Alguns militares ligados à guarda presidencial tentaram dar um golpe no Gabão no dia 07 de janeiro, fracassaram totalmente, mas a crise, que os levou a isso, continua.
Por: Américo Gomes
Seu líder golpista, o tenente Kelly Ondo Obiang, anunciou a criação de um “Conselho Nacional” para a “Restauração da Democracia” e para preservar a integridade territorial do Estado. Ele pediu a todas as forças de segurança e jovens do Gabão para se juntar ao que ele chamou de “Operação Dignidade”.
A Reuters chegou a noticiar que cerca de 300 pessoas foram até a sede da emissora em apoio à tentativa de golpe, mas foram reprimidas por militares governistas.
Em algumas horas o governo neutralizou todos os soldados envolvidos, matando dois e prendendo os oito restantes. Não houve muito apoio ao chamado dos golpistas para ajudar a derrubar o governo.
O porta-voz do governo Guy-Bertrand Mapangou disse à Radio France Internacional, que os golpistas eram “um grupo de brincalhões e a hierarquia militar não os reconhece“.
Moussa Faki Mahamat, presidente da União Africana, condenou veementemente a tentativa de golpe. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França também criticou a ação em sua antiga colônia e defendeu “a estrita conformidade com as disposições da sua constituição“.
Embora não conheçamos todos os detalhes desta “tentativa de golpe”, parece ter sido realizado por soldados sem experiência, sem um plano operacional real. Mas esta tentativa destaca a fragilidade do regime diante de uma profunda crise política.
Para começar o Presidente do país, Ali Bongo Ondimba, está ausente há mais de dois meses, pois teve um derrame enquanto participava de uma conferência na Arábia Saudita. De Riad (capital da Arábia Saudita) foi transferido para um hospital militar no Marrocos em dezembro.
Isso criou uma crise constitucional e um vácuo de poder. Para tentar amenizar esta crise o Tribunal Constitucional mudou a constituição e inseriu uma cláusula que permite que poderes sejam transferidos para o Primeiro Ministro ou Vice-Presidente no caso de “indisponibilidade temporária” do presidente, sem limite de tempo, evitando assim a necessidade de eleições. Porém essa mudança não passou por uma votação parlamentar ou por um referendo popular.
O Tribunal é conduzido por Marie-Madeleine Mborantsuo (ex-esposa de Omar Bongo), conhecida como “3M”, que é presidente do tribunal desde sua criação em 1991. Sempre ajudou a dinastia Bongo a se manter no poder, por mais de meio século. Em 2009, supervisionou diretamente a transferência de poder do falecido Omar Bongo, que esteve no poder por 42 anos, para seu filho Ali Bongo, depois de eleições fraudadas. Em 2016, novamente o tribunal confirmou Ali Bongo na presidência, depois que venceu com apenas 1,6% de diferença eleições também denunciadas por fraude.
O Gabão é um dos regimes notoriamente mais corruptos da África, Omar Bongo mantinha laços estreitos com o imperialismo francês, no que chamava de “Françafrique”, e utilizou uma grande parte da vasta riqueza petrolífera do Gabão em benefício próprio
Aliado incondicional do imperialismo francês
Em 1958, a população aprovou a constituição proposta pelo General Charles De Gaulle, e foi criada a República do Gabão. Em maio de 1960, o governo de Léon Mba recebeu, pelo voto da Assembleia Legislativa, o mandato de negociar com o império colonial as fases da transição para a independência, mas “em amizade com a França”. Em 17 de agosto de 1960 a independência é proclamada, o primeiro governo é formado por Mba como primeiro-ministro. Seu chefe de gabinete era Albert-Bernard “Omar” Bongo.
Em 1964 houve uma tentativa de golpe de estado, que foi justificada por seus realizadores devido ao governo “servir como um canal para os interesses franceses no Gabão“. Nessa ocasião prenderam Léon Mba e o governo foi substituído pelos militares. Mas depois de 24 horas o governo de Mba foi restabelecido.
Para isso o Palácio do Eliseu, em Paris, instruiu o general Louis Kergaravat e o general René Cogny, liderando 600 soldados vindos de Dakar, Senegal e Congo-Brazzaville, para voar em Libreville e apoiar os governistas que queriam reverter o golpe, e que já eram apoiados pelos soldados marroquinos franceses. O objetivo era manter as boas relações das empresas francesas que trabalhavam na mineração de urânio, madeira, ferro e petróleo.
Em 1967 Mba morre, e a Constituição do Gabão foi alterada para que o vice-presidente assumisse automaticamente a presidência fazendo com que Omar Bongo, vice-presidente, assumisse o cargo. Quando Omar morreu em 8 de junho de 2009, ele foi sucedido por seu filho, Alain Bernard Bongo.
Sucessivas tentativas de golpe fracassaram porque o Gabão permaneceu um estado quase com pouco ou nenhum controle doméstico. O Gabão é importante para a França devido a exploração dos recursos naturais e minerais, particularmente a base de apoio para sua capacidade nuclear, contando com o urânio, ferro, manganês e outros minerais lucrativos.
Desde os anos 1970, o Gabão tornou-se o quarto maior produtor africano de petróleo e possui vastas reservas de madeira, provenientes da “segunda floresta amazônica” do mundo.
O Gabão é um enclave colonial de interesses franceses, um pseudo-estado com a presença de uma força expedicionária militar francesa de 8.900 soldados. A Guarda Presidencial está sob a liderança da inteligência no ministério da defesa, comandada por Frederico Bongo, e seu primo, Grégoire Kouna.
Agora Donald Trump enviou mais 80 soldados ao Gabão para “defender os interesses dos EUA” e ficar de olho na vizinha República Democrática do Congo depois das eleições fraudadas.
A família Bongo administra o Estado e as empresas estatais e comerciais associadas.
Derrubar a ditadura do Gabão e realizar sua verdadeira independência é uma tarefa fundamental para a classe trabalhadora do país e de todo continente africano.