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Especial Nahuel Moreno

32 anos sem nosso incansável dirigente: breve resumo da vida de Nahuel Moreno

fevereiro 24, 2019

Em Buenos Aires, no dia 25 de janeiro de 1987, o coração cansado de Nahuel Moreno golpearia a todos com uma triste notícia: aos 62 anos, o incansável defensor e continuador da tradição de Marx, Lenin e Trotski nos deixava.

Por: Elias Dias

Moreno denominou sua atuação como “trotskismo bárbaro”. Embora o termo específico possa ter a ver com seu senso de humor, de quem adorava fazer piadas, o significado é sério e comprometido como sempre foi a atividade do dirigente: Moreno chamou sua atuação de “trotskismo bárbaro” por tê-la construído sem a orientação de uma organização ou direção internacional e, justamente por isso, esteve muito mais sujeita a erros. Entretanto, sua confiança na classe operária, sua defesa do internacionalismo, sua humildade científica de bom marxista e sua gana por trabalhar garantiram a Moreno e à história o sucesso na empreitada de continuar a luta de León Trotski.

Este texto baseia-se no material de Carmen Carrasco e Hernan Felix Cuello, denominado “Esbozo biográfico – Nahuel Moreno” [1], escrito em 1988 e publicado na Argentina, um ano após a morte do dirigente. Não se trata de uma tradução de tal material, que possui mais de 30 páginas. Pode-se dizer, portanto, que é um resumo reorganizado da vida de Nahuel Moreno, com todas as debilidades que um resumo baseado em um esboço possa possuir, quanto mais em se tratando de uma existência tão indispensável como a de Moreno.

Trotski, na introdução de sua autobiografia, preocupa-se em alertar ao leitor que todos os fatos de seu passado, por menos notáveis que possam ter sido, “ligam-se à luta revolucionária e dela tiram o seu sentido” e que “os fatos de sua vida pessoal têm sido tão estreitamente inseridos no tecido dos acontecimentos históricos que é difícil separar uns dos outros” [2]. A mesma coisa podemos dizer de Moreno e, com toda certeza, de todo abnegado revolucionário. É por este motivo que a linha biográfica aqui resumida se apresentará, na maioria das vezes, como um relato das batalhas travadas pelo nosso dirigente.

1 – Como tudo começou
Data do dia 24 de abril de 1924, em Alberdi, província de Buenos Aires, o nascimento de Hugo Miguel Bressano Capacete, que não muito mais tarde ficaria conhecido como Nahuel Moreno, codinome adquirido logo no início de sua militância, dado por seu primeiro dirigente, com o qual rapidamente Moreno rompeu. “Nahuel” significa “tigre” no idioma indígena araucano, “Moreno” é a cor do pelo: “castanho” ou “marrom”.

Hugo, ou Nahuel Moreno, era filho de um contador público. Sua família era de classe média alta e de origens italianas e espanholas. Seus tios eram dirigentes locais do Unión Cívica Radical, partido burguês que elegeu Raúl Alfosín como presidente da Argentina de 1983 a 1989 (mais tarde elegeria Fernando de la Rúa de 1999 a 2001. Este partido também fez outros dois presidentes entre as décadas 1910 e 1930).

A influência familiar introduziu as primeiras leituras políticas ao jovem Nahuel Moreno, que gostava principalmente de ler sobre filosofia e praticar esportes, como futebol, natação, boxe… No ramo dos esportes, mais tarde se apaixonaria também pela prática do tênis.

Na década de 30, sua família o mandou à capital da Argentina para estudar. Nestes anos, o país se converteu numa semicolônia inglesa, se encontrava em profunda crise econômica e os governos eram reacionários e repressivos. Em 1939, começaria a Segunda Guerra Mundial e nos colégios de Buenos Aires grupos nazistas, organizados militarmente, atacavam grupos judeus. O fascismo influenciava em todos os lugares.

O aplicado estudante, ainda conhecido por seu nome de nascimento, Hugo Bressano, foi muito impactado por este cenário, sendo um lutador antirracista. Moreno gostava de matemática, filosofia, teatro e odiava política, motivo pelo qual foi muito resistente a ser ganho pelo trotskismo, o que aconteceu por atuação direta de um trabalhador marítimo de sobrenome Faraldo, o qual Moreno conheceu em um reduto de intelectuais, que contava com artistas, críticos e escritores de renome.

Ser trotskista nessa época significava ser reprimido de um lado pelos nazi-fascistas e do outro pelos stalinistas, de maneira até mesmo mais forte. Além disso, o trotskismo se limitava a pequenos grupos dispersos, que pouco atuavam e estavam muito mais pelos bares. Para parafrasear o próprio Moreno, entre 1940 e 1943, o trotskismo era uma festa.

