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Chile | As torcidas de futebol e seu papel na revolução

fevereiro 25, 2020

Para entender tudo o que acontece hoje com as torcidas de futebol, devemos voltar na história desse belo esporte, remontando aos anos 20, onde grandes mudanças sociais são provocadas  dentro do esporte nacional e em seus torcedores.

Por: David Rodríguez Rojas, militante secundarista do MIT
Nos anos 20, o futebol se torna um fenômeno social. Milhares de pessoas vão aos estádios improvisados, as competições se multiplicam por todo o país e surgem os primeiros ídolos do esporte.
A diversão mais próxima do esporte, no início, foram os clássicos do futebol universitário. Esses encontros foram uma verdadeira festa: familiares e amigos assistiram às apresentações musicais e artísticas preparadas pelas equipes em torno dessa disputa. Havia carros alegóricos, transporte gratuito, que eram novidades na época, como as “taguas”, bonecos gigantes, espetáculos de luzes e fogos de artifício que transmitiam felicidade e uma atmosfera de familiaridade para todos.
Os clubes sociais e esportivos como instituições começam a proliferar durante as três primeiras décadas do século XX. Como local de encontro entre moradores do mesmo bairro, o Clube era de caráter simples e singular, devido ao comprometimento e familiaridade com as diferentes pessoas que faziam parte dessa instituição.
Para se sustentar financeiramente, os clubes baseavam sua economia em associados, pessoas que se vincularam ao clube e acessavam os benefícios pagando uma taxa mensal, trimestral ou anual. Os clubes, por sua vez, financiaram seus insumos (bolas, camisas, medicamentos) por meio dessas contribuições, o que gerava uma relação de dependência e identificação dos clubes com seus torcedores. Inclusive os primeiros dirigentes dos clubes eram os principais torcedores.
Com o surgimento dos primeiros torneios oficiais, e ainda mais com o início do campeonato profissional em 1933, o espectador passa de passivo, que apenas emitia exclamações de apoio ou desaprovação após um gol, a um entusiasta mais ativo, que acompanha as jogadas, se exalta com uma tentativa de gol fracassada ou se desespera por estar perdendo, quando falta dez minutos para terminar.
Lentamente, os torcedores de uma determinada equipe começam a se localizar em áreas fixas dos estádios e começam a se vestir e a se identificar com as cores da camiseta e com os jogadores de suas equipes, além de acompanhar apaixonadamente a transmissão dos jogos por rádio ou a análise de jogos em revistas especializadas.
A diversidade de torcedores, que podem ser fanáticos, espectadores ou simpatizantes, gera um vínculo com o time devido a diferentes fatores, como por seu país de origem ou a região em que vivem, como é o caso dos “clubes provinciais”. A proximidade a uma time implicava necessariamente rivalidade com os outros.
Essas rivalidades dão lugar aos jogos conhecidos como “clássicos”, onde os torcedores fazem grandes atividades de apoio a seus times, com músicas, bandeiras e cores associadas às respectivas camisas.
Já com o passar dos anos, em 1960, a relevância que o futebol profissional atinge no Chile causa um aumento no fanatismo e as demonstrações de apoio às equipes crescem muito. Os jogadores se tornam figuras públicas, famílias completas apoiam seus times e os jogos são televisionados. Esse fenômeno se consolida com a Copa do Mundo de 62 e a consequente massificação do ídolo futebolístico.
No final da década de 1970, aparece a primeira torcida organizada, chamada Torcida Juvenil de Colo-Colo. Foi a primeira a cantar nos estádios coordenados por uma caixa; em ter uma bandeira gigante e viajar pelo Chile para incentivar a equipe.
Depois de alguns anos, em 1975, o ex-general do Departamento de Polícia Eduardo Gordon Cañas assume como presidente da Associação Central de Futebol (ACF), que agora é conhecida como ANFP. Gordon Cañas foi enviado pelo regime militar para controlar a cúpula da direção do futebol chileno, fato que não é secundário, já que, a partir deste momento, o futebol nacional começa a ser manipulado para usá-lo contra nós mesmos. A organização do povo em torcidas passa a ser cooptado pelo regime militar e seus interesses.
