprecia o segundo.
No plano internacional o centrista se caracteriza, se não for por sua cegueira, pelo menos por ser míope. Não compreende que na época atual só se pode construir um partido revolucionário nacional como parte de um partido internacional. Ao escolher seus aliados internacionais é ainda menos cuidadoso do que em seu próprio país”.
Para a Oposição de Esquerda a compreensão deste fenômeno do centrismo frente aos processos de “unificação dos marxistas” que se abriam era fundamental, porque na opinião de Trotsky : “A nova internacional poderá avançar fundamentalmente a expensas das tendências e organizações agora predominantes. Ao mesmo tempo, a internacional revolucionária não pode ser formada de outro modo que não seja através da luta constante contra o centrismo”.
O bloco dos quatro
O “predomínio do centrismo” obrigava a Oposição de Esquerda a definir a dinâmica desses grupos centristas, o curso de sua evolução. “Muitas vezes falamos em nossos artigos sobre o caráter heterogêneo do centrismo; compreende todos os matizes de transição entre o reformismo e o marxismo ou – o que não é a mesma coisa – entre o marxismo e o reformismo. É impossível compreender o movimento centrista unicamente através de suas declarações e documentos atuais. Devemos estudar a história de seu desenvolvimento e vigiar a direção de sua evolução” (L.Trotsky).
Essa política de vigiar a evolução, o sentido da flecha, se vai da direita para e esquerda ou o contrario evolui da esquerda para a direita é decisiva. Esse cruzamento de evoluções em sentidos opostos gera um terreno onde o centrismo mais progressivo, o que evolui para a esquerda, se encontra no caminho com o que vem girando em sentido inverso e se cria aí um interregno de amálgama e confusão propício para o ecletismo e o amorfo.
Em 27 e 28 de agosto de 1933 foi celebrada em Paris a Conferência de organizações socialistas e comunistas de esquerda que reuniu “quatorze partidos, organizações e grupos de natureza e tendências sumamente heterogêneas”.
Nessa Conferência participou a Oposição de Esquerda Internacional levando seu próprio programa. Que sentido tinha participar de um encontro de forças tão heterogêneas? O próprio Trotsky explicava assim: “com o objetivo de ajudar à separação principista dos reformistas e centristas e nuclear as organizações revolucionárias homogêneas”.
Esse critério se opunha à pressão dominante pela “unificação marxista” e portanto foi rotulado de sectário.
A rigor Trotsky e a Oposição de Esquerda apenas seguiam o critério de Lenin na fundação e desenvolvimento inicial da IIIª Internacional. “As ‘21 condições’ para ser membro da Internacional Comunista, elaboradas em seu momento por Lenin para diferenciar-se resolutamente de todo tipo de reformismo e anarquismo, adquirem novamente nesta etapa uma urgente atualidade. Com certeza, não nos referimos ao texto deste documento, que terá que mudar radicalmente de acordo com as condições deste período moderno, mas ao seu espírito geral de intransigência marxista revolucionária” (L.Trotsky).
O resultado da Conferência foi a declaração assinada por quatro organizações (a Oposição de Esquerda Internacional, o SAP da Alemanha, o RSP e OSP da Holanda) o denominado Bloco dos Quatro que começava sua caminhada para construir a IVª Internacional. Ali os grupos eram chamados para trabalhar sobre os documentos programáticos e estratégicos que encaravam os problemas da construção econômica da URSS, o regime do partido, a política da frente única, o caminho da revolução espanhola, a luta contra a guerra, a luta contra o fascismo, etc. Pontos cujas conclusões básicas a Oposição de Esquerda havia resumido nos “11 pontos” de seu pré-congresso internacional, E acrescentavam: “Nem é preciso dizer que, da nossa parte, consideraremos com a maior atenção todas as teses, resoluções e declarações programáticas nas que outras organizações aqui representadas tenham expressado ou possam expressar sua caracterização dos objetivos e perspectivas”.
O centrismo nunca menciona o centrismo
Na declaração dos quatro Sobre a necessidade e os princípios de uma nova internacional lia-se: “Ainda que dispostos a cooperar com todas as organizações, grupos e frações que realmente evoluem do reformismo ou o centrismo burocrático(estalinismo) para a política do marxismo revolucionário, os abaixo-assinados declaram ao mesmo tempo em que a nova internacional não poderá tolerar nenhuma conciliação com o reformismo ou o centrismo”.