Hugo Bressano entrou no grupo trotskista dirigido por Liborio Justo, conhecido como Quebracho. Dali em diante se tornaria Nahuel Moreno, como ficou conhecido desde então. Moreno não demorou a romper com Quebracho e em breve nasceria o Grupo Obrero Marxista (GOM).

2 – O Grupo Obrero Marxista (GOM) e a classe operária
Em 1944, na Avenida Corrientes em Buenos Aires, nascia o Grupo Obrero Marxista (GOM), fundado por Moreno e alguns amigos adolescentes, entre eles Boris, um operário da indústria têxtil e sua irmã Rita, de 15 anos, operária e dirigente sindical do setor gráfico, com quem Moreno se casou pouco tempo depois e teve dois filhos: Eleonora, em 1949, e David, em 1954.

O documento precursor do GOM, chamado “O Partido”, colocava claramente o objetivo de acabar com a “festa” que era o trotskismo na época: O novo grupo tinha como ambição a inserção e intervenção sérias no movimento operário. No mesmo ano de sua fundação, o GOM percebeu que a oportunidade para alcançar seus objetivos estava no sul de Buenos Aires, especialmente nos grandes frigoríficos, cuja produção havia entrado no auge em razão da Segunda Guerra Mundial.

A oportunidade para os jovens do GOM surgiu em janeiro de 1945, quando explodiu uma greve na maior fábrica frigorífica do país, a Anglo-Ciabasa, que contava com 15.000 operários. A “receita” para se inserirem entre os operários em greve veio de Mateo Fossa, um aguerrido e perseguido dirigente trotskista que não dava importância à construção do partido, mas que deu a Moreno e amigos uma dica preciosíssima: Deveriam fazer uma coleta de recursos e levar até o comitê de greve, além de se colocarem à disposição dos grevistas para todo tipo de serviço, para imprimir seus boletins, para fazer o trabalho duro, sem pretensões de querer “ser chefe”.

Assim fizeram os militantes do GOM, ainda que tenham tido dificuldades em encontrar os dirigentes de fábrica, que eram anarquistas e desorganizados. No fim do processo, o grupo captou para a organização o comitê de greve e vários ativistas, além de ter feito diversos simpatizantes e amigos.

Depois disso, Moreno e vários companheiros foram morar em Villa Pobladora, um bairro operário contornado pelo rio e pela ferrovia, em Avellaneda, província de Buenos Aires. O GOM tratou de fazer uma “fortaleza” trotskista em meio à maré peronista que tomou a Argentina desde 1945.

Além do trabalho nos frigoríficos, o grupo dirigiu o sindicato da construção e meia comissão interna da maior metalúrgica do país. Moreno assessorou dirigentes operários ganhos para o GOM na fundação de diversos grandes sindicatos, como a Federação da Carne e a Associação Operária Têxtil.

A inserção dos trotskistas nas fábricas e no bairro operário tinha se dado! O GOM funcionava no Clube Corações Unidos de Villa Pobladora. Além de “usina” do trotskismo, o clube organizava bailes e atividades culturais e esportivas. Lá também se faziam cursos para operários. Os conteúdos iam desde ensinar àqueles que não sabiam ler nem escrever, até temas como as revoluções francesas e russa, além de um curso de iniciação marxista e partidária.

O GOM passou a se chamar Partido Obrero Revolucionario (POR), o número de militantes atingiu a cifra de centenas e, alguns anos depois, chegou no primeiro milhar. Era um feito e tanto e chamava atenção, inclusive daqueles trotskistas que permaneciam “em festa”.

Mais tarde, Moreno chegaria à autocrítica que nomeou de “obrerismo”: Sua organização, na obsessão de tirar o trotskismo dos bares e construí-lo entre os operários (obreros, em espanhol), esqueceu-se de formular políticas para ganhar para o trotskismo setores estudantis e frações que rompiam com o Partido Comunista e o Partido Socialista.

As autocríticas de Moreno sempre estiveram a serviço da correção dos erros para que a direção revolucionária pudesse triunfar. Embora o desvio “obrerista” tenha sido identificado, vale dizer que a obsessão pela construção na classe operária é um dos principais trunfos de Moreno e foi sua linha para a construção partidária no mundo inteiro: Ajudou o partido colombiano a entrar nas concentrações operárias do país; empurrou o partido espanhol para Getafe, província de Madrid com importante atividade industrial; ensinou o partido brasileiro a entrar no ABC Paulista etc.