A partir da segunda metade da década de 80, o fenômeno das “torcidas bravas” e o aumento da violência nos jogos de futebol provocam uma mudança no relacionamento entre o torcedor e o clube. Famílias e amigos começam a se reunir em espaços privados para assistir aos jogos transmitidos pela televisão, param de ir ao estádio e as torcidas tomam o controle do espaço público com suas normas e estruturas, muito disso tem a ver com a ditadura imposta pelo tirano Pinochet e sua opressão e manipulação no esporte e no nível nacional, prova disso é a entrada de Eduardo Gordon Cañas como presidente da ACF.
No entanto, as torcidas sempre foram um símbolo de união e luta, sempre mostraram que, independentemente do resultado ou do lugar, sua lealdade ao time que amam é algo que não pode ser definido.
Mas depois da implementação das sociedades anônimas com a privatização do clube que começou em 1980, graças à segunda intervenção política militar feita ao clube esportivo Colo Colo, se gera uma importante instabilidade esportiva no clube e uma dívida enorme com o clube que somente se terminou de pagar no ano de 2010. Nisso ficou demonstrado que não importava o que acontecesse, os torcedores ainda estavam lá sempre fiéis ao slogan e, em grande escala, sempre apoiando o time que amavam, suscitando manifestações sociais de grande envergadura durante os anos 80 ” frente à ditadura do tirano Pinochet.
Independentemente do exposto, o legado das torcidas está em seu maior esplendor, onde é demonstrado que seus membros não apoiam um estado opressivo como o que hoje encabeça o assassino Piñera. A consigna de “Ruas com sangue, campos sem futebol” é um reflexo claro do mal-estar dos torcedores em relação ao governo, e é o mesmo através das sociedades anônimas que querem usar o futebol como uma ferramenta de divisão e manipulação, como se viu na ditadura do tirano Pinochet.
Este fato é narrado pelo ex selecionado e esportista profissional Carlos Caszely, onde, em uma entrevista, ele diz: “Pinochet procurou manejar o futebol para, por exemplo, fazer com que, sempre, no 11 de setembro jogasse o Colo Colo e o U (Universidade de Chile). Sempre fizeram o Colo Colo jogar nessa data, sempre.” Com o objetivo de enfraquecer as manifestações que costumavam ocorrer nessa data. O ex-atacante é enfático ao apontar que “todo mundo sabe que a ditadura tira proveito do esporte, e do futebol em particular, para fazer as pessoas esquecerem seus problemas; o futebol é o circo do povo.”
E agora vemos o papel que as torcidas desempenham na revolução que está ocorrendo hoje em nosso país, pois esses torcedores são um símbolo de luta que protege e resguarda a segurança de todos os manifestantes nas diferentes praças do país através da primeira linha, como tem sido o escudo e exemplo de união em cada protesto. Antes era muito difícil ver torcedores do Colo Colo convivendo em uma atmosfera de união com os torcedores da Universidade do Chile, isso significa que estamos superando as barreiras que o governo opressivo deseja impor através das máfias do futebol e de seus lucros esportivos como Estádio Seguro. Diante do assassinato de companheiros da torcida como Jorge Mora, mais conhecido como “Neco”, o povo e as torcidas honram e exemplificam o companheiro, porque é um símbolo de união para as torcidas e para o povo. Deixando claro que não se deve sair das ruas ou abandonar a luta do povo.
Nem os atletas nem torcedores se renderão ante os empresários, o estado e a seus cães. Enquanto eles não nos deixarem sonhar com uma mudança social, econômica e real, as torcidas não os deixarão dormir.
Viva futebol e as torcidas, porque estamos cansados ​​de lutar em entre nós e agora temos o inimigo em comum!
Tradução: Lena Souza

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