Desenvolveu-se a partir daí um árduo trabalho que tinha como tarefas centrais a elaboração de um manifesto programático que foi a base principista da nova Internacional; “Preparar uma análise crítica das organizações e tendências do movimento operário atual e elaborar teses sobre todas as questões fundamentais que fazem a estratégia revolucionária do proletariado” (26 agosto 1933).
Entretanto o Bloco não avançou apesar dos esforços da Oposição de Esquerda. O centrismo predominante foi se agrupando em torno da I.A.G. (Internationale Arbeitsgemeinschaft) um agrupamento internacional constituído a partir da citada conferência internacional de agosto de 1933. A I.A.G. agrupava os partidos que opinavam que a criação de uma nova internacional não podia ser mais que a consequência de um “processo histórico” opondo-se assim aos partidários da construção da IVª Internacional. Nesse agrupamento não faltavam velhos comunistas em crise com o aparato estalinista que assumiram as funções de coordenação a partir de um “Bureau internacional para a unidade dos socialistas revolucionários”, com sede em Londres.
À espera de que o “processo histórico” conseguisse criar uma nova e boa IVª Internacional, como observava ironicamente Trotsky, estes partidos foram alinhando suas críticas contra os partidários da construção da IVª Internacional. Para estes grupos a luta política, a delimitação programática e estratégica do reformismo e do centrismo passava por participar nas Conferências e encontros, “estar ali”, não ficar “isolados”. As manobras e as intrigas substituíam a firmeza de princípios e a clareza ideológica, o que lhes empurrava a cada passo para fazer seguidismo dos giros e oscilações tanto do centrismo burocrático estalinista como dos partidos social democratas.
A unidade marxista…com organizações caseiras
Um dos grupos nascido nas próprias fileiras da Oposição de Esquerda que mais sucumbiu a essas pressões e acabou abraçando a política do centrismo foi a Esquerda Comunista Espanhola encabeçada por Andreu Nin e Juan Andrade.
O auge do fascismo, a polarização social, a luta operária, fazia sentir nos lutadores/as da juventude e da classe operária a imperiosa necessidade de unir forças. Mas o legítimo e necessário sentimento de unidade na classe operária, longe de eximir os revolucionários lhes obrigava mais que nunca a apontar os terrenos da unidade, as diferentes formas desta e suas tarefas, sem amalgamá-la, sem converter a “unidade” em um “significante vazio” sob o qual se oculta o oposto dessa necessidade objetiva da classe operária.
A posição da IC incidiu decisivamente no distanciamento de outros grupos do Bloco do acordo original subscrito com a Oposição e empurrando para a oposição da fundação da IVª Internacional ao mesmo tempo em que sucumbiam às políticas reformistas.
Andreu Nin anunciava assim no jornal La Batalla o acordo de fusão da Esquerda Comunista (IC) com o Bloc Obrer i Camperol (BOC) que daria lugar à formação do Partido Operário de Unificação Marxista (POUM) em 1935.
“Além da bandeira da unificação ser popularíssima, não há absolutamente, na atualidade, nenhuma diferença fundamental de princípios nem de tática entre as duas organizações. Nestas circunstâncias, permanecer separados seria não apenas absurdo, mas criminoso. Como o demonstra a facilidade com que temos chegado a um acordo para fixar as posições políticas do novo partido, nosso acordo é absoluto. E esta feliz coincidência, tão rica em promessas, foi conseguida sem que nem o BOC nem a Esquerda Comunista tivessem que fazer concessões que pela sua importância signifiquem um sacrifício.[…]O partido resultante da fusão vem para a luta operária com um programa claro e definido e com a vontade inquebrantável de lutar pela unificação de todos os setores do marxismo revolucionário na potente organização política da qual o proletariado do nosso país tem necessidade urgente”.
Assim claramente, nenhuma diferença fundamental de princípios, nem de tática? Coincidência absoluta? Como isso era possível, se o BOC de Maurin se alinhava com o setor mais restauracionista do capitalismo da burocracia soviética, encabeçado por Bukharin? Como era possível a coincidência absoluta sendo que o BOC tinha combatido desde o primeiro momento toda tentativa de trabalhar para construir a IVª Internacional? O próprio Andreu Nín tinha combatido energicamente as posições do BOC e Maurín em aspectos centrais de princípios, estratégicos e programáticos: “Fiel à sua concepção ‘nacional’ da revolução, que tão excelente acolhida teve entre a intelectualidade pequeno burguesa de Madri, Maurín começa afirmando que ‘a revolução espanhola não há de se parecer com a russa’, que os sindicatos desempenharão na revolução espanhola um grande papel não há a menor dúvida. Mas afirmar que possam substituir os soviets é perpetuar o preconceito sindicalista, tão desgraçadamente arraigado em nossas massas, e inculcar nelas a crença na possibilidade da vitória da revolução sem a existência de um partido comunista”.
“Todo o poder ao proletariado”, lançada pelo BOC. Além disso, esta posição, aparentemente radical, não faz mais do que cobrir uma política nitidamente reformista. Não é cômico ver o BOC pregar a tomada do poder pelo proletariado e, ao mesmo tempo, realizar uma propaganda que tem mais de radical burguesa do que de comunista? (…) Há alguns meses [Maurín] uniu-se ao coro dos “antitrotskistas” e, na luta contra nós, recorre aos recursos habituais da burocracia estalinista: a falsificação dos fatos, o ataque pessoal e as exclusões(…) Felizmente, a Oposição Comunista de Esquerda, não tem apenas um grande líder, mas também uma doutrina, uma tática, uma colaboração internacional. Pode dizer o mesmo O Bloco Operário e Camponês, que não tem, não digamos já um grande líder, mas nem doutrina, nem tática, nem o contato vivo e contundente, indispensável para toda a ação eficaz, não mais com os comunistas de fora da Espanha, mas ainda com os de mais além do Ebro? O BOC não é mais do que uma organização caseira, e com organizações caseiras não se fazem as revoluções” (Andrés Nin, El Soviet, nº 2, 22 outubro de 1931, os negritos são meus).
Os dirigentes da IC com a formação do POUM mostraram que a política da “unidade dos marxistas” longe de ajudar a separação principista dos reformistas e dos centristas acabou puxando os próprios revolucionários para o moinho do reformismo, para o pântano do centrismo.
O resto da história já é conhecida, o POUM acabou sendo um aríete contra a IVª Internacional, acabou assinando o Pacto da Frente Popular que garantiu à burguesia derrotar a revolução operária em curso e abriu assim as portas para Franco e Nin acabou como ministro de um governo burguês de colaboração de classes. Desgraçadamente longe de não nos isolar essa política isolou o POUM e facilitou a miserável manobra estalinista e do Governo de Frente Popular que acabou dissolvendo o POUM, detendo seus dirigentes e acabando com a vida de Andreu Nin. Referindo-se a todos os centristas o velho Trotsky lembrava aquela frase de um escritor francês: “Se alguém oculta sua alma dos demais, no final ninguém poderá encontrá-la”.
A unidade de ação e a luta contra o reformismo e o centrismo
Aqueles que a partir do centrismo de antigamente e o atual, continuam reivindicando a política do POUM criticam Trotsky por seu suposto sectarismo. O desprezo pela teoria, pela tradição e experiência histórica da luta revolucionária, os empurra a confundir firmeza de princípios com sectarismo.
Trotsky então, como nós hoje, não negou a unidade de ação nem com o diabo se fosse necessário, em torno de um ponto ou objetivo concreto sempre e quando ajudasse a resolver ou empurrar as reivindicações operárias ou dos/das oprimidos. Trotsky nunca escamoteou um só esforço na luta pela Frente Única, foi ele quem escreveu as teses sobre as Táticas da Frente Única aprovadas em 1922 na IIIª Internacional: “O problema da Frente Única – apesar do fato de que é inevitável uma cisão nesta época entre as organizações políticas que se baseiam no voto – surge da urgente necessidade de assegurar à classe operária a possibilidade de uma Frente Única na luta contra o capitalismo”(março de 1922 Reunião do Comitê Executivo da Internacional Comunista). Não em vão e contra a política de liquidação do estalinismo, Trotsky foi o mais decidido impulsionador da Frente Única contra o fascismo na Alemanha para tentar impedir o triunfo do nazismo.