3 – O pós Segunda Guerra, as revoluções e o trotskismo
Em 1948, Moreno viajou à França pela primeira vez, como delegado do POR no II Congresso da Quarta Internacional. O mundo pegava fogo no pós-guerra: As guerrilhas de Mao Tse Tung estavam para tomar o poder na China, um processo de libertação nacional sacudia o sul e sudeste asiático, o mundo árabe e toda a África e Metade da Europa estava ocupada pelo Exército Vermelho de Stálin e começava a construção de novos estados operários no Leste Europeu.

Moreno se somou à dura tarefa de colocar a construção da Quarta Internacional em marcha, sem a mão orientadora de Trotski. Entre os dirigentes desta tarefa, estavam o grego Pablo, os ingleses Healy e Hunter, o belga Mandel, os franceses Frank e Lambert, o italiano Maitán, o chinês Peng e o estadunidense Cannon.

Uma ala dos dirigentes se inclinava por não reconhecer os estados do Leste Europeu como operários, já que haviam sido feitos “a frio”, de maneira burocrática, sem revoluções operárias, nem partidos bolcheviques, como na Rússia. Pablo, Mandel e Moreno estiveram na ala que defendia o oposto: apesar de terem nascido de modo atípico e deformado pela burocracia stalinista, era necessário reconhecer que estes estados operários haviam sido uma conquista das massas. Na polêmica, Moreno teve destacada atuação e, no fim das contas, a Quarta Internacional reconheceu estes estados como operários.

Este reconhecimento permitiu ao trotskismo dar uma resposta correta a uma questão decisiva no pós-guerra: estes estados eram triunfos da revolução e deveriam ser defendidos de toda agressão vinda do imperialismo. No entanto, pouco tempo depois a Quarta Internacional (QI) entraria em crise, com início da Guerra Fria.

Nesta época, os partidos comunistas (stalinistas) possuíam enorme prestígio, isso por conta da derrota de Hitler e das transformações do Leste Europeu. Pablo e Mandel e outros camaradas, que compunham o que chamou-se de “plabismo”, analisaram que a Terceira Guerra Mundial seria inevitável e, assim sendo, passaram a supor que os partidos stalinistas, obrigados a defender a URSS na Terceira Guerra, se tornariam revolucionários.

A política decorrente desta elaboração foi o entrismo (infiltração) em partidos stalinistas e assim muitos grupos fizeram, durante vinte anos. A consequência de tal política foi o desaparecimento quase total do trotskismo na Europa. Neste tema, Moreno se opôs aos pablistas desde o princípio. Inclusive, tal capitulação do pablismo levou a uma derrota histórica na Bolívia, em que as massas formaram milícias operárias e camponesas e se tornaram a única força armada do país. Enquanto Moreno defendia a tomada do poder, Pablo defendeu que o poder passasse a um governo burguês, o que enterrou de vez a revolução e o salto de qualidade do trotskismo a nível mundial.

Para completar o desastre, o pablismo passou a adotar métodos completamente burocráticos, expulsando sessões inteiras que se opunham às suas posições. Moreno não escapou disso e o POR foi colocado como sessão simpatizante, enquanto um grupo pequeno, dirigido por Posadas, foi colocado como sessão oficial da Argentina. Em 1953, Moreno rompeu relações com o Secretariado Internacional dos pablistas, em solidariedade a sessões francesas que foram expulsas.

Moreno se somou ao Comitê Internacional, dirigido principalmente pelo SWP, partido estadunidense, e disputou para que fosse um partido mundial, democraticamente centralizado. O SWP, por outro lado, impôs que fosse uma federação de partidos, com uma organização mais frouxa. Com isso, o Comitê Internacional não conseguiu derrotar politicamente o pablismo e a crise da Quarta Internacional não teve solução.

Como parte do Comitê Internacional, Moreno e outros camaradas organizaram o Secretariado Latino-americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), que atuou na Argentina, Chile, Bolívia e Peru, como uma direção centralizada para atuar na região.

Dessa crise da QI, Moreno tirou a conclusão de que seu principal problema é que ela não estava em mãos proletárias e que sua base social estava na intelectualidade europeia e com todos os vícios das correntes pequeno-burguesas.

4 – A Revolução Cubana e as disputas de Moreno
Em 1959, triunfou a Revolução Cubana. Um movimento guerrilheiro, depois de anos lutando de maneira exilada na serra, empalmou com um grande ascenso de massas e Che Guevara e Fidel Castro encabeçaram uma insurreição, expropriando a burguesia em seguida. Todo mundo foi pego de surpresa: O imperialismo, o stalinismo (que pela primeira vez viu uma revolução triunfante fora de seu controle) e o trotskismo.

Che e Fidel passaram a encabeçar um movimento latino-americano que ganhou a maior parte dos melhores lutadores, que acreditavam ter encontrado um atalho. Durante quase 20 anos, uma geração inteira de revolucionários seguiu a linha de Fidel Castro (o castrismo) e terminou no desastre, em muitos casos capitulando à burguesia e caminhando para o próprio extermínio, tal como ocorreu com Che na Bolívia em 1967.

