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Egito

Sarah Hegazy: ativista LGBTI e a mais nova vítima da ditadura egípcia

junho 20, 2020

Há menos de 3 anos Sarah foi presa pelo regime de Al Sisi. Ao levantar uma bandeira arco-íris publicamente foi torturada, violentada e hostilizada. Desde 2018 vivia exilada no Canadá. Cometeu suicídio no dia 14 de junho, deixando indignação, tristeza e revolta pelo destino trágico ao qual foi submetida.

Por: Helena Náhuatl
 Em setembro de 2017, Sarah estava no Cairo, em um show da banda libanesa, Mashrou’Leila, quando foi flagrada levantando a bandeira símbolo da comunidade LGBTI no mundo. Foi presa uma semana depois, sendo a única mulher em um grupo de 56 pessoas que estiveram no evento e foram detidas. Depois de 2001, esse foi o ato de maior repressão à comunidade LGBTI no país. A jovem passou 3 meses de tortura e violações no cárcere egípcio. Um verdadeiro terror que a seguiu fora da prisão. Tanto ela como outros ativistas foram hostilizados desde então, perderam trabalho e estudo e viram o conjunto de suas famílias afetadas. Sarah saiu da prisão com um diagnóstico de estresse pós-traumático severo e depressão profunda: “A prisão me matou. A prisão me destruiu” disse ela em 2018[1].
A geração pós-Tahrir
Quando vemos a imagem de Sarah levantando a bandeira símbolo das LGBTIs no mundo, com um sorriso de deleite e liberdade no rosto, relembramos Tahrir, a praça da revolução que sacudiu o mundo em 2011. Nela, uma geração de jovens egípcios derrubou um regime com décadas de autoritarismo e repressão.
Ao relembrar o episódio pelo qual foi punida, a ativista dos movimentos sociais e LGBTI declarou a um jornal estadunidense: “Foi um ato de apoio e solidariedade – não apenas com o vocalista [do grupo Mashrou ‘Leila, abertamente gay], mas com todos que são oprimidos. Tínhamos orgulho de segurar a bandeira”.
Ahmed Alaa, outro jovem que participou do show e foi preso, declarou ao mesmo jornal: “Isso me fez feliz. Me fez sentir humano. Pude compartilhar minha opinião em público. Foi o melhor momento da minha vida.” Ahmed, que tinha 15 anos quando Tahrir foi o símbolo da liberdade no país, refletiu: “Após a revolução egípcia, a maioria das pessoas construíram seus próprios sonhos sobre o país e o futuro. Agora nem podemos conversar, não podemos dizer nada sobre a situação pública por causa do medo … medo do governo, medo da polícia”.
Mubarak e Al SISI: como as LGBTIs são reprimidas no Egito
Formalmente não há uma lei egípcia que condene a homossexualidade. Porém, os governos egípcios apoiam-se na lei 10/1961[2] que proíbe a prostituição e a “libertinagem”, podendo levar os condenados de uma liberdade supervisionada a três anos de prisão. No governo de Mubarak, em 2001, 52 homens foram presos em um bar acusados de perversão[3]. Sofreram linchamento midiático e humilhação pública, sendo submetidos a exames de avaliação anal para comprovar suas práticas sexuais. Vinte e um deles foram condenados a 3 anos de prisão, além de mais 3 anos sob liberdade vigiada. Um caso muito emblemático de manipulação da opinião pública, tendo em vista que Mubarak aproveitou-se do fato para desviar a atenção de seu governo corrupto e economicamente em crise.
No governo de terror de Al Sisi, desde 2013, já são mais de 250 pessoas LGBTI presas. Em 2015, foram 100 pessoas condenadas a penas máximas por “libertinagem” e “desvios sexuais”. Em sua maioria, são homens gays e mulheres trans. Al Sisi, além de promover banho de sangue e encarceramento em massa de ativistas políticos no seu regime (já são mais de 100 mil segundo organizações de direitos humanos), quer provar que, apesar de ter deposto um presidente muçulmano, segue as interpretações mais conservadoras do islamismo professadas no país.
A revolução mostrou o caminho da liberdade
A partir de 2011 até a derrubada do presidente Morsi, da Irmandade Muçulmana, a situação foi diferente. Nem as forças de segurança, nem o governo egípcio, puderam conter a onda de ativismo social e LGBTI surgida no país. Durante a revolução, lésbicas, gays e trangêneros, reuniam-se na Praça Tahrir como conta o ativista Tarek: “Pela primeira vez, não éramos alienígenas. O principal desafio era provar que, sim, eu durmo com homens, posso ser afeminado – mas você tem que me respeitar, porque eu estou ao seu lado nessa luta.” Foi um momento de florescimento e organização como jamais havia acontecido no país. Nos bares, as investidas policiais eram impedidas por cordões de mulheres que se colocavam a frente dos gays[4].
Esse processo continuou até 2013, quando Al Sisi assumiu o poder e já nos primeiros dias prendeu algumas dezenas de LGBTIs. A partir desse momento, o clima de terror e perseguição aumentou, com fechamento dos bares utilizados pela comunidade, batidas policiais cada vez mais frequentes e até infiltrações em aplicativos de relacionamento, afim de punirem os homens gays.
Digamos seu nome: em memória de Sarah Hegazy
As últimas palavras de Sarah foram um pedido de desculpas por não suportar mais as marcas da prisão, do exílio e da perda da família.  “Ao meus irmãos e irmãs – tentei encontrar redenção e falhei, perdoem-me.  A meus amigos – a experiência foi dura demais e não tenho forças para resistir, perdoem-me.                  Ao mundo – você foi cruel demais, mas o perdoo.”
A morte de Sarah, de responsabilidade do regime ditatorial de Al Sisi, deve ser lembrada não só pela comunidade LGBTI. Essa dor e indignação é de todos nós que lutamos por direitos, igualdade e para transformar o mundo. Infelizmente, quando foi presa, a maioria das organizações políticas, inclusive a que fazia parte, não se referiram nem a apoiaram como uma ativista LGBTI. Esse deve ser um reflexo do duríssimo regime de Al Sisi e das dezenas de milhares de prisões e terror que há no país.
Porém, o silenciamento não pode ser uma saída para a luta de Sarah e de todos que são oprimidos no Egito. As revoluções do Norte da África e Oriente Médio mostraram o caminho da libertação desses povos e de toda a humanidade. Derrubar essas ditaduras e regimes autoritários é necessário e urgente para seguirmos vivos. Sarah infelizmente é mais uma mártir na nossa luta, mas jamais será esquecida.  Ao redor do mundo muitas homenagens foram feitas à jovem ativista: no Canadá, Estados Unidos, nas embaixadas do Egito e expressivas manifestações nas redes sociais. Diremos sempre seu nome em nossa luta por justiça, liberdade e direitos.
Sarah Hegazy, Presente!
[1] https://www.npr.org/2018/06/18/620110576/after-crackdown-egypts-lgbt-community-contemplates-dark-future
[2] https://www.npr.org/2018/06/18/620110576/after-crackdown-egypts-lgbt-community-contemplates-dark-future
[3] http://news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/1493041.stm
[4] https://www.thedailybeast.com/egypts-growing-gay-rights-movement?ref=scroll

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