O combate ao reformismo e ao centrismo longe de ser incompatível está obrigatoriamente vinculado à luta pela unidade de ação e à Frente Única. Não há dúvida de que é necessária a mais ampla unidade de ação em defesa do Sistema Público de Aposentadorias e da plataforma que esse movimento levantou nas ruas. Mas é possível hoje essa unidade de ação sem combinar essa luta com um combate frontal com os partidos e sindicatos que com o objetivo de sustentar o governo do “progresso”, PSOE-UP, puseram todo seu empenho na desmobilização, na liquidação das reivindicações originárias desse movimento e da destruição dos organismos unitários construídos no calor da luta? Não há dúvida de que é necessária a mais ampla unidade de ação em defesa da convocatória de um referendo democrático sobre a Monarquia. Mas é possível fazê-lo sem combater frontalmente os que a partir do governo progressista sustentam este regime e continuam negando uma consulta democrática básica e são ferrenhos defensores da Constituição monárquica? É necessário frente à catástrofe social que a pandemia e a crise econômica que a precedeu e a acompanha, conseguir agora a máxima unidade de ação da classe operária e da juventude para que os de sempre continuemos pagando pela crise? E essa necessidade imperiosa é possível sem confrontar de maneira direta a burocracia sindical da CCOO e UGT e os Partidos que os sustentam a partir do governo e das instituições? Nem falar de acabar com o sistema capitalista, o regime monárquico e essa União de Mercadores e exploradores de povos que é a União Europeia. E é possível mudar esta sociedade, fazer a revolução que é necessária, sem combater seus ferrenhos defensores de “direita”, de “esquerda” e de “centro”?
Dizer as coisas tal como são, não substituir a política principista pelas manobras e a diplomacia entre as organizações
Ao realizar a aproximação com outros partidos em prol de possíveis unificações, como foi durante o processo antes mencionado na construção da IVª, Trotsky não confundiu a intransigência nos princípios e a firmeza ideológica com o ultimatismo para com os outros partidos. Em seu debate com o SAP alemão dizia:
“No SAP como em outras organizações há milhares de operários (…)[que] jamais estudaram nem se colocaram a pensar na política de Stalin na China, na Bulgária, na Espanha. Exigir-lhes que reconheçam de maneira puramente formal o correto de nossa posição a respeito dos problemas enumerados mais acima, não teria sentido. Não é possível realizar de um só golpe um longo trabalho de propaganda. Mas sim é correto que exijamos dos dirigentes que assumam a responsabilidade e iniciativa de formar um partido proletário independente que explique sua atitude em relação aos problemas fundamentais da estratégia proletária, e que não o façam de forma abstrata e geral e sim baseados na experiência viva da geração atual do proletariado mundial. Tampouco apresentamos problemas mecanicamente aos dirigentes. Dizemos a eles: ‘antes de chegar a uma resolução definitiva sobre nossa colaboração, que desejamos o mais estreita possível, é necessário ter a plena segurança de que compartilhamos uma mesma posição a respeito dos problemas fundamentais da estratégia proletária. Eis aqui nossas posições, formuladas no calor da luta em diferentes países. Qual é sua atitude em relação a estes problemas? Se vocês não tem posições definidas a respeito, tratemos de estudá-las juntos, começando pelos problemas políticos mais imediatos e candentes’. Creio que esta forma de apresentar a questão não esconde um pingo de sectarismo. Em geral, os marxistas não podem apresentá-la de outro modo. É preciso agregar que estamos dispostos a colaborar na ação sem esperar uma resposta definitiva a todos os problemas em discussão”.
O método e os critérios de Trotsky foram o oposto dos que proclamaram ou proclamam hoje a necessidade de unir os marxistas ou unir os trotskistas e se propõem fazê-lo baseados nas “necessidades objetivas” e as declarações de princípios em geral sem testar as posições que foram adotadas diante dos fatos centrais da luta de classes, seja a posição diante da então URSS ou o balanço da restauração capitalista agora; a atitude em relação à guerra dos anos 30 ou a posição em relação à revolução e à guerra na Síria hoje; a atitude então e agora perante os Parlamentos burgueses, a política frente à burocracia e à luta pelos organismos de Frente Única; a democracia operária e o regime do Partido que se quer construir e acima de tudo seu vínculo com o partido mundial, com a reconstrução da IVª Internacional.
A unificação dos “marxistas revolucionários” com base em “acordos gerais” é muito mais parecida com a política do centrismo do que com o legado de León Trotsky.
.É imprescindível lembrar o legado de Trotsky nestes tempos em que a situação mundial de bancarrota do sistema capitalista, de avanço da barbárie em meio ao colapso ecológico, a pandemia mundial e a catástrofe econômica que nos assola. A desproporção entre as bases objetivas para uma revolução socialista e as condições subjetivas, do desenvolvimento dos organismos na classe operária e um partido revolucionário mundial com influência na classe, está mais presente do que nunca. Isso nos obriga a não esquecer essa parte do legado de Trotsky sobre a unidade de ação, a Frente Única e a construção de um partido revolucionário com todos esses grupos, setores ou ativistas individuais que com todos os matizes transitam do reformismo ao marxismo.
Tradução: Lilian Enck