Moreno ficou praticamente sozinho resistindo a este vendaval, polemizando dentro e fora do partido, defendendo os princípios trotskistas e da classe operária, se opondo à concepção pequeno-burguesa de fazer exércitos de guerrilheiros nacionalistas, mas incorporando no arsenal de táticas a luta armada de massas para ser usada em determinadas circunstâncias (ver atuação de Moreno na Revolução Nicaraguense), sem abandonar jamais a atividade central, que é o trabalho sobre o movimento operário e de massas e a construção de um partido mundial revolucionário.

5 – A LIT e a partida de Moreno
Infelizmente, muitos elementos da vida e atuação de Moreno precisaram ser suprimidos no presente texto por questões de espaço editorial. A batalha contra o desvio guerrilheirista, por exemplo, se estendeu por anos, tendo desdobramentos ferrenhos no Peru, onde, por política de Moreno, despontou Hugo Blanco, que mais tarde romperia com nosso dirigente. Neste país, inclusive, Moreno foi preso político, assim como esteve preso no Brasil por motivos políticos em 1978 e proibido de entrar no país até 1985.

Como um dos principais saldos da luta contra o desvio guerrilheirista e o ultraesquerdismo, Moreno escreveria, por volta de 1974, o material intitulado “Um documento escandaloso”, que polemiza com Mandel e é um guia para a construção do partido. Conhecido como “Morenazo” e publicado no Brasil como “O Partido e a Revolução”, o livro é até hoje estudado por trotskistas de todo o mundo.

Em 1974, Moreno vivia também a tristeza profunda do falecimento de sua esposa, Rita, por uma doença incurável. Moreno a tinha como a maior personalidade feminina que já tinha conhecido.

Ainda como parte de seus esforços em construir a direção revolucionária mundial, Moreno estabeleceu contato com o francês Lambert, da Organização Comunista Internacionalista (OCI). Moreno, inclusive, se instalou em Paris no ano de 1980, com o objetivo de construir o trotskismo ortodoxo nas fileiras operárias da Europa. O sonho, entretanto, rapidamente veio ao chão: Em 1981, a OCI capitulou ao governo de frente popular triunfante na França, que estava a serviço da burguesia imperialista francesa. A elaboração de Moreno “A traição da OCI” ilustra bem o evento e também nos traz lições para os dias atuais.

No entanto, mesmo com o fracasso, toda essa história significou, para Moreno, avançar mais um passo: Em janeiro de 1982, era fundada a Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) para dar continuidade ao fio vermelho da direção revolucionária rompido por Pablo em 1951, Mandel em 1979 e Lambert em 1981. Moreno jamais pensou que a LIT pudesse se proclamar, ela própria, a Quarta Internacional, mas a considerou como uma parte, a parte principista, do trotskismo.

No dia em que se votou a fundação da LIT, Moreno esteve em todos os debates, mas, depois, precisou ficar acamado, em razão de problemas cardíacos. Mesmo com o coração cansado, Moreno prosseguiu incansável, fazendo viagens dentro da América e na Europa para construir a Internacional e fazer disputas.

Nos últimos anos, Moreno, inquieto e atormentado pela insônia, se levantava no meio da noite para ler sem parar as discussões do marxismo contemporâneo. Uma de suas elaborações nos últimos anos de vida é o folheto “As Revoluções do Século XX”.

Nosso dirigente seguiu, até seus últimos dias, incentivando os militantes e dirigentes ao estudo, à escrita, à preparação de informes… Ainda que a experiência e o nível teórico de Moreno estivessem muito mais avançados em comparação com os demais dirigentes, o camarada sempre incentivou o desenvolvimento de cada e cada uma em vários países da América Latina e do mundo, sempre obcecado pela continuidade de Marx, Engels, Lênin e Trotski.

Vale aqui reproduzir, na íntegra e em tradução livre, o final do relato de Carrasco e Cuello sobre o último dia de Moreno na sede do partido: “Fez suas piadas e deu as gargalhadas habituais, encheu a pasta com materiais para ler no fim de semana e se foi. Assim o recordaremos sempre.”

Notas

[1] Carmen Carrasco e Hernan Felix Cuello. Esbozo Bibliográfico – Nahuel Moreno. 1988.

[2] León Trotski. Minha Vida. Editora Paz e Terra, 1969.

Publicado em: https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/31-anos-sem-nosso-incansavel-dirigente-breve-resumo-da-vida-de-nahuel-moreno/?fbclid=IwAR04agr9KajUBVu4IX38WoSnU6cXzBP10lCdNic65QeoP_ZPlclSPp2D5vc

